Musiqualidade

R E S E N H A

Cantora: MARIA BETHÂNIA
CD: “MEUS QUINTAIS”
Gravadora: BISCOITO FINO

Ícone maior quando se fala em voz feminina no Brasil, a baiana de Santo Amaro da Purificação Maria Bethânia chegou a ganhar algumas críticas, no início de sua carreira, por conta de algumas supostas desafinações. Mas o fato é que a morena esguia, desde que chegou ao Rio de Janeiro, em 1965, para suceder Nara Leão no espetáculo “Opinião”, chamou a atenção geral, tanto por conta de sua voz de belo timbre grave, bem diferente da maioria das intérpretes de então, quanto devido à visceral postura cênica adotada. Os anos foram passando e Bethânia foi conquistando uma parcela cada vez maior de admiradores. E até a crítica, em pouco tempo, terminou por se render a ela que, em anos, sabendo usar da experiência adquirida nos palcos da vida, domou excessos e lapidou seu canto.
A partir de 2012, a diva aportou na Biscoito Fino e, de lá para cá, vem lançando discos com surpreendente frequência, alternados em gravações de estúdio e registros ao vivo de shows sempre muito concorridos. É por essa mesma gravadora que ela acaba de fazer chegar às lojas o CD intitulado “Meus Quintais”, o segundo disco feito sem a produção de Jaime Alem, maestro com quem vinha trabalhando desde 1983 (ano em que lançou o controverso álbum “Ciclo”).
Trata-se de mais um projeto conceitual de Bethânia que, a exemplo do que fez em “Brasileirinho” (de 2003), mergulha no interior do país, buscando referências e sonoridades que, na verdade, residem mais ainda no interior dela própria. Composto por treze faixas (ela fez questão de alocar a única com temática um pouco mais distante, a obra-prima “Dindi”, de Tom Jobim e Aloysio de Oliveira, no final como Bônus), o CD talvez não agrade muito aos fãs que preferem ouvir a Abelha Rainha desfiando temas voltados ao amor e suas implicações. Desta vez, ela preferiu cantar a natureza (na recente “Alguma Voz”, de Dori Caymmi e Paulo César Pinheiro, acompanhada unicamente pelo piano de André Mehmari), os primeiros donos da nossa terra (em “Xavante” e “Arco da Velha Índia”, dois temas inéditos fornecidos pelo prolífico Chico César) e o folclore (“Folia de Reis”, de Roque Ferreira). Adepta dos sambas buliçosos do seu Recôncavo, Bethânia a eles recorre em momentos como “Candeeiro Velho” (outra de Roque Ferreira, agora em parceria com o já citado Paulo César Pinheiro) e no medley que reúne “Imbelezô Eu” e “Vento de Lá” (ambas, mais uma vez, de Roque Ferreira).
A ficha técnica acumula nomes de grandes instrumentistas, a exemplo de João Gaspar e Maurício Carrilho (no violão), Jorge Helder (no baixo), Marcelo Costa (na percussão), Toninho Ferragutti (no acordeão) e Luciana Rabelo (no cavaquinho) e há a participação do grupo carioca Tira Poeira em “Lua Bonita”, de Zé Martins e Zé do Norte, além de uma nova e delicada versão para “Mãe Maria”, de Custódio Mesquita e David Nasser (Bethânia já a havia gravado antes em 1976, no disco “Pássaro Proibido").
Alguns dos melhores momentos do repertório selecionado ficam por conta de “Uma Iara”, composta especialmente por Adriana Calcanhotto (aqui, há a inserção do texto “Uma Perigosa Yara”, de Clarice Lispector, e o destaque é a presença de uma apropriada guitarra slide), “Moda da Onça”, tema popular recolhido por Paulo Vanzolini e lançado em 1960 por Inezita Barroso, e “Povos do Brasil”, samba-exaltação de autoria do emergente Leandro Fregonesi (uma ótima surpresa pois faz ver que a artista encontra-se, enfim, aberta para gravar novos compositores).
Dona do seu destino, Maria Bethânia alcançou um patamar em que faz o que quer e isso se revela através de sua personalidade forte e da capacidade de expressar seus sentimentos da forma como melhor deseja. O novo CD, rural em sua essência (e a faixa “Casa de Caboclo”, de Paulo Dafilim e Roque Ferreira, é o seu mais nítido exemplo), denota sua fase atual, mais introspectiva, mas nem por isso menos interessante. O fato é que ela é ela e poucas conseguem chegar perto disso!

