Musiqualidade

R E S E N H A

Cantora: SIMONE
CD: “É MELHOR SER”
Gravadora: BISCOITO FINO

A década de setenta do século passado serviu para formatar, de fato, o que seria a atual música popular brasileira. Intérpretes mulheres davam então vazão aos grandes compositores e, à época, dominavam o meio musical. Em meio àquela efervescência criativa, paradoxalmente fomentada pelos excessos da ditadura, surgia uma cantora magra e alta de voz grave e marcante que começou a chamar a atenção de imediato. Contratada pela gravadora EMI, ela passou a gravar discos que se destacavam pela alta qualidade do repertório. Canções de complexa tessitura lhe eram entregues e ela se saía dos desafios com maestria, tanto que já na virada para a década seguinte, o nome da baiana Simone se destacava sobremaneira no cenário nacional. Grande vendedora de discos, emplacava um sucesso atrás do outro e arrebatava multidões para os show que realizava de norte a sul do país. E embora não tenha conseguido se manter no topo com a chegada de modismos vários que se sucederam com o passar dos anos, Simone nunca deixou de fazer parte do cotidiano do seu público, fosse pela inclusão de temas por ela gravados em várias trilhas de telenovelas, fosse pelo lançamento dos álbuns que continuou lançando rotineiramente.
Ainda em ótima forma vocal e com o intuito de marcar os quarenta anos de carreira (ainda que isso não apareça de forma explícita), ela acaba de lançar, através da gravadora Biscoito Fino, o CD intitulado “É Melhor Ser”. Produzido a quatro mãos por Bia Paes Leme e Leandro Braga, o disco traz um repertório de treze canções (escolhidas por ela e pela amiga Zélia Duncan) somente criadas por mulheres (se bem que em que seis faixas há a colaboração de parceiros homens). A ideia nem é tão original: Norma Bengell, Verônica Sabino e Vânia Bastos (só para ficar em três nomes) já lançaram projetos assim, mas o fato é que o conceito funciona.
E Simone é Simone, Mesmo sendo fato que pode ousar bem mais, o resultado soa legal. É, no entanto, nas faixas em que ela se arrisca que o CD alcança os seus melhores momentos. E não coincidentemente estão eles no início e no fim do disco com as apropriadas releituras de “Mulher o Suficiente” (de Alzíra E e Vera Lúcia Motta) e de “Os Medos” (de Joyce e Rodolfo Stroeter). Aliás, quando se resgatam canções como essas duas, de beleza inquestionável mas que passaram batidas quando originalmente lançadas, vale muito a pena apostar em regravações. Em sentido oposto, gastar munição com pérolas como “Mutante” (de Rita Lee e Roberto de Carvalho) e “Acreditar” (de Dona Ivone Lara e Délcio Carvalho), já registradas à exaustão, parece não condizer com uma diva que, se quisesse, certamente teria de grande parte dos compositores atuais músicas inéditas ao seu inteiro dispor.
O set list do recém-lançado álbum privilegia sambas (como o simples e inspirado “Aquele Plano para me Esquecer”, de Adriana Calcanhotto, e a mediana “Trégua Suspensa”, de Teresa Cristina e Lula Queiroga), balada (a bem-vinda versão de “Descaminhos”, canção que catapultou Joanna às paradas de sucesso, composta por ela ao lado de Sarah Benchimol) e bolero (a inédita “Só Se For”, parceria de Simone com Zélia Duncan). Já uma outra inédita, o baiãzinho “Haicai” (de Fátima Guedes), foi acometido por um arranjo pouco inspirado, o que terminou por deixar a intérprete pouco à vontade.
Como preciosidade, o encarte traz, na íntegra, um bilhete que a atriz Fernanda Montenegro escreveu para a Cigarra. Esta, alías, terminou por musicar suas primeiras linhas, transformando-a em “A Propósito”, a faixa-vinheta de abertura.
E se pouco se acrescentou às belas “Vida de Artista” (de Sueli Costa e Abel Silva) e “Só nos Resta Viver” (de Ângela Ro Ro), é inquestionável que sorte melhor teve “Charme do Mundo” (de Marina Lima e Antônio Cícero), a qual ganhou uma deliciosa aura jazzy.
Simone continua na ativa e pode muito mais, é só ela querer. A vida segue e tomara que seu canto elegante e forte ainda nos dê muitos belos presentes. Quem viver, ouvirá!

N O V I D A D E S

* Ainda que previsto inicialmente para chegar às lojas no primeiro semestre, somente há poucos dias foi lançado, através da gravadora Eldorado, o novo CD de Daniela Mercury, o qual foi gravado com o grupo Cabeça de Nós Todos. Produzido pelo filho da cantora, o músico Gabriel Póvoas, o álbum é, sem sombra de dúvida, um dos melhores já gravados pela baiana. Feito longe das grandes gravadoras, como muitas vezes já aconteceu na carreira de Daniela, o disco contém um frescor bacana e, de fato, revigora a obra da artista. Daniela sempre cantou muito bem (mesmo por vezes exagerando das notas altas) e é, de suas colegas conterrâneas, a que melhor sabe escolher repertório, fugindo com competências das banalidades que costumam assolar o segmento do samba reggae (ou axé music, como mais popularmente conhecido). Nove das doze faixas são assinadas por membros do Cabeça de Nós Todos, recaindo as exceções em uma parceria de Daniela com Gabriel (“Cheia de Graça”) e nas oportunas e bem concebidas regravações de “Paula e Bebeto” (de Milton Nascimento e Caetano Veloso) e de “Aquele Abraço” (de Gilberto Gil). Entre os melhores momentos do CD estão a deliciosa “Sei Lá”, a atualíssima “Neguinho Maravilha”, a animada “Tira Onda” e a linda e delicada “Seda Azul”. Vale super a pena conhecer!

