Musiqualidade

R E S E N H A

Cantores: NANA, DORI e DANILO CAYMMI
CD: “CAYMMI”
Gravadora: SOM LIVRE

Se no dia 30 de abril de 2014 vivo estivesse, o grande Dorival Caymmi estaria completando seu centenário de nascimento. Tido como um dos maiores formatadores da canção popular brasileira junto com Noel Rosa, Tom Jobim, Ary Barroso e poucos outros, Caymmi também cantava e pintava quadros nos quais abordava temas diversos. Um deles, seu auto-retrato, foi o escolhido pelos três filhos artistas, Nana, Dori e Danilo, para emoldurar a capa do CD intitulado “Caymmi”, o qual foi gravado pelos três no começo deste ano e acaba de chegar ao mercado através da gravadora Som Livre, tendo como objetivo dar início às homenagens que certamente serão multiplamente rendidas ao Buda Nagô (alcunha dada por Gilberto Gil em referência ao seu estilo descansado de ser, tido, inclusive, como uma característica dos bons baianos) até o final do próximo ano.

Caymmi, que já teve sua obra revisitada por Gal Costa, Jussara Silveira e Rosa Passos, entre outros, foi um dos responsáveis pela projeção da imagem da Bahia tanto no Brasil quanto no exterior. Ainda em Salvador, ele trabalhou em várias frentes antes de tentar a sorte como cantor de rádio, tendo se iniciado profissionalmente como compositor em 1936 quando ganhou um concurso de músicas de carnaval. Dois anos após, mudou-se para o Rio de Janeiro e, entre o desejo de cursar Direito e a curiosidade que o jornalismo lhe despertava, terminou enveredando mesmo foi pelos caminhos da música. O estouro inicial ocorreu quando teve a sua canção "O Que É Que a Baiana Tem" incluída no filme "Banana da Terra", estrelado por Carmen Miranda. Logo em seguida, passou a atuar na Rádio Nacional, onde conheceu a cantora Stella Maris. Com ela se casou em 1940 e, juntos, viveram até o fim de suas vidas.

Diversas foram as músicas de Caymmi que se tornaram clássicos do nosso cancioneiro. Entre elas estão as pérolas "É Doce Morrer no Mar", "Marina", "João Valentão", "Maracangalha", "O Samba da Minha Terra", "Lá Vem a Baiana", "Sábado em Copacabana", "Nem Eu", "Saudades da Bahia", "Dora", "Oração pra Mãe Menininha" e "Rosa Morena". Celebrizou-se pelos temas praieiros e sua voz grave (herança repassada aos filhos) o tornou inconfundível, servindo como pano de fundo para embalar várias gerações.

Em comparação com outros compositores, Caymmi criou pouco (está-se a falar em quantidade de músicas compostas) e sua discografia oficial se restringe a não mais de duas dezenas de títulos. Desta forma, grande parte de seu cancioneiro já foi revisitado à exaustão, o que torna de fato complexa a tarefa de regravá-lo.

A ideia de Nana, Dori e Danilo (que já registraram anteriormente diversas canções conhecidas do patriarca em outros projetos) para prestar o tributo trazendo a lume canções menos óbvias de Caymmi, então, não poderia soar mais interessante, ainda que, no bojo, algumas das dezesseis músicas reunidas nas treze faixas que compõem o recém-lançado álbum, não sejam assim tão desconhecidas. É o caso de “Vamos Falar de Teresa”, “Caminhos do Mar” e “Retirantes” (as duas primeiras parcerias com Danilo e a última feita ao lado de Jorge Amado), temas nacionalmente propagados pela Rede Globo quando escolhidas para as aberturas da minissérie “Teresa Batista” e das telenovelas “Porto dos Milagres” e “Escrava Isaura”, respectivamente. Mas há, no roteiro, algumas canções que realmente merecem ser descobertas por uma fatia maior de público como “Quando Eu Durmo”, “Balaio Grande”, “Sereia”, “Acaçá”, “Itapoã” e “Cantiga de Cego”.