N O V I D A D E S

* A cantora Valéria Lobão se encontra em estúdio gravando o seu segundo trabalho que se constituirá em um CD duplo totalmente voltado à obra de Noel Rosa. O projeto, que é produzido por Carlos Fuchs, conta com algumas participações especiais, dentre as quais vinte e dois pianistas, além de João Cavalcanti, Joyce e Moyseis Marques.

* Cantora de formação lírica e também atriz, a gaúcha Vanessa Longoni lançou recentemente “Canção para Voar”, o seu segundo álbum que traz a assinatura dos irmãos Gastão e Antônio Villeroy na produção. De sonoridade contemporânea, com suaves toques regionais mas essencialmente pop, o CD contempla, no repertório, “Canto d'Alma” (de Vinicius Castro), “Sobreviventes” (de Lula Queiroga), “Bora” (de Eugenio Dale), “Mercado” (de Délia Fischer) e “Hojas de Tilo” (da uruguaia Ana Prada). Serginho Moah (vocalista do grupo Papas da Língua) é o convidado especial da faixa “Fast Folhinha” (de autoria do já citado Antonio Villeroy).

* Luiza Borges é carioca e estuda música desde pequena. Por ser filha de instrumentista, entrou em contato com este universo muito cedo, tendo se formado Bacharel em Licenciatura pela UniRio. Dona de belo timbre e técnica vocal depurada, ela lançou, através do selo Bolacha Discos, o seu primeiro e interessante CD intitulado “Romanceiro”. Poderia ser mais uma a entupir o repertório com desnecessárias regravações, mas, esperta e antenada, ela optou por valorizar a produção de novos compositores, dos de fato ainda pouco conhecidos, mas que possuem muito a dizer. Produzido por Renato Frazão e tendo à frente da direção musical e dos arranjos o exímio violonista André Siqueira, o álbum, que se faz composto por doze faixas, apresenta uma sonoridade bacana com influências de ritmos afro e nordestinos, resultando em um verdadeiro caldeirão sonoro muito bem condimentado. A artista assina tão somente uma faixa (“Pedido”) e as duas únicas releituras servem para comprovar que se trata de uma intérprete segura que veio mesmo para fazer diferente: a mais que batida “Chovendo na Roseira” (de Tom Jobim) ganha uma das mais felizes versões já feitas e a pouco conhecida (mas deliciosa) “Terreiro de Jesus” (de João Bosco, Francisco Bosco e Edil Pacheco) recebeu elogios até de seu mais exigente autor. Entre as demais, não dá para deixar de destacar as belezuras que são “Criador” (de Edu Prestes), “Rio X” (de Edu Kneip e Mauro Aguiar), “Quando o Lampião Apaga” (de Pedro Ivo e Diogo Brandão) e “Aboio” (do já citado Renato Frazão em parceria com Marcelo Fedrá). Vale muito a pena conhecer e ficar de olho nessa garota!

* A balada “Volte para Mim” (que faz parte do quarto álbum de Monique Kessous, em breve nas lojas) já se encontra disponível na internet e também faz parte da trilha sonora da telenovela global “Geração Brasil”. O aguardado CD terá a produção assinada por Berna Ceppas e a ficha técnica contempla músicos de ponta da nossa MPB, a exemplo de Cristina Braga (harpa), Davi Moraes (guitarras) e Marcelo Caldi (acordeão).

