Musiqualidade

R E S E N H A

Cantora: VALÉRIA LOBÃO
CD: “NOEL ROSA PRETO E BRANCO”
Gravadora: INDEPENDENTE

Um disco só de voz e piano é para poucos. Só para os que realmente se garantem de fato no cantar pois, num formato assim, todos os filigranas da voz ficam mais que expostos. Esse é indiscutivelmente o caso da segura e afinada carioca Valéria Lobão, uma das cinco vozes femininas mais bonitas da atualidade que, audaciosa, gravou de uma só tacada o CD duplo “Noel Rosa Preto e Branco”, reunindo vinte e duas canções compostas pelo compositor carioca (ele, que é tido por muitos estudiosos como o precursor da moderna música popular brasileira), algumas feitas ao lado de parceiros como, por exemplo, João de Barro, Francisco Alves, Vadico, Orestes Barbosa e Hervê Cordovil.
Após uma estreia super elogiada na carreira solo em 2010 (quando pôs no mercado o álbum “Chamada”), Valéria, que foi participante ativa do grupo vocal Equale, resolveu se entregar à produção do talentoso Carlos Fuchs para mergulhar de cabeça e coração no universo musical do Poeta da Vila. E o fez de forma muito inteligente porque, ao invés de se prender a releituras dos grandes sucessos do talentoso compositor, preferiu trazer a lume, em sua maioria, temas pouco conhecidos, mas nem por isso menos interessantes (as exceções ficam por conta das inclusões de “Pastorinhas”, “Pra Que Mentir”, “Feitio de Oração” e “Último Desejo”, as quatro – frise-se, por oportuno – revestidas com novas e apropriadas nuances). E enquanto o título do projeto faz referência direta às teclas de um piano (pretas e brancas), o arrojado projeto gráfico evidencia um cuidado hoje em dia raro nas produções nacionais.
Acompanhada por um séquito de vinte e dois pianistas (que gravaram as faixas no mesmo estúdio, com o mesmo instrumento – um piano acústico – e igual captação) dos quais fazem parte, entre outros, André Mehmari, Gilson Peranzzetta, Leandro Braga, Itamar Assiere, Marcelo Caldi, Tomás Improta, João Donato e Cristóvão Bastos, Valéria mostra várias de suas possibilidades interpretativas: vai da sutileza com que mastiga as palavras em “Você Só Mente” ao viés suplicante de “Eu Agora Fiquei Mal”, passando com maestria pelo gracejo de “Minha Viola”, pelo minimalismo de “Suspiro” e pela dualidade de sentimentos de “Triste Cuíca”.
Com conceito bem amarrado, o disco (que reúne sambas, foxes, marchas-ranchos, modinhas, emboladas e temas sertanejos) resulta simples e sofisticado ao mesmo tempo, provando a possibilidade de uma coexistência antagônica. E se o formato poderia soar monocórdio, a verdade é que, ainda que a intenção camerística permeie o trabalho, a cada faixa o ouvinte se depara com uma nova emoção, sempre dominada por Valéria, uma intérprete que, safa em sua técnica precisa, sabe mergulhar com intensidade nos desvãos mais profundos das emoções.
Para abrilhantar ainda mais, há as participações especiais de Joyce Moreno (em “Só Pode Ser Você”), Mariana Baltar (em “Pela Décima Vez”), Marcelo Pretto (em “E Não Brinca Não”), Nina Wirtti (em “Eu Sei Sofrer”), João Cavalcanti e Moyséis Marques (em “Eu Vou pra Vila”).
Um projeto concebido com paixão e desenvolvido com esmero que merece efusivos aplausos. Aplausos tanto para Valéria Lobão, uma cantora incrível que merece ser conhecida (e reconhecida) cada vez mais, quanto para Noel Rosa, um dos maiores nomes de toda a história do nosso cancioneiro. Corra e ouça!

