Musiqualidade

R E S E N H A

Cantor: GILBERTO GIL
CD: “GILBERTOS SAMBA”
Gravadora: SONY MUSIC

Assim como dez entre dez brasileiros preferem feijão (como bem-humoradamente já dizia Gonzaguinha), dez entre dez artistas da geração surgida nos anos sessenta têm como ídolo maior o baiano João Gilberto, tido como muitos como o criador de uma tal batida diferente ao violão que terminou dando origem à mundialmente cultuada Bossa Nova.
Também baiano, o cantor e compositor Gilberto Gil é um desses admiradores confessos. Criador de inúmeros sucessos que já se enraizaram no inconsciente coletivo nacional desde que estourou em festival de música com “Domingo no Parque” e, em seguida, abraçou, junto com Caetano Veloso, o Tropicalismo, Gil já namorou com vários ritmos em trabalhos conceituais (o rock, o reggae e o forró, por exemplo) e vem, já há algum tempo, alardeando que gostaria de gravar um disco de samba. Talvez tentando unir uma coisa à outra, ele acaba de lançar, através da gravadora Sony Music, o CD intitulado “Gilbertos Samba” no qual reuniu algumas canções que foram registradas por João Gilberto. A ideia nem é tão original assim (Ithamara Koorax lançou ao lado do guitarrista Juarez Moreira, poucos anos atrás, o álbum “Bim Bom”, revisitando uma dúzia de temas de autoria do pai de Bebel Gilberto), mas o fato é que, em período de entressafra criativa, o projeto se concretizou oportuno.
Baixando os tons (menos para se aproximar do homenageado que para amenizar os problemas vocais de que vem se recuperando), Gil realizou um trabalho bem bacana. Produzido a quatro mãos pelo filho Bem Gil e Moreno Veloso (o primogênito de Caetano que, aliás, assina o interessante texto do encarte), o CD se faz composto por doze faixas. Duas delas, contudo, não foram gravadas por João: são explícitas homenagens compostas por Gil para ele (a instrumental “Um Abraço no João” e a ótima inédita “Gilbertos”). 
Os arranjos foram concebidos de forma simples, mas ao mesmo tempo soam muito eficientes. Os músicos que constam da ficha técnica, mesmo atualizando a sonoridade, souberam respeitar as harmonias originais. Estão lá, entre outras feras, conduzidos pelo violão sempre preciso de Gil, Domenico (percussão e mpc), Danilo Caymmi (flauta), Dori Caymmi (violão), o nosso sergipano Mestrinho (acordeão), Nicolas Krassik (violino) e Pedro Sá (guitarra).
A canção que cristalizou a Bossa Nova, “Desafinado” (de Tom Jobim e Newton Mendonça) não poderia faltar, assim como músicas de Dorival Caymmi (“Milagre” e “Doralice”, esta uma parceria com Antonio Almeida) e de Vinicius de Moraes (“Você e Eu”, composta com Carlos Lyra). Da mesma, os maiores sucessos do homenageado também não foram esquecidos e, assim, incluíram-se “O Pato” (de Jaime Silva e Neuza Teixeira) e “Aos Pés da Cruz” (de Marino Pinto e Ze da Zilda). João também gravou o próprio Gil (“Eu Vim da Bahia”) e Caetano (“Desde que o Samba É Samba”) e, logicamente, as duas canções fazem parte do estratégico repertório que se completa com a inclusão de “Tim Tim por Tim Tim” (de Geraldo Jacques e Haroldo Barbosa) e “Eu Sambo Mesmo” (de Janet de Almeida).
Leve, o CD desce redondinho e se consolida, desde logo, como um ponto alto na vasta discografia de Gilberto Gil, ele próprio um dos grandes pilares da nossa música popular brasileira.