* Em novembro do ano passado, o compositor Délcio Carvalho saiu de cena, não sem antes lançar um último CD, o qual foi gravado ao lado de Marcelo Guima. Trata-se de “2 Compassos”, composto por treze faixas divididas entre termas inéditos de Guima (algumas criadas com parceiros) e regravações de canções de Délcio feitas em parceria com Dona Ivone Lara, as quais, ao longo dos anos, se transformaram em sucessos memoráveis, tais como “Sonho Meu”, “Acreditar”, “Minha Verdade” e “Alvorecer”, além da obra-prima “Velha Cicatriz” por ele escrita com Ivor Lancellotti. A maioria das faixas do álbum é cantada pelos dois artistas que ainda apresentam duas parcerias: “Deixa Estar” e “Luar”.

* Com direção musical dos irmãos Marcelo e Alexandre Caldi, o primeiro CD de Lúcia Helena se intitula “Ternária” e nele a cantora tenta enfatizar a contemporaneidade da valsa, aludindo ao compasso ternário do gênero que surgiu na Alemanha no século XV e se popularizou, nos quatro cantos do planeta, a partir do século XIX. O repertório abrange dezoito temas, entre regravações (a exemplo de “Deu Flor”, de Luhli e Lucina, e “Ária de Opereta”, de Guinga e Aldir Blanc) e canções inéditas (tais como “Valsa de Outono”, de Pedro Amorim e Paulo César Pinheiro, e “Amorosa”, de Maurício Carrilho e Vidal Assis).

* Tapes do show intitulado “Tira o Cavalo da Chuva”, realizado no verão de 1972 em São Paulo e no Rio de Janeiro pelo cantor e compositor Jorge Mautner (pouco depois de seu retorno de Londres onde esteve com os amigos exilados Caetano Veloso e Gilberto Gil e antes mesmo de ele lançar seu primeiro disco oficial) foram recuperados e devidamente remasterizados, chegando há pouco às lojas, através do selo Discobertas, em formato de CD duplo intitulado “Para Detonar a Cidade”. Em dezenove faixas, o artista mostra o seu som às vezes não muito convencional e resgata, inclusive, seis canções até então inéditas, ancorado por uma banda enxuta em que se destaca o violão do saudoso Nelson Jacobina. Entre parceria com o citado Caetano (“From Faraway”) e incursões em obras alheias de um Brasil rural (“Boi de Carro”, de Anacleto e Tinoco, e “Do Lado que o Vento Vai”, de Raul Torres), Mautner desfia algumas de suas mais inspiradas criações, caso de “Chuva Princesa”, “Estrela da Noite” e “Sapo Cururu”.

* Da série “Merece Ser Recordado”: embora efetivamente lançado em 2011, o CD “Vamos Chamar o Vento” no qual Fernando Rocha canta canções de Dorival Caymmi cai muito bem este ano quando se comemora o centenário de nascimento do cultuado artista baiano. Com arranjos e direção musical a cargo do violonista Alain Pierre, o álbum desce redondinho, transformando-se em uma homenagem muito legal. Temas atemporais como “Marina”, “Morena do Mar”, “Sábado em Copacabana”, “Saudade de Itapoã” e “O Bem do Mar”, por exemplo, fazem parte do repertório selecionado com afinco.  Fernando, que também é psicanalista, canta bonito com sua voz grave que embute várias experiências de vida. Entre os convidados, destacam-se Silvia Machete (em “O que É que a Baiana Tem”), Danilo Caymmi (em “A Vizinha do Lado”) e o grupo Tono (em”Cala Boca Menino”).

RUBENS LISBOA é compositor e cantor.
Apresenta o quadro "Musiqualidade" dentro do programa "Canta Brasil”, veiculado pela Aperipê FM todas as segundas-feiras, às 10 horas.
Quaisquer críticas e/ou sugestões a este blog serão bem-vindas e poderão ser enviadas para o e-mail: rubens@infonet.com.br

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