R E S E N H A
Cantor: TOM ZÉ
CD: “VIRA LATA NA VIA LÁCTEA”
Gravadora: INDEPENDENTE
Nascido em Irará (BA), o cantor e compositor Tom Zé montou, na década de sessenta do século passado, um grupo com Gilberto Gil, Gal Costa, Caetano Veloso e Maria Bethânia para encenar os espetáculos "Nós, Por Exemplo" e "Velha Bossa Nova e Nova Bossa Velha" em terras soteropolitanas. Em seguida, já em São Paulo, participou do espetáculo "Arena Canta Bahia" e do disco-chave do movimento tropicalista, "Tropicália ou Panis et Circensis", lançado em 1968, o qual continha sua composição "Parque Industrial". Naquele mesmo ano, ele conseguiu o primeiro lugar em um concorrido festival de música com "São São Paulo, Meu Amor" e lançou seu primeiro disco solo. Após um período de ostracismo, ele viu, no fim da década de oitenta, sua carreira dar uma reviravolta quando o músico David Byrne descobriu seu trabalho e o lançou no mercado internacional. De lá para cá, Tom Zé recuperou seu prestígio, vem lançando discos com regularidade e continua a cultuar uma imagem de contestador e exótico, ao mesmo tempo em que soa lúdico e brincante.
Seu mais recente CD se intitula “Vira Lata na Via Láctea” (numa alusão à raça humana que parece ter pedido a razão, ele próprio se pondo como o maior representante disso) e chegou há poucos dias ao mercado contendo treze faixas autorais, além da oportuna regravação de “A Quantas Anda Você”, de Tiago Araripe. Produzido pelo multi-instrumentista Daniel Maia e trazendo a assinatura de Marcus Preto na direção artística, o álbum mostra que Tom Zé continua inquieto, buscando de fato se reinventar a cada novo trabalho.
Com seu timbre bastante peculiar e dono de um ótimo alcance vocal, o artista continua escrevendo letras que precisam de sagacidade ímpar para ser depuradas. Inteligente e antenado com as novas tecnologias digitas, ele prevê, mago futurista, que pouco deverá mudar com esses implementos e atesta isso logo na primeira faixa, a ótima “Geração Y”.
Apreciador de contornos plurais e sem ranço de qualquer preconceito musical, Tom Zé mistura, como de costume, gêneros e estilos diversos e agrega colegas de várias vertentes e gerações. Se com Criolo ele constrói a aparentemente simples “Banca de Jornal”, com Marcelo Segreto ele apresenta a contagiante “Guga na Lavagem”. Ele também musicou um belo texto escrito por Fernando Faro que marcou o último espetáculo de Elis Regina (“Pour Elis”, que conta com a participação especial de Milton Nascimento) e traz a lume sua primeira parceria com Caetano Veloso (algo há muito desejado, porém somente agora concretizado): a valsa “A Pequena Suburbana” (que trata a Terra, em seu período de formação, como a personagem-título), a qual conta, nos vocais, com o parceiro como convidado.
Sempre politizado, Tom Zé grita ainda acreditar na sobrevivência do povo (em “Esquerda, Grana e Direita”) e apregoa que o que salva a humanidade é que não há quem cure a curiosidade (em “Salva Humanidade”). Filho saudoso de sua terra natal, ele vez por outra a põe na linha de frente dos seus trabalhos e desta vez o faz na faixa “Irará Irá Lá”. E, em outro viés, ciente de seus pecadilhos, implora o perdão católico em “Papa Perdoa Tom Zé”.
Musicalmente falando, o álbum resulta mais palatável que alguns trabalhos anteriores, revelando-se bastante eclético. Pula da pulsação eletrônica de “Mamon” (a cargo de Silva) para o som seco de “A Boca da Cabeça” e alberga sob o mesmo céu tanto os meninos de O Terço (em “Cabeça de Aluguel”) quanto o violão particularíssimo de Kiko Dinucci (em “Retrato na Praça da Sé”). E olha que há ainda as contribuições da Filarmônica de Pasárgada, da Trupe Chá e Boldo, de Rodrigo Campos e Tatá Aeroplano.
Trata-se de mais um disco concebido por um artista único que tem como grande mérito fugir do lugar comum. E é assim que Tom Zé prossegue na sua incansável aventura astral de fazer música. Uma boa viagem para todos os ouvintes, então!
N O V I D A D E S
* Quem ouve o começo de “Baile Saudoso”, a primeira das dez faixas do independente primeiro CD da cantora e compositora paraense Camila Honda pode ter a falsa impressão de que se trata de mais uma artista nortista a mergulhar nos ritmos de sua terra, pegando carona no boom que ora se alastra pelo país. Mas a impressão logo se dissipa já na mesma faixa quando, ao final, se ouvem guitarras que remetem ao velho e bom rock. É, o homônimo álbum de estreia de Camila termina por mergulhar descaradamente no pop rock, ainda que ela não negue suas origens quando regrava, por exemplo, o quase hino “Tamba-Tajá” (de Waldemar Henrique). Produzido pelo conterrâneo Felipe Cordeiro, o CD apresenta ao Brasil uma intérprete de timbre quase infantil, mas muito agradável de ouvir. Avessa a arroubos interpretativos, Camila cumpre com desvelo a lição de casa, construindo um disco que, entre altos e baixos, resulta positivo. Os melhores momentos do repertório apresentado ficam por conta de “Embaraço” e “Depois que a Chuva Passar” (ambas de autoria do já citado Cordeiro, a segunda em parceria com a própria Camila), além de “Aparelhagem de Apartamento” (de Molho Negro e Camillo Royale) e da releitura (uma das melhores entre as tantas já registradas, justiça lhe seja feita) de “Sabiá”, conhecido tema composto por Luiz Gonzaga e Zé Dantas. Para quem curte conhecer promissoras intérpretes, este se torna um CD recomendável!
