Musiqualidade

R E S E N H A

Cantor: ALCEU VALENÇA
CD: “AMIGO DA ARTE”
Gravadora: DECK

Nascido em São Bento do Una, interior de Pernambuco, o cantor e compositor Alceu Valença cresceu ouvindo música nos alto-falantes da feira de sua cidade natal. Mudou-se com a família para Recife nos anos cinquenta e, nas duas décadas seguintes, começou a participar de festivais de música, bem como se formou em Direito, exercendo a profissão por apenas alguns meses. O primeiro disco saiu em 1972 e foi gravado ao lado de Geraldo Azevedo. A projeção nacional, no entanto, só viria três anos depois ao participar do Festival Abertura, realizado pela Rede Globo, com a canção “Vou Danado Pra Catende”.
Dono de voz característica e de um estilo todo próprio, Alceu se tornou um colecionador de sucessos (quem não se lembra, entre outras músicas atemporais, de “Coração Bobo”, “Tropicana”, “Na Primeira Manhã”, “Anunciação”, “La Belle de Jour” e “Como Dois Animais”?), ao tempo em que viu suas criações serem gravadas por vários dos maiores nomes da nossa MPB, a exemplo de Maria Bethânia, Simone e Elba Ramalho. Foi ele um dos pioneiros a unir uma guitarra roqueira a gêneros eminentemente nordestinos e, sob seu viés carismático, soube propagar como poucos e a nível nacional o coco, o maracatu, o frevo, a ciranda e até o brega.
O novo século tem lhe trazido, contudo, uma série de desafios. Se a voz continua inteira, cristalina e possante, a frequência como autor tem se mostrado rarefeita (fato que acomete quase a totalidade dos nossos compositores com vários anos de estrada). Mas o fato é que a força de sua obra resiste incólume ao tempo, conforme se pode constatar através do recém-lançado CD “Amigo da Arte”  que, composto por treze faixas, alinha canções antigas e recentes, aportando no mercado através da gravadora Deck. Produzido pelo guitarrista (e amigo de longa data) Paulo Rafael, o álbum se mostra uma declaração de amor de Alceu a suas duas cidades prediletas, Olinda e Recife, e ao evento que as divulga anualmente para todo o mundol, o Carnaval.
Assim, com o saudoso Carlos Fernando, a quem o trabalho é dedicado, Alceu assina os frevos  “Homem da Meia Noite” e “Sou Eu Teu Amor”. Mas outros representantes desse ritmo recheiam o repertório, caso de “Frevo da Lua” (parceria com Gabriel Moura e Maurício Oliveira), “Frevo Dengoso” (de Don Tronxo) e “Voltei Recife” (de Luiz Bandeira).
As canções de Alceu costumam possuir construções simples, tanto na estrutra melódica quanto na feitura dos versos, mas possuem um toque de genialidade porque conseguem se diferenciar umas das outras, além de conter elementos que as fazem cair de imediato no gosto popular. É só ouvir a faixa-titulo, “Ciranda da Aliança” (criada com Emmanoel Cavalcanti e Lui Coimbra) e “Pirata José”, por exemplo, para se ter a ideia exata do que aqui se está a ressaltar.
Outros momentos interessantes ficam por conta da etérea “Olinda”, do belo caboclinho “Nas Asas de um Passarinho” (composta com o já citado Don Tronxo), da pulsante “Maracatu” (feita com Ascenso Ferreira) e da onírica “Sonhos de Valsa”. E como cereja de um bolo muito bem condimentado, a cantora portuguesa Carminho surge como convidada especial da faixa “Recife” (mais conhecida como “Frevo nº 1”, de Antonio Maria), explicitando os laços entre o frevo e o fado. 
Trata-se, portanto, de um CD que reitera o talento de Alceu Valença, um nome que merece todo nosso respeito e reverência pelo tanto que já contribuiu (e contribui) para a construção da música popular brasileira de real qualidade. Sempre se faz, portanto, bastante oportuno jogar luzes sobre esse grande amigo da arte!