Nana, como de costume, arrasa nas interpretações. A ela foram dedicados alguns momentos solo e fica difícil não se entregar à carga emotiva empregada a “Francisca Santos das Flores” (que surge como fado e foi gravada com apropriado sotaque português), “A Mãe d’Água e a Menina” e “História pro Sinhozinho”. Dori e Danilo quase sempre aparecem juntos e especialmente em “Roda Pião” tal integração beira a perfeição. E enquanto o primeiro assinou a produção e os arranjos em geral (que contam com músicos de ponta, a exemplo de Jorge Helder no baixo, Jurim Moreira na bateria e Teco Cardoso nas flautas), Danilo soltou sozinho o vozeirão em “Fiz uma Viagem”.

Trata-se de um CD muito bem arquitetado, conduzido e realizado que certamente não deve faltar em qualquer cedeteca que se preze. Corra e ouça!

N O V I D A D E S

* O carioca Diogo Nogueira convive com a música praticamente desde que nasceu. Filho de um de nossos mais importantes sambistas, o saudoso João Nogueira, ele frequentou as rodas de samba do pai ao longo de toda a infância e adolescência, mas por um tempo virou jogador de futebol. Um problema no joelho, no entanto, terminou por tirá-lo dos campos, lançando-o de vez nos caminhos da música. Em 2007, pôs no mercado “Ao Vivo”, seu primeiro CD, e dali por diante vem conseguindo fazer crescer sua popularidade. Aproveitando sua fina estampa e, por consequência, o sucesso que faz especialmente junto à ala feminina, a gravadora EMI acaba de fazer aportar nas lojas o novo álbum de Diogo, estrategicamente intitulado “Mais Amor” e que, sob a produção de Leandro Sapucahy, traz, no seu repertório de quatorze faixas, canções de temática e pegada sensual-sentimental. Trata-se de uma opção que o distancia da trajetória do pai, sempre propagador do samba tradicional, mas que certamente o ajudará a continuar sendo o bom vendedor de discos que já é. Ótimo cantor e dono de voz de timbre grave e claro (que lembra o do pai, embora nos registros mais recentes já se note uma salutar tentativa de distanciamento), Diogo de fato entende do riscado. O recém-lançado CD traz apenas uma canção de sua própria autoria (“Muito Mais Além”, parceria com Inácio Rios e Raphael Richaid), o que faz com que haja bastante espaço para o artista mergulhar em searas alheias. Em meio a algumas canções descartáveis, a exemplo dos pagodes românticos “Desejo me Chama” (de André Renato e Leandro Fab), “Não Fica de Caô” (de Miguel BD, Rômulo Doutor e Felipe Cavaco) e “Sonhos” (de Santaninha, Baby, Charlinho e Jair Cândido), o projeto alcança os seus melhores momentos com as faixas “Primeiro Samba” (de Serginho Meriti, Fátima Lima, Mi Barros e Rodrigo Leite), “No Sapato” (de Jorge Aragão, Xande de Pilares e Leandro Fab), “Altos e Baixos” (de André Renato, Bira Silva e Alessandro Dida) e “Quem Vai Chorar Sou Eu” (de Serginho Meriti e Rodrigo Leite), esta contando com a participação especial e bem-vinda de Zeca Pagodinho.

* E a família Carvalho está mesmo com tudo! Depois de a sobrinha Luciana ter lançado um ótimo CD e da filha Luana se encontrar em processo de produção de seu primeiro álbum, a sambista Beth Carvalho vê sua irmã Vânia também pôr no mercado o seu segundo álbum. Trata-se de “Coração na Voz”, o qual contém a assinatura do violonista Fernando Coelho na produção e traz, no repertório, canções assinadas por feras como Egberto Gismonti (“Pr'um Samba”), Jacob do Bandolim (“Jamais”, parceria com Luiz Bittencourt), Paulinho da Viola (“Para um Amor no Recife”), Maysa (“Resposta”) e Mário Lago (“Rua sem Sol”, feita ao lado de Henrique Gandelman).

* Depois de mais de três décadas de carreira, a cantora Patricia Marx está lançando o seu primeiro DVD. Trata-se de “Trinta ao vivo”, um projeto encampado pelo selo Lab 344, também disponível no formato CD. O repertório traz, entre outras, as canções “Sem Pensar” (dela e Mad Zoo), “Rock with You” (de Rod Temperton) e “Sonho de Amor” (de Michel Sullivan e Paulo Massadas). Já o registro de “Espelhos d'Água” (de Dalto e Claudio Rabello) foi feito em estúdio e conta com a participação especial de Seu Jorge.

