Musiqualidade

R E S E N H A

Cantora: ELIETE NEGREIROS
CD: “OUTROS SONS”
Gravadora: KUARUP

A cantora paulista Eliete Negreiros chegou a frequentar o Conservatório de Música na infância, mas acabou se formando mesmo em filosofia pela USP. Na década de setenta do século passado, ela viajou pelo México e Estados Unidos onde atuou como cantora de grupos de música brasileira. Já de volta ao Brasil, mergulhou de cabeça, em 1982, no movimento chamado “Vanguarda Paulista!” (o qual entrou para a história da música popular brasileira como referência à geração musical que abrigou diversificadas experimentações musicais, com a regularidade de fator: a presença de fala na música), lançando em seguida o disco "Outros Sons", produzido por Arrigo Barnabé.
Esse seu trabalho inaugural acaba de retornar ao catálogo, em edição remasterizada pelo competente Ricardo Carvalheira, através da gravadora Kuarup. Ao lado de Vânia Bastos e Ná Ozzetti, Eliete viu proliferar, à época, uma estética que possuía como maior referência fonográfica o LP independente “Clara Crocodilo”, lançado pelo citado Arrigo com a banda Sabor de Veneno, no qual se mesclava o rock com arranjos dodecafônicos e atonais da música erudita.
Há muito disso em “Outros Sons”, álbum que se faz composto por quinze faixas e se abre com uma versão desconstruidora de “Pipoca Moderna” (de Sebastião Biano e Caetano Veloso). Não é, de fato, um trabalho fácil de ser digerido (e talvez a proposta fosse mesmo esta quando se optou por gravar, entre outras, as complexas “Peiote”, de Paulo Barnabé, e “Selvagem”, de Gilberto Mifune), mas o fato é que se trata de um item interessante para aqueles apreciadores do incessante andar da carruagem da nossa história musical.
Eliete é dona de voz cristalina, com alcance considerável e irrepreensível afinação (por vezes se torna arrepiante como seu timbre lembra o de Jussara Silveira). Os arranjos espertos surgem como verdadeiros personagens (caso do que se ouve em “Coração de Árvore”, de Robinson Borba, e “Febre de Amor”, de Lauro Maia) e o repertório alberga desde tema eminentemente regional (“Sorora Garoa”, de Passoca) até standands do cancioneiro americano, seja no idioma original (“As Time Goes By”, de Herman Hupfeld, em vinheta), seja em versões assinadas por Haroldo Barbosa (“Begin the Beguine”, de Cole Porter) e Aloysio de Oliveira (“Midnight Sun”, de Johnny Mercer, Sonny Burke e Leonel Hampton, que se transforma em “Sol da Meia-Noite”). E há também, no eclético set list, o apropriado resgate de “A Felicidade Perdeu meu Endereço” (de Claudionor Cruz e Pedro Caetano) e uma das primeiras (e mais interessantes) criações do então emergente Itamar Assumpção, a deliciosa “Fico Louco”.
Uma consistente mistura de sons e ritmos, do novo com o antigo, de brasilidades e estrangeirismos, que apresentou a ótima Eliete Negreiros, uma intérprete que faz muita falta nestes dias de tantas copiazinhas mal feitas…

N O V I D A D E S

* O cantor Marcos Ozzellin é natural de São Bernardo do Campo (SP) e iniciou sua carreira nos anos noventa, apresentando-se em várias casas de espetáculos e barezinhos. Em 1999, mudou-se para Portugal e lá cantou no circuito Lisboa-Caiscais-Estoril. Desde 2001 morando no Rio de Janeiro, ele, que é afilhado artístico da cantora Ithamara Koorax, está lançando o seu segundo disco (o de estreia, “O Samba Transcendental de Marcos Ozzellin”, saiu em 2010). Intitulado “Intersecção”, trata-se de um álbum independente produzido por ele próprio ao lado do violonista André Muato que traz dez faixas, todas elas releituras, embaladas por arranjos muito bem concebidos. Ozzellin canta com sua voz bem colocada de timbre grave bonito e sabe se entregar às emoções que cada canção lhe pede. Até poderia ser catalogado como um disco de sambas (recolhidos entre compositores cariocas e paulistas), mas isso é muito restritivo para um trabalho que, embora priorize esse gênero musical, abre o leque em outras direções como na oportuna regravação de “Paulista” (de Eduardo Gudin e J. C. Costa Netto, em que surge Carlos Navas como convidado especial). Ozzellin comprova seu talento ao conferir novas nuances a temas bastante conhecidos como “Estação Derradeira” (de Chico Buarque) e “Onde a Dor Não Tem Razão” (de Paulinho da Viola e Elton Medeiros), mas também sabe jogar apropriadas luzes sobre músicas menos tocadas como “Pra Ter seu Bem Querer” (de Bena Lobo e Moyséis Marques) e “Laguidibá” (de Nei Lopes, Magno Souza e Maurílio de Oliveira). Entre os melhores momentos do seleto repertório estão “Volta por Cima” (de Paulo Vanzolini) e “Apaga o Fogo, Mané” (de Adoniran Barbosa). Um CD acima da média que vale super a pena ser conhecido!

* O disco de estreia do cantor paulista Luiz Pié já está sendo gravado para ser lançado no próximo ano. Milton Nascimento é o convidado da faixa “Pai Grande”, integrante desse aguardado álbum que leva a assinatura de Roberto Menescal na produção e trará, no repertório, músicas criadas por Carlos Lyra, Marcos Valle e Noel Rosa, entre outros.