N O V I D A D E S

* Uma das maiores representantes da cultura popular do Maranhão, a cantora e compositora Patativa (nome artístico de Maria do Socorro Silva), nascida no município de Pedreiras, finalmente estreia no mercado fonográfico através de uma iniciativa do conterrâneo Zeca Baleiro. Aos setenta e sete anos, ela, uma sambista inata, fez chegar recentemente ao mercado, através do selo Saravá Discos e sob a produção do multi-instrumentista Luiz Jr., o CD intitulado “Ninguém É Melhor do que Eu”. Trata-se da reunião de treze canções compostas durante anos e que, há muito, estavam por merecer chegar ao conhecimento de uma fatia maior de público. São sambas simples, de letras curtas, mas que, por vezes, abordam temas fortes e atuais como é o caso de “Babado da Favela” (que fala da violência nos morros), de “Quebrei meu Tamborim” (que se refere ao vício da embriaguês) e de “Negro no Samba É Doutor” (que traz a lume a questão do preconceito racial). Defensora do mais genuíno dos gêneros musicais brasileiros, Patativa sentencia que “o samba não pode faltar” logo na faixa de abertura (“Rosinha”) e escreve sobre a dor da perda de um grande amor (em “Quem Diria”). E se símbolos afro-brasileiros se fazem evocados em “Erva Cidreira”, em “Xiri Meu” é propagado o cucuriá, ritmo originado de uma dança apresentada na Festa do Divino Espírito Santo. Além do já citado Baleiro, presente como convidado em “Santo Guerreiro”, o projeto conta também com as participações especiais de Simone e Zeca Pagodinho em “Saudades do meu Bem-Querer” e na canção-título, respectivamente, dois dos melhores momentos do repertório apresentado. Dona de voz calejada mas ainda em forma, a artista vê perpetuada sua obra em muito boa hora. Um CD bem interessante que deve ser conhecido e divulgado!

* Revelado por conta da produção do aclamado segundo CD de Alice Caymmi (“Rainha dos Raios", lançado no ano passado), o músico carioca Diogo Strausz está disponibilizando o seu primeiro álbum intitulado “Spectrvm vol. 1”. Compositor, arranjador e multi-instrumentista, o artista conta, nesse disco inaugural, com as participações especiais de Apollo, Kassin, Danilo Caymmi, além da já citada Alice e de Leno (seu pai).

* Um dos maiores representante da soul music nacional e discípulo confesso de Tim Maia, o cantor e compositor fluminense Claudio Zoli lançou, no finalzinho do ano passado, o CD “Amar Amanheceu”, o qual aportou no mercado através da gravadora Lab 344 após mais de uma década do lançamento de seu último projeto musical (“Sem Limite no Paraíso”, de 2003). Composto por onze faixas autorais e inéditas, o álbum traz uma sonoridade dançante ressaltada por vigoroso naipe de metais constante de mais de metade do trabalho. Exímio guitarrista, Zoli canta com maneirismos que lembram a impostação do Síndico e assina a produção musical e os arranjos do disco que traz a coprodução a cargo do tecladista Hiroshi Mizutani. Com um enorme sucesso popular na bagagem (“Noite do Prazer”, uma parceria dele com Arnaldo Brandão e Paulo Zdanowsky, gravada em 1983 quando ainda era vocalista do grupo Brylho) e canções propagadas pelas vozes de Marina Lima e Elba Ramalho (“À Francesa” e “Felicidade Urgente”, respectivamente), o artista faz de “Dia de Jogo”, “Olhos Verdes”, “Amor Sem Fim” e “Bem Vinda Vida” os melhores momentos do repertório apresentado.

* O CD “Perfume de Carnaval” é o novo trabalho do cantor e compositor pernambucano Maciel Melo. Inteiramente dedicado ao frevo, o disco conta com a direção musical do maestro Spok e traz a participação especial de  Geraldo Azevedo na faixa “Quatro Dias de Amor”.

* Nem bem lançou o seu terceiro e ótimo CD (“Das Coisas que Surgem”), a cantora baiana Marcia Castro já está a disponibilizar no YouTube duas novas gravações com vistas aos festejos de Momo que se avizinham: uma é a regravação do conhecido reggae “Malandrinha”, sucesso de Edson Gomes; a outra é “Cavalo”, uma bela e inédita parceria dela com Luciano Salvador Bahia.

* A trilha sonora de “Animal”, série exibida no ano passado pelo canal de TV GNT, resultou em CD que chegará ao mercado muito em breve, reunindo, sob a batuta do compositor e arranjador gaúcho Silvio Marques, gravações inéditas de músicas de compositores sulistas feitas por cantores como Bebeto Alves, Ná Ozzetti, Serginho Moah (vocalista do grupo Papas da Língua), Zeca Baleiro e Zizi Possi.

* É bastante sintomático que tenha sido Tom Jobim, em meio a tantos grandes compositores da