* Desde que foi catapultada para a fama em 2009 com o estouro nacional da canção “Shimbalaiê”, Maria Gadú vem participando, como convidada especial, de diversos discos de colegas. Alguns desses fonogramas acabam de ser compilados no CD intitulado “Nós” que chegou recentemente ao mercado através do selo Slap, integrante da gravadora Som Livre. São dezoito faixas através das quais a cantora mostra sua versatilidade em encontros com Ivan Lins, Ana Carolina, Moska, Sandra de Sá, Caetano Veloso, Jota Quest, Chitãozinho & Xororó, Milton Nascimento e Gilberto Gil, entre outros.

* “Tejo Tietê” é o título do novo CD da cantora portuguesa Susana Travassos que está sendo lançado no Brasil pela gravadora Delira Música. Sob a produção de Paulo Bellinati e com a participação ativa do violonista Chico Saraiva, o álbum traz, no repertório, canções assinadas por Heitor Villa-Lobos (“Melodia Sentimental”, parceria com Dora Vasconcelos), Elomar (“Cavaleiro do São Joaquim”) e Carlos Paredes (“Verdes Anos”), entre outras.

* “Sou Eu” é o título do primeiro CD da cantora carioca Lu Oliveira, uma produção independente capitaneada por Zé Renato que também participa como convidado da faixa “Mulata” (de Maurício Coutinho e Rui Aragão) e contribui com “Paixão pelos Ares” (parceria com Pedro Luís) no repertório de dez canções escolhidas a dedo entre compositores que vão de Chico Buarque (“Na Ilha de Lia, no Barco de Rosa”, feita com Edu Lobo) a Roque Ferreira (“Baticum de Samba”, composta com Paulo César Pinheiro). Lu canta lindamente e, intérprete correta, faz com que o álbum alcance os seus melhores momentos com a canção-título (de Moacir Santos e Nei Lopes), “Amor nas Estrelas” (de João Donato e Lysias Enio) e “Tenha Pena de Mim” (de Babaú e Cyro de Souza, esta contando com a participação especial do CelloSambaTrio, trio composto por Jaques Morelenbaum no violoncelo, Rafael Barata na bateria e Lula Galvão no violão). Os arranjos do disco são assinados por Arthur Verocai, Leandro Braga, Cristóvão Bastos e João Carlos Coutinho, um luxo só!

* O PianOrquestra está lançando o DVD “Multifonias” que eterniza o show realizado pelo quinteto carioca na Sala Baden Powell, no Rio de Janeiro, em junho do ano passado. Formado por quatro pianistas do Brasil e uma percussionista do Japão, o grupo contou com as participações das cantoras Maíra Freitas, Manu Santos, Mariana Baltar, Monica Salmaso e Teresa Cristina. O repertório alberga temas assinados por Gonzaguinha, Assis Valente, Milton Nascimento, Chico Buarque e Edu Lobo.

* Na próxima sexta-feira, dia 16, a cantora e compositora sergipana Héloa estará lançando oficialmente o seu primeiro EP intitulado “Solta” em apresentação a ser realizada no Museu da Gente Sergipana a partir das 19 horas. A artista costuma dizer que suas influências vão do rock ao brega, passando pelo carimbó, pela música pop, pelo experimentalismo, pelo samba-canção, pela música eletrônica e por referências de ritmos tradicionais da cultura popular. No álbum (composto por seis faixas autorais), a canção “Sai deste Corpo” conta com a participação especial da cantora paulista Andreia Dias. Trata-se de uma excelente pedida para conhecer a atual música que está sendo feita em nosso Estado!

RUBENS LISBOA é compositor e cantor.

Apresenta o quadro "Musiqualidade" dentro do programa "Canta Brasil”, veiculado pela Aperipê FM todas as sextas-feiras, às 10 horas.

Quaisquer críticas e/ou sugestões a este blog serão bem-vindas e poderão ser enviadas para o e-mail: rubens@infonet.com.br

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