N O V I D A D E S

* “Asa” é o título do primeiro e independente CD do cantor e compositor paulistano Gustavo Galo, disponível para download no site do artista, o qual foi produzido por Gustavo Ruiz e Tatá Aeroplano. Galo, que já possui oito anos de estrada, tendo gravado dois discos com a Trupe Chá de Boldo, mergulha agora em universo próprio, revelando-se um compositor de mão cheia e um intérprete bastante interessante, ainda que não possua voz de grande extensão. Acumulando experiências, ele participou, no ano passado e ao lado de outros jovens artistas, do álbum “Coitadinha Bem Feito”, reverenciando a obra de Ângela Ro Ro, bem como se fez presente no EP “Tribunal do Feicebuqui”, lançado pelo irrequieto Tom Zé. O recém-lançado disco se faz composto por onze faixas, sendo que oito delas foram criadas pelo próprio Galo ao lado de parceiros como Peri Pane, arrudA e Marcelo Segreto. Completam o repertório as regravações de “Feito Gente” (de Walter Franco, que ganhou um arranjo voltado para as pistas), “Cama” (do já citado Aeroplano, só com violão e sopro) e o registro do inédito rock “Só” (de Peri Pane e arrudA). A sonoridade é minimalista e contemporânea, mas tudo soa muito bem costurado. Nada está fora do lugar nem tão pouco parece experimental. Pelo contrário, a impressão é que a gestação foi pensada e serena no que resultou em um rebento bem concebido. O disco, assim, se concretiza bem legal com suas letras geralmente curtas, mas recheadas de boas sacadas. Já na faixa de abertura, “Tomara”, inteligência e ironia convivem em doses iguais. E experiências de dores de amores, desencontros e esperanças surgem, aqui e ali, através de versos repletos de constatações, tais como “O amor não é crime nem castigo. Eu só sei que viver só não consigo” ou “A Terra não é o seu quintal. A Terra é um pedaço de terra temperamental”. E se em “Moda” desfia-se a decepção pelo apego da amada a valores fúteis, o samba “De Aeroplano” joga luzes sobre o momento atual que renega a nostalgia do passado. Já a faixa “Seresta” aparece como ponto de respiração: suave no tempo e local certos. Há várias participações especiais e entre elas se destacam Lirinha na pungente “Nosso Amor É uma Droga” e Ava Rocha na lisérgica faixa-título. Vale a pena, então, conhecer esse ótimo disco de estreia do talentoso Galo!

* O novo álbum dos Titãs já se encontra em fase de gravação. Produzido por Rafael Ramos, trará um repertório inédito e autoral que contempla, entre outras canções, “Eu me Sinto Bem”, “Renata”, “Senhor”, “Baião de Dois” e “Não Pode”, e chegará ao mercado este ano através da gravadora Som Livre.

* Pop rock da melhor qualidade com pitadas de ritmos brasileiros é a marca do segundo CD do cantor e compositor paulistano Rodrigo Del Arc (o disco é o sucessor de “A Kind of Bossa”, lançado em 2009). Intitulado “Novo Ar” e produzido por ele próprio ao lado de Nikk Gutierrez, o álbum chega às lojas de maneira independente e apresenta um promissor artista que canta muito legal e se revela um bom criador de temas. Ele assina dez das doze canções que compõem o repertório, a maioria ao lado do anteriormente citado Nikk e de Edu Maranhão. Eclético, já na segunda faixa, “Samba Velho”, ele abre espaço para o bom e velho samba e em “Entrar no Mar” traz a lume células de afoxé. Antenado, demonstra dominar bem o idioma inglês nas bilíngues “Deixa Rolar (Let It Roll)” e “Another Summer”. As duas faixas restantes são regravações de músicas de autoria de Cazuza (“Pro Dia Nascer Feliz”, parceria com Frejat) e de Monsueto (“Mané João”, feita com José Batista) e nelas Rodrigo consegue imprimir sua marca pessoal. Entre os destaques estão “Afogar”, “Rajada” e “Ultraleve”. Em “A Origem”, surge o coautor Fernando Anitelli (criador do projeto O Teatro Mágico) em participação especial.

* A primeira parceria entre Moska e Filipe Catto já começa a ser cantada por este em shows que vem realizando por aí. Intitulada “Depois de Amanhã”, possui batida atual e refrão pop.

* “Na Medida do Impossível” é o título do novo CD solo da cantora e compositora Fernanda Takai, a vocalista da banda mineira Pato Fu. Já nas lojas através da gravadora Deck, o trabalho é composto por treze faixas e foi produzido por John Ulhoa, o marido da artista. Aliás, uma produção competente que concebeu arranjos bastante interessantes, maquiando o repertório não muito inspirado. O bojo é dividido em três blocos: a) medianas versões “Doce Companhia”, “Pra Curar Essa Dor” (que traz a participação de Samuel Rosa) e “Depois que o Sol Brilhar”, feitas pela própria Takai, Ulhoa e Zélia Duncan, respectivamente; b) razoáveis temas inéditos compostos por ela (“De um Jeito ou de Outro”, feito com Marcelo Bonfá, “Seu Tipo”, criado com Pitty, “Quase Desatento”, parceria com Climério Ferreira e Marina Lima, e “Partida”, o único – e o melhor destes – composto solitariamente); c) regravações de sucessos de canções antigas de forte apelo popularesco (“Como Dizia o Mestre”, de Benito di Paula, “A Pobreza”, de Renato Barros, e “Mon Amour, Meu Bem, Ma Femme”, de Cleide, hit propagado por Reginaldo Rossi, que conta com a já citada Zélia Duncan como convidada especial e já incluída na trilha sonora de “Geração Brasil”, a nova telenovela global). Completam o set list “You and Me and the Bright Blue Sky” (de Cholly), a canção católica “Amar Como Jesus Amou” (de Padre Zezinho, com a adesão do Padre Fábio de Melo) e “Liz” (de Robson e Cézar de Menezes, balada gravada originalmente pelo Trio Ternura), em registro que mostra que a voz pequena de Takai pode mais, assim como ela também já demonstrou que o seu talento a permite se arriscar em voos mais altos.

* “O Fado e a Alma Portuguesa” é o título do CD lançado originalmente em Portugal que agora aporta no mercado brasileiro através da gravadora Warner Music. Composto por vinte faixas (seis delas criadas especialmente para o projeto e as demais compiladas de trabalhos lançados a partir de 1996), trata-se de uma homenagem ao poeta Fernando Pessoa. As letras das canções, todas elas transformadas em fados, são versos por ele escritos que foram musicados por compositores lusitanos e gravados por diversos intérpretes da “terrinha”, a exemplo de Mariza, Carminho, Pedro Moutinho, Ana Sofia Varela, Joana Amendoeira e António Zambujo. Entre os melhores momentos estão “Há uma Música do Povo”, “Quadras”, “Dança de Mágoas”, “Não Sei Quantas Almas Tenho” e “Ó Sino da Minha Aldeia”.

* Está chegando ao mercado, através da gravadora Biscoito Fino, o DVD “Macalé”, projeto dirigido por Eryk Rocha que registrou o cantor e compositor Jards Macalé na criação e gravação do álbum “Jards”, lançado em 2011. Ótima pedida!

* “Segue o Som”, o sexto CD de inéditas da carreira da cantora e compositora matogrossense Vanessa da Mata, chega às lojas com a esperança de a gravadora Sony Music em vê-lo entre os mais vendidos do ano. Tarefa difícil porque não é um dos melhores discos da artista que, como cantora, surgiu calcada no sucesso de Marisa Monte mas que, atualmente, já segue uma estrada própria. Como compositora, ela já se mostrou bem mais interessante em trabalhos anteriores, alternando-se na construção de baladas radiofônicas e músicas de pegada contagiante. O recém-lançado álbum traz doze canções autorais e inéditas e mais a regravação de “Sunshine on my Shoulders”, grande sucesso setentista de John Denver, tendo a produção dividida entre Liminha e Kassin. Se a engraçadinha faixa-título (incluída em duas versões, a normal e uma remix) pode até pegar se for bem trabalhada, temas como “Ninguém É Igual a Ninguém”, “Homem Preto”, “Desejos e Medos” e “Um Sorriso Entre Nós Dois”, por exemplo, soam meramente triviais. Egressa de uma banda de reggae, Vanessa mantém essa pegada em “Homem Invisível do Mundo Invisível” e “Toda Humanidade Vem de uma Mulher”. Alguns dos melhores momentos ficam por conta dos rocks “Por Onde Ando Tenho Você” e “Não Sei Dizer Adeus”, da vintage “My Grandmother Told Me – Tchu Bee Doo Bee Doo”, do samba-pop “Rebola Nega” e do pseudo-carimbó “Se o Presente Não Tem Você”, mas ressente-se, de fato, da ausência de uma grande canção que arrebate de cara. Talvez seja a hora de a artista começar a pensar em se abrir a parcerias para arejar a sua obra…

RUBENS LISBOA é compositor e cantor.
Apresenta o quadro "Musiqualidade" dentro do programa "Canta Brasil”, veiculado pela Aperipê FM todas as segundas-feiras, às 10 horas.
Quaisquer críticas e/ou sugestões a este blog serão bem-vindas e poderão ser enviadas para o e-mail: rubens@infonet.com.br

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