N O V I D A D E S

* O cantor e compositor pernambucano Bruno Batista, criado entre Teresina (PI) e São Luís (MA) e que atualmente reside em São Paulo, acaba de lançar o seu terceiro e ótimo CD. Trata-se de um produto independente intitulado “Lá” que traz onze canções inéditas e autorais. Com uma voz gostosa e de timbre bem particular, o artista entregou a produção do álbum ao violonista e guitarrista Rovilson Pascoal e ao baterista e percussionista Guilherme Kastrup que arregimentaram um coeso time de instrumentistas de primeira linha para construir arranjos muito bem delineados. Constam da ficha técnica, entre outros, Ricardo Prado e André Bedurê (no baixo), Felipe Roseno (na percussão), Rodrigo Campos (na guitarra e cavaquinho) e Marcelo Monteiro (no sax). A cantora Dandara Modesto tem presença marcante no trabalho, dividindo os vocais em cinco momentos, como na curta e precisa “É que Você Tem”. Bruno se mostra corajoso já na primeira faixa, “Incêndio”, em que se utiliza espertamente da metáfora do morrer em chamas para falar sobre a libertação. Com células de afoxé, a canção vai num crescendo até atingir o apogeu em vigoroso batuque. E se a mais canhestra das profissões é o mote de “Matador”, a desilusão que leva ao suicídio amoroso conduz “Morto no Mar”. Já o aboio moderno marca espaço em “Rosa dos Ventos” (trazendo uma letra repleta de citações e a bem-vinda participação especial de Luiz Gayotto) e a contagiante (e ao mesmo tempo delicada) faixa-título sugere um lugar perfeito que seria a casa onde o autor deseja residir com sua amada. Bruno pertence à seara dos criadores que sabem beber nas fontes mais genuínas da nossa MPB e isso fica claro em várias passagens, em especial em “Do Abraço”, música emoldurada por um bonito arranjo, o qual se faz pontuado pelo preciso e precioso cello de Jonas Moncaio e que contém versos recheados de poesia pura. Entre os destaques do repertório apresentado estão a bela “Ela Vai Chegar” (adornada com um poderoso coro), o super bem construído samba “Pois, Zé” (que narra a volta por cima depois da desilusão gerada por uma paixão mal sucedida), a singela “18 Nuvens” e a contundente “Eu Não Volto Mais Aqui”. Um CD pra lá de bacana que merece ser conhecido e recomendado!

* Marisa Monte estará lançando em breve, através da gravadora Universal, o registro ao vivo do show “Verdade, uma Ilusão”. A gravação foi feita em agosto do ano passado na Grande Sala da Cidade das Artes, no Rio de Janeiro.

* O cantor e compositor Zé Renato se juntou ao baterista Tutty Moreno e ao baixista Rômulo Gomes e, juntos, formaram o ZR Trio que está lançando o CD intitulado “O Vento Soprou na Madrugada”. O repertório alinha inéditas com regravações.

* Os quatro primeiros discos solos lançados por Moraes Moreira depois de ter saído dos Novos Baianos chegaram às lojas, originalmente pela gravadora Som Livre, na segunda metade da década de setenta do século passado. Devidamente remasterizados e acondicionados em um box, eles retornam agora ao catálogo através de uma iniciativa do selo Discobertas, capitaneado pela incansável pesquisador musical Marcelo Fróes. O primeiro deles levou tão somente o nome do artista baiano no título e teve como destaques as autorais “Guitarra Baiana”, “Chuva no Brejo”, “Do Som”, “Violão Vagabundo” e a regravação de “Se Você Pensa” (de Roberto e Erasmo Carlos). Ainda com forte influência pós-tropicalista, esse trabalho foi bem sucedido por “Cara e Coração” que potencializou Moraes através do estouro nacional de “Pombo Correio” (parceria dele com Dodô e Osmar). Bem delineado, trouxe ainda a belíssima “Acordei” e as interessantes “Yogue de Ouvido” e “Davilicença” (ambas compostas com Armandinho), além da releitura personalíssima de “Às 3 da Manhã” (de Herivelto Martins). Já “Alto Falante” marcou o início de uma profícua parceria de Moraes com Fausto Nilo, apresentando seis delas de uma só vez (destas merecem ser destacadas “Pedaço de Canção” e “Mentira”). E, embora não tenha eternizado nenhum grande hit, algumas de suas faixas foram executadas razoavelmente à época, a exemplo de “Crioula”, “Revoada” (feita com Chacal) e “Espírito Esportivo” (composta com Abel Silva). Por fim, o ouvinte se depara com o álbum “Lá Vem o Brasil Descendo a Ladeira” que se consolidou como um dos mais importantes da discografia de Moraes, abrindo-lhe as portas, inclusive, para o filão das músicas de Carnaval com três títulos: “Eu Sou o Carnaval”, “Assim Pintou Moçambique” e “Chão da Praça” (as duas primeiras compostas com Antônio Rizério e a última com Fausto Nilo). Outras que merecem ser destacadas, além da faixa-título, são “Pelas Capitais” (parceria com Jorge Mautner) e “Valentão” (feita com Osvaldinho do Acordeon). Fundamental!

* “Aurora” é o nome do duo que junta Bárbara Eugênia com Fernando Cappi (conhecido como Chankas) e também o título do primeiro álbum que, por ora, se faz disponível somente em edição digital. Composto por nove faixas, todas elas escritas em inglês, o CD traz um repertório inteiramente inédito e autoral.