* O aguardado novo CD de Gal Costa somente será lançado em 2015, ano em que a diva baiana completará sete décadas de vida. O repertório vem sendo cuidadosamente selecionado, mas já estão certas as inclusões de músicas de Adriana Calcanhotto, Antonio Cicero (em parceria com Arthur Nogueira), Arnaldo Antunes (em dois momentos, um com Marisa Monte e outro com Zé Miguel Wisnik), Caetano Veloso, Gilberto Gil, Marcelo Camelo e Milton Nascimento (com a colaboração de Criolo). Quem viver, ouvirá!
* Foi lançada recentemente pela gravadora Eldorado a caixa “Raul Seixas – 25 anos sem o Maluco Beleza – Toca Raul”, produzida por Sylvio Passos. O projeto embala um DVD e seis CDs. Dentre estes estão dois inéditos registros de shows do artista (“Eu Não Sou Hippie – Ao Vivo no Cine Patrocínio”, de 1974, e “Isso Aqui Não É Woodstock, mas um Dia Pode Ser”, de 1981). Mas o melhor é mesmo a presença do CD de estúdio originalmente lançado em 1983 que traz, entre outras deliciosas canções, “DDI – Discagem Direta Interestelar”, “O Carimbador Maluco” e “Capim Guiné”, além da obra-prima “Lua Cheia”. A cantora Wanderléa surge em participação especial na faixa “Quero Mais”. Aconselhável para seus milhares de fãs!
* O próximo projeto musical de Isabella Taviani será um CD em que ela regravará canções popularizadas pelo duo norte-americano The Carpenters. O álbum foi gravado no Brasil e nos Estados Unidos sob a produção de Marcos Brito. A cantora norte-americana Dionne Warwick vai aparecer como convidada especial.
* O cantor carioca Noriel Vilela começou sua carreira como integrante do grupo vocal de samba Cantores de Ébano, o qual alcançou relativo sucesso na década de cinquenta do século passado. Em 1968, ele lançou o álbum-solo “Eis o Ôme” que surge agora reeditado pela gravadora EMI em parceria com a Copacabana Discos, após necessária remasterização. Conhecido pelo seu timbre vocal de um baixo profundo, o artista possuía também uma dicção única no samba. O repertório de doze faixas desse trabalho se faz composto por uma sucessão de temas de sambalanço com forte tempero afro, não apenas na sonoridade como também na temática voltada para a umbanda. Entre os destaques estão “Promessado” (de Carlos Pedro), “Pra Iemanjá Levar” (de Delcio Carvalho), “Samba das Águas” (de Josan de Mattos), “Peço Licença” (de Avarese), “Acocha Malungo” (de Sidney Martins) e “Só o Ôme” (de Edenal Rodrigues, canção recentemente regravada por Ney Matogrosso para integrar a trilha sonora do seriado global “As Cariocas”). Noriel faleceu precocemente em 1974 devido a uma reação alérgica à anestesia recebida durante um tratamento o dontológico.
* O tecladista Donatinho estará lançando em breve o seu primeiro CD solo. Intitulado “Zambê”, o álbum trará parcerias do artista com Dona Onete, Kassin e Rita Benneditto. Plural em sua concepção (há samba, moda de viola, batuque indígena, carimbó e outros ritmos reprocessados com batidas modernas), o projeto se calca mesmo é numa mistura da música regional brasileira com a pegada eletrônica tão em voga.
* A carreira artística da cantora Telma Costa foi curta. Irmã da compositora Sueli Costa e mãe da cantora Fernanda Cunha, ela faleceu em 1989, às vésperas de completar trinta e seis anos. Tornou-se nacionalmente conhecida em 1980 quando, convidada por Chico Buarque (que a conhecida desde a década de sessenta), dividiu com ele os vocais da atemporal “Eu te Amo”, uma das mais famosas parcerias dele com Tom Jobim. Telma gravou somente três discos: “Vida de Artista” (em 1978), “Vida” (em 1980) e o homônimo “Telma Costa” (em 1983). É este último título que acaba de retornar ao catálogo, devidamente remasterizado, através de uma iniciativa da gravadora Kuarup. Produzido por Dori Caymmi, o álbum se faz composto por uma dúzia de faixas criadas por autores que, a época, eram tidos como a nata da MPB. Dotada de voz pequena, mas dona de técnica e segurança irrepreensíveis, a artista se entregou a belas canções criadas pelo já citado Tom (“Espelho das Águas”), João Bosco (“Coisa Feita”, parceria com Aldir Blanc e Paulo Emílio) e Milton Nascimento (“Fruta Boa”, feita ao lado de Fernando Brant), mas os melhores momentos ficam por conta de “Adoração” (de Lisieux Costa e Tite de Lemos) e “Lembra” (de Ivan Lins e Vitor Martins). Caetano Veloso surge em participação especial na autoral “Certeza da Beleza”. De fato, um resgate importante que deve fazer parte de toda cedeteca que se preze!
* “Halo” é o titulo escolhido pelo cantor e compositor Duani, integrante do grupo carioca Forroçacana e da Orquestra Imperial, para batizar o seu primeiro CD solo, o qual deverá ser lançado ainda este ano. A conferir!
RUBENS LISBOA é compositor e cantor.
Apresenta o quadro "Musiqualidade" dentro do programa "Canta Brasil”, veiculado pela Aperipê FM todas as segundas-feiras, às 10 horas.
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