MUSIQUALIDADE

R E S E N H A

Grupo: ZR TRIO
CD: “O VENTO NA MADRUGADA SOPROU”
Distribuidora: TRATORE

Quando tinha apenas nove anos, o cantor e compositor capixaba Zé Renato fez sua primeira incursão na vida artística, atuando em peça teatral dirigida por Ziembinski. Já na adolescência, interessou-se por música e pelo violão, começando sua carreira artística ao participar de festivais. Embora sua primeira experiência fonográfica tenha sido em 1978 quando, integrando o grupo Cantares, lançou um compacto duplo pela Funarte, a projeção nacional só veio no ano seguinte ao formar, ao lado de Cláudio Nucci, David Tygel e Maurício Maestro, o quarteto vocal Boca Livre que lançou discos memoráveis contendo vários sucessos (“Mistérios”, “Toada”, “Quem Tem a Viola”, “Neném” e “Chegou no Vento” estão entre eles).

Paralelamente, Zé engatou carreira solo (o primeiro disco dele sozinho saiu em 1982) e também vem participando de vários projetos musicais (já lançou trabalhos divididos com o já citado Nucci, com Victor Biglione e Litto Nebbia, com Elton Medeiros e Mariana de Moraes, com Wagner Tiso e com Renato Braz). Em alguns de seus álbuns, ele homenageou grandes artistas da música brasileira, a exemplo de Silvio Caldas, Zé Kéti, Orlando Silva, Noel Rosa e Chico Buarque. Como compositor, teve canções gravadas por nomes do primeiro time do nosso cancioneiro como Zizi Possi, Leila Pinheiro, Lulu Santos, Nana Caymmi e o grupo MPB-4.

Incansável, ele se uniu ao baterista Tutty Moreno e ao baixista Rômulo Gomes e, juntos, formaram o ZR Trio (nascido em 2011) que agora lança o excelente CD “O Vento na Madrugada Soprou”, um produto independente produzido pelo próprio Zé ao lado de Duda Mello com a direção de produção a cargo da competente Memeca Moschkovich, o qual, viabilizado através de plataforma de financiamento coletivo, se faz distribuído pela Tratore. Com uma sonoridade pra lá de especial que namora o samba e beira as apropriações do jazz com arranjos muito bem construídos tão somente com violão, bateria e contrabaixo acústico, o álbum se faz composto por onze faixas (uma delas, inclusive, cantada em espanhol: a argentina “La Musica y la Palabra”, de Carlos Aguirre).

Zé assina cinco das canções, compostas ao lado dos parceiros Pedro Luís (a inédita “Tenha Dó”, o ponto mais alto do disco com seu irresistível toque de ciranda), Lenine (a descolada “Na São Sebastião”), João Cavalcanti (o inédito baião “Domingos”, composta em homenagem ao saudoso Dominguinhos) e Joyce Moreno (a inspirada “Pra Você Gostar de Mim” e a inédita “Tribos”, de temática indígena). De seara alheia, o trio recolheu tema pouco conhecido de Paulinho da Viola (“O Tempo Não Apagou”, cujo verso inicial dá o título ao disco) e as consagradas “Não Quero Mais Amar a Ninguém” (de Cartola, Carlos Cachaça e Zé da Zilda) e “Consagração” (de Baden Powell e Vinicius de Moraes). Aliás, o elegante repertório, selecionado com inteligência e esmero, é realmente inatacável e ainda joga luzes para parcerias de Carlos Pinto com Waly Salmão (“Luz do Sol”, lançada originalmente por Gal Costa em 1971) e de Marcio Valverde com Nélio Rosa (a afro-baiana “Me Ensina”).

Gravado em apenas dois dias com os três artistas tocando ao vivo em estúdio, o CD comprova a versatilidade de Zé que se encontra em plena forma vocal. Sua voz límpida e afinada, cujo timbre de beleza ímpar nos reporta a sensações únicas, faz com que ele venha a se consolidar no primeiro time dos intérpretes brasileiros.
Trata-se efetivamente de um CD acima da média que chega em muito boa hora num ano que, ao menos até agora, se faz raso com relação a bons lançamentos musicais. O ZR Trio vem, portanto, quebrar o marasmo atual, dando uma necessária baforada de música de real qualidade.