* Alcione realizou recentemente show especial na casa Barra Music, no Rio de Janeiro, o qual foi devidamente registrado para se transformar em CD e DVD ao vivo que chegarão às lojas no próximo ano. Entre outros, há as participações especiais da dupla Victor & Leo e do sambista Zeca Pagodinho.

* O sétimo CD de Luiza Possi intitular-se-á “Sobre o Amor e o Tempo” e está aportando nas lojas ainda neste final de ano. Com a produção a cargo de Dadi Carvalho, o disco conta com a participação especial de Lulu Santos na faixa “Tempo em Movimento", parceria dele com Nelson Motta.

* Baseando-se no fato de estar há três décadas na estrada, a banda Blitz (que deu o pontapé inicial no boom do rock nacional na década de oitenta do século passado) está lançando, nos formatos CD e DVD e através da gravadora Universal, o projeto “Multishow Registro – Blitz 30 Anos”, registro de apresentação realizada na Praia de Ipanema, no Rio de Janeiro, em dezembro do ano passado. Evandro Mesquita, o eterno mentor da galera, solta sua voz característica (e ainda em forma) em sucessos como “Você Não Soube me Amar”, “Betty Frígida”, “A Verdadeira História de Adão e Eva” e “A Dois Passos do Paraíso”, quatro dos destaques de um repertório de quatorze faixas que – logicamente – privilegia os grandes sucessos do grupo.

* Hyldon está lançando um novo trabalho, inicialmente só no formato digital. Trata-se de “Romances Urbanos” e o repertório, recheado de canções inéditas, apresenta parcerias do artista com Hanna Guerra, Serjão Loroza e Mano Brown. A cantora Roberta Spindel surge como convidada especial.

* Egresso da banda Los Hermanos, Rodrigo Amarante (assim como o colega Marcelo Camelo) tem um pé na melancolia. É isso o que se depreende depois de repetidas audições de “Cavalo”, o primeiro CD solo do cantor e compositor, o qual chegou recentemente às lojas através do selo Slap, pertencente à gravadora Som Livre. Produzido pelo norte-americano Noah Georgeson, o álbum é composto por onze faixas autorais e inéditas (seis com letras em português, quatro em inglês e uma em francês). Amarante, que também assina todos os arranjos, é compositor razoavelmente interessante e isso se constata através de faixas como “Irene” e “Tardei”, dois dos melhores momentos do repertório apresentado. Como cantor tem lá suas limitações, tornado-se assim incontestável que bons temas como “O Cometa” e “Maná” (a única música mais alegrezinha) cresceriam bastante em vozes de intérpretes mais talhados para o canto. Artista que já caiu na graça de gente formadora de opinião, Amarante precisa, se quiser conquistar uma fatia maior de público em trabalhos futuros, abrir mais sua obra no que tange especialmente a uma salutar diversidade de pulsações sonoras.

* O selo carioca Discobertas pôs nas lojas recentemente uma nova caixa, a terceira, com gravações antigas de Moreira da Silva, o maior representante tupiniquim do samba de breque. Intitulado “Anos 50”, o projeto é composto por três CDs que condensam quarenta e sete gravações feitas pelo eterno Kid Morengueira entre 1950 e 1957, as quais foram devidamente recuperadas.

* O quinto registro ao vivo em vídeo da carreira fonográfica da cantora baiana Margareth Menezes está chegando às lojas. Trata-se de “Voz Talismã”, uma parceria da “Estrela do Mar” (empresa da artista) com o Canal Brasil. Também disponível no formato CD, o projeto contempla dois shows feitos em Salvador (BA), um em fevereiro (feito na Concha Acústica do Teatro Castro Alves) e outro em julho de 2012 (realizado na sala principal do mesmo espaço cênico). “Bonapá” (de Carlinhos Brown) e “Fé Cega, Faca Amolada” (de Milton Nascimento e Fernando Brant) estão entre as canções constantes do repertório. Nos extras, Margareth recebe os grupos Cortejo Afro, Filhos de Gandhy, Ilê Aiyê, Malê Debalê e Muzenza e canta com Daniela Mercury (em “Oyá por Nós”, parceria das duas), Gilberto Gil (em “Toda Menina Baiana”, dele próprio), Elba Ramalho (em “Frevo Mulher”, de Zé Ramalho) e Paula Lima (em “É d'Oxum”, de Gerônimo e Vevé Calazans).

* E vão para os aniversariantes desta semana os nossos mais efusivos parabéns! Enquanto o maestro e pianista mineiro Wagner Tiso troca de idade na quinta-feira, dia 12, no domingo, dia 15, será a vez de a sambista e compositora Gisa Nogueira (irmã de João Nogueira e, consequentemente tia de Diogo Nogueira) completar mais uma primavera. Aos dois, nossos desejos de muita luz e paz!

 

RUBENS LISBOA é compositor e cantor.
Apresenta o quadro "Musiqualidade" dentro do programa "Canta Brasil”, veiculado pela Aperipê FM todas as sextas-feiras, às 10 horas.
Quaisquer críticas e/ou sugestões a este blog serão bem-vindas e poderão ser enviadas para o e-mail: rubens@infonet.com.br

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