* Lançado em 2012, vale a pena conhecer “Qual É, Baiana?”, o segundo CD solo da cantora baiana Marilda Santanna, o qual chegou ao mercado exatos dez anos após a estreia dela no mercado fonográfico. Composto por dez faixas, o álbum é conceitual e reúne músicas que se utilizam como tema a figura da baiana na canção brasileira. Assim, estão lá temas assinados pelos mestres Dorival Caymmi (“Lá Vem a Baiana”), Caetano Veloso (a faixa-título) e Gilberto Gil (“Toda Menina Baiana”), mas também outras criadas por autores da nova geração, a exemplo de Beto Pitombo (“Subida da Gamboa”) e Tenisson Del Rey (“Groove da Baiana”, parceria com Jorge Zarath e Paulo Vascon). Entre os destaques do repertório estão “Vestido de Prata” (de Jorge Alfredo) e “Pregão da Baiana” (de Denis Brean). Os arranjos do disco foram divididos entre Letieres Leite (maestro da Orkestra Rumpilezz) e Luis Asa Branca.

* A cantora maranhense Patativa, conhecida voz do samba de São Luís (MA), está estreando no mercado fonográfico, do alto de seus setenta e seis anos, com dois CDs de uma vez: um deles se intitula “Ninguém É Melhor do que Eu” e foi idealizado por Zeca Baleiro com a produção assinada por Luiz Jr., trazendo as participações especiais de Simone e Zeca Pagodinho, além do próprio Baleiro. O outro se trata do projeto biográfico intitulado “Patativa Canta sua História” e será lançado no próximo ano.

* O cantor e compositor paulistano Pipo Pegoraro está lançando “Mergulhar Mergulhei”, o seu terceiro CD, o qual, produzido pelo próprio artista, chega ao mercado com a assinatura de Romulo Fróes na direção artística. Fróes também é o parceiro de Pipo em duas das dez faixas inéditas e autorais, três delas instrumentais (e, nessa seara, merece destaque o belo tema de abertura, “Aiye”), e surge ainda como convidado especial em “Pra Continuar”. Intérprete correto e autor de boas sacadas nas letras, Pipo também conta com as participações de Filipe Catto e Xênia França, esta vocalista da banda Aláfia da qual Pipo faz parte (em “Indecifrável”) e de Luz Marina (em “O que Só Cabe em Nós”). Outros bons momentos ficam por conta de “Sabão de Coco” e “Cambaleei”.

* O grupo carioca Fundo de Quintal está em estúdio gravando as músicas que farão parte de seu próximo CD. Enquanto isso, os rapazes também registraram a canção “Preá Comeu” que fará parte do quarto volume da série Sambabook, oqual será dedicado à obra autoral de Dona Ivone Lara.

* E mais uma vez, Roberto Carlos adia o lançamento do tão aguardado CD de inéditas. Também não chegará às lojas o registro do show que ele realizou, em setembro deste ano, na MGM Gran Garden Arena, em Las Vegas (EUA), conforme havia sido aventado anteriormente. Os seus milhares de fãs terão que se contentar com mais um produto requentado para presentear os amigos neste Natal. Será lançada outra compilação de encontros com artistas, extraída de números apresentados em alguns dos especiais de fim de ano do Rei exibidos pela Rede Globo. Intitulado “Duetos 2”, o álbum trará, entre outras, as presenças de Erasmo Carlos (em “Papo de Esquina”),  Claudia Leitte (em “Amor Perfeito”), MC Leozinho (em “Ela Só Pensa em Beijar”),  Marisa Monte (em “Amor, I Love You”), Jorge Ben  Jor (em “Que Maravilha”) e Daniela Mercury (em “Como É Grande o meu Amor por Você), além de Alcione e Rita Lee em medleys em que se evidenciam sucessos gravados por elas, tais como “Estranha Loucura”, “Meu Ébano”, “Mania de Você” e “Baila Comigo”.

* A cantora Cláudia Beija, que já possui mais de duas décadas de carreira, passou dois anos gravando o seu primeiro CD, concluindo-o em 2012, mas só recentemente o fez chegar às lojas. Trata-se de A.m.a.r.t.e. (amor e arte, amor à arte), um produto independente que leva a assinatura de Caca Barretto na produção e direção musical e se faz composto por quatorze faixas. A voz de Cláudia é muito bonita, doce e decidida ao mesmo tempo, lembrando o timbre de Rosa Passos, porém mais encorpado. Contando com a participação mais que especial de Elba Ramalho na regravação de “Flor de Maracujá” (de João Donato e Lysias Ênio), o álbum desce redondinho e faz da estreia fonográfica da artista uma boa surpresa. Os destaques do repertório ficam por conta de “Nossa” (de Júlio Morais e Ylana Queiroga, que conta com a presença de Thiago Hoover nos vocais), “Samba Tem” (de Zé Manoel e Guilliard Pereira), “Só que Deram Zero pro Bedel” (de Luiz Vagner) e da personalíssima releitura de “Último Desejo” (de Noel Rosa). Corra e ouça!

RUBENS LISBOA é compositor e cantor.
Apresenta o quadro "Musiqualidade" dentro do programa "Canta Brasil”, veiculado pela Aperipê FM todas as segundas-feiras, às 10 horas.
Quaisquer críticas e/ou sugestões a este blog serão bem-vindas e poderão ser enviadas para o e-mail: rubens@infonet.com.br

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