* Um CD que vale a pena ser conhecido é o que o cantor, compositor e ator Maurício Detoni pôs recentemente no mercado. O artista de Cuiabá (MT), que já reside há anos no Rio de Janeiro, entregou ao público um produto homônimo e independente que soa muito interessante. Por ele próprio produzido, o álbum se faz composto por uma dúzia de faixas, oito delas autorais, algumas resultantes de parcerias com Edu Krieger, Fátima Bertollo e Thiago Amud. Detoni (que já integrou o grupo Garganta Profunda e atualmente também faz parte do grupo vocal BeBossa Kids) canta legal e o seu lado compositor se mostra salutarmente eclético. A primeira metade do disco é dedicada a temas voltados para costumes da região Centro-Oeste e aí os destaques ficam por conta de “Além” e “Pra Terra”, esta contando com a participação especial de Marcela Mangabeira. Entre as canções alheias, há que se ressaltar o resgate da obra-prima “Pai e Mãe”, de Gilberto Gil. Outros ótimos momentos ficam por conta de “Sonhos com Torrada” (composta sob o viés feminino) e “Celebração”. A ficha técnica explicita a presença de músicos de primeira linha, a exemplo de Fabiano Krieger (na guitarra), Alexandre Caldi (na flauta), Marcelo Caldi (no piano), Nilze Carvalho (no cavaquinho) e Roberto Menescal (ao violão).

* Mais um projeto com vistas a comemorar o centenário de Dorival Caymmi está sendo finalizado no estúdio da gravadora Biscoito Fino, no Rio de Janeiro. Dele farão parte, além dos três filhos famosos (Nana, Dori e Danilo), os bambambãs Caetano Veloso, Chico Buarque e Gilberto Gil. O repertório alberga grandes clássicos, a exemplo de “Saudade da Bahia”, “O Samba da minha Terra”, “Dora”, “Marina”, “O que é que a Baiana Tem?”, “Nem Eu” e “Canção da Partida”.

* Na ativa desde o final de 2001, a NaurÊa é certamente a banda sergipana mais bem sucedida dos últimos tempos. A alardeada mistura de samba e baião é tão somente uma de suas especialidades já que os seus integrantes se arriscam pelos mais diversos gêneros musicais, sempre se saindo muito bem em suas empreitadas que incluem desde as batidas populares do universo negro da nossa Laranjeiras até o costarriquenho reggaeton, passando por reminiscências de Cuba e do Leste Europeu e pelas guitarras caribenhas do Pará. Formada atualmente por Alex Sant’Anna (voz e triângulo), Márcio de dona Litinha (voz e zabumba), Leo Airplane (sanfona e sintetizadores), Aragão (cavaquinho), Abraão Gonzaga (guitarra), Alisson Coutto (baixo) e Diego Babão (surdo e caixa), a NaurÊA, que já se apresentou com sucesso dentro e fora do Brasil e possui músicas gravadas pelo Bangalafumenga (grupo carioca de forte apelo carnavalesco), está lançando mais um EP. Intitulado “Na Dansanteria” e contando com a produção executiva de Nah Donato, o trabalho se faz composto por quatro faixas inéditas e autorais gravadas no Ori Studio daqui de Aracaju (capitaneado pelo agitador cultural Dudu Prudente), mixadas em Recife (PE) e masterizadas em Seattle (EUA). A ideia original de mostrar uma sonoridade própria com um característico sotaque local mantém-se intacta, incrementada desta feita por um azeitado naipe de metais. E se é fato que os meninos estão cantando e tocando cada vez melhor, denotando considerável amadurecimento artístico, também o é que o EP desce redondinho, deixando, ao final, um gosto de “quero mais”. Já na música de abertura, a deliciosa “Duvido”, os versos bem-humorados entregam a ambiguidade entre o desejo de ter a mulher amada e a eterna dúvida da aceitação. As canções geralmente possuem letras curtas, objetivo calculado para serem as mesmas facilmente assimiladas pelo já fiel público que sempre se mostra primeiramente interessado em se divertir. Elementos eletrônicos encaixam-se perfeitamente no ritmo marcante da faixa-título, um convite irrecusável à dança. Já em “Quem Tem Medo”, o canto bem sacado que remete aos repentistas e um arranjo com pulsação indiana ligando os dois polos lembram que o amor não pode se sujeitar a quaisquer tipos de amarras. Fechando o trabalho, “Se Perder” surge com tiradas inteligentes e um suingue que contagia até o mais lerdo dos ouvintes. É coisa boa pra conhecer e se contaminar enquanto um novo CD não vem…

RUBENS LISBOA é compositor e cantor.
Apresenta o quadro "Musiqualidade" dentro do programa "Canta Brasil”, veiculado pela Aperipê FM todas as segundas-feiras, às 10 horas.
Quaisquer críticas e/ou sugestões a este blog serão bem-vindas e poderão ser enviadas para o e-mail: rubens@infonet.com.br
 

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