Em tempo: sexta-feira próxima, dia 16 de maio, Zé Renato estará aqui em Aracaju participando do show que Lula Ribeiro estará realizando no Teatro Tobias Barreto às 21 horas. Todo mundo lá, então, prestigiando os dois pintassilgos, ok?

N O V I D A D E S

* O cantor e compositor mineiro (mas há muito radicado no Rio de Janeiro) Moyseis Marques, até agora mais reconhecido por sua ligação direta com o mundo do samba, acaba de pôr nas lojas, de maneira independente, o seu quarto CD. Produzido por ele próprio e intitulado “Casual Solo”, o álbum foi gravado durante quatro dias em estúdio da Califórnia e se faz composto por dez faixas, as quais contemplam uma dúzia de canções (é que há dois medleys fazendo parte do repertório). Embora continue priorizando sambas, como é o caso das oportunas releituras de “Minha Esquina” e “Nomes de Favela” (ambas Paulo César Pinheiro, a primeira em parceria com João Nogueira), Moyseis abre o seu leque estilístico, albergando reggae (“Is This Love”, de Bob Marley), canção (“Alma de Lia”, dele e Marcello Gonçalves) e toada (“Amor de Sol Nascente”, dele e Moacyr Luz). Neste disco, Moyseis se faz unicamente acompanhado por seu violão, havendo somente participações de instrumentistas norte-americanos em três momentos: Harvey Wainapel (clarone na citada “Minha Esquina”), Brian Moran (violão de sete cordas na valsa “O Ciclo da Rosa”, criada por Moyseis ao lado de Vidal Assis) e Brian Rice (percussão em “De Lupa na Lapa”, outra de Moyseis, desta feita composta com Mauro Aguiar). Cantando cada vez melhor, o artista também se revela um violonista de primeira, conforme se pode constatar, por exemplo, através da bela regravação de “Anjo Exterminado” (de Jards Macalé e Wally Salomão).

* Para celebrar as sete décadas de vida do produtor e agitador cultural Nelson Motta, já se encontra em avançado estágio de gravação um CD no qual canções geradas por ele ao longo de sua trajetória receberão novas vozes. Alguns dos artistas que estarão presentes no projeto são Ana Cañas, Ed Motta, Fernanda Takai, Gaby Amarantos, Maria Gadú, Marisa Monte e Max de Castro. A conferir!

* “Tardio” é o titulo do projeto musical que o cantor e compositor Alexandre Lemos pôs no mercado de maneira independente. São dois CDs (cada um contendo dezesseis faixas, todas elas criadas pelo artista ao lado de parceiros como Ana Lee, Guilherme Rondon, Fernando Cavallieri, Tavito, Luhli e Zé Rodrix, entre outros), os quais são vendidos juntos. Com Fred Martins, ele compôs a conhecida “Novamente”, gravada com sucesso por Ney Matogrosso, canção presente no repertório selecionado. Bom compositor, Alexandre possui um timbre vocal que, por vezes, lembra o de Oswaldo Montenegro. Há as participações especiais de Antonio Porto, Celso Viáfora, Ceumar, Marcela Biasi, Marcia NG e Sonekka. Entre os melhores momentos estão as faixas “O Carioca”, “Esses Tempos”, “Luas de Netuno”, “Antes de Morrer”, “Delírio”, “Tema de Angela”, “Por Agora” e “Promissão”. Vale a pena conhecer!

* O cantor e compositor Wado lançou o seu primeiro disco em 2001 e, de lá para cá, já pôs no mercado sete CDs. Músicas de seis desses trabalhos (excetua-se o mais recente, “Vazio Tropical”, de 2013) foram compiladas por Zeca Baleiro e deram origem ao CD intitulado “O Ano da Serpente”, espécie de coletânea que já se encontra disponível nas melhores lojas. São quatorze faixas, nelas incluída uma inédita gravação de “Zás”, parceria entre os dois artistas, a qual foi gravada originalmente por Baleiro em seu álbum “O Disco do Ano” (de 2012).

* O LiberTango lançou recentemente, através do selo carioca Mills Records, o CD “Tangos Hermanos”, o quarto da carreira. Formado por Estela Caldi (piano), Marcelo Caldi (acordeão) e Alexandre Caldi (sax e flauta), mãe e dois filhos, o grupo carioca construiu um disco primoroso, especialmente para quem gosta de música instrumental de qualidade. O repertório selecionou onze belos temas dos quais apenas dois são autorais (“Léo”, parceria de Marcelo com Francisco Pellegrini, e “Estrela”, de Alexandre). Os demais foram recolhidos primordialmente entre obras de Ernesto Nazareth e Astor Piazzolla, as quais ganharam versões personalíssimas. Há a participação especial do percussionista Fábio Luna na faixa “Libertango” (que surge com pegada de forró) e em três momentos as canções podem ser ouvidas com suas letras através das vozes de Marcelo, Alexandre e Grazie Wirtti (respectivamente em “Mi Buenos Aires Querido”, “Bambino” e “Si Buenos Aires no Fuera Así”, esta contando também com a presença de Mathias Arriazú no violão de 8 cordas).

* A cantora e exímia cavaquinista Luciana Rabello lançou recentemente, através do selo Acari Records, o ótimo CD “Candeia Branca”. Composto por quatorze faixas (treze resultantes de parcerias dela com Paulo César Pinheiro e outra, “Teu Amor”, assinada solitariamente pela artista), o álbum comprova que há muita música inteligente sendo feita à margem da grande mídia. Luciana (que também assina a produção do álbum ao lado de Maurício Carrilho) é compositora inspirada e canta muito bem. Dona de um timbre bonito e bastante peculiar, ela faz das canções “Canto Guerreiro”, “De Onde Veio o Samba”, “Seu Catirino” e “Queda de Braço” os melhores momentos de um repertório em que também merecem destaque a faixa-título e “Flor d’Água”, esta contando com a participação especial de Dori Caymmi.

* O cantor e compositor Tárcio está lançando o CD “Escuta”, o qual chegou às lojas através da gravadora Biscoito Fino. Após seis anos morando fora do país e frequentando a cena musical nova-iorquina, ele retorna ao Brasil para lançar o seu terceiro disco, o qual foi gravado entre os Estados Unidos e o Rio de Janeiro. Com sua voz de bela tessitura e dicção irrepreensível, o artista domina muito bem a técnica de cantar e se apropria dos graves com precisão ímpar. Aliando suavidade interpretativa a uma pulsante divisão rítmica, ele apresenta, no repertório, clássicos da MPB e inéditas autorais escritas com parceiros. Com uma sonoridade cool, identificada ora com a bossa nova, ora com o jazz, mas temperada por elementos do pop, o trabalho encontra os seus melhores momentos nas faixas “Dora” (de Dorival Caymmi), “A Rã” (de João Donato e Caetano Veloso) e “Molambo” (de Jayme Florence e Augusto Mesquita). Os arranjos foram divididos entre três feras (Hélio Delmiro, Durval Ferreira e Luiz Avellar) e a ficha técnica contempla nomes de instrumentistas de primeira linha, a exemplo de Jorge Helder (no contrabaixo acústico), Jurim Moreira (na bateria), Marcelo Martins (no sax), Zé Canuto (na flauta) e Ricardo Silveira (na guitarra).

* Enquanto não lança o primeiro CD, o que deverá acontecer ainda este semestre, a cantora e compositora paraense Natália Matos, dona de voz de timbre suave, está disponibilizando quatro canções para download gratuito no portal Natura Musical. Demonstrando personalidade musical, ela registrou temas de Kiko Dinucci e Douglas Germano (“Cio”), Arnaldo Antunes, Felipe Cordeiro, Manoel Cordeiro, Betão Aguiar e Luê (“Beber Você”) e Dona Onete (“Coração Sangrando”), além de uma composição própria (“Você me Ama”).

* E o Café da Gente estará recebendo a querida Joésia Ramos e seu Forró da Rabeca na quinta-feira que vem, dia 15 de maio, a partir das 19:30 horas. Só vai perder quem for muito nem noção, não é mesmo?

RUBENS LISBOA é compositor e cantor.
Apresenta o quadro "Musiqualidade" dentro do programa "Canta Brasil”, veiculado pela Aperipê FM todas as segundas-feiras, às 10 horas.
Quaisquer críticas e/ou sugestões a este blog serão bem-vindas e poderão ser enviadas para o e-mail: rubens@infonet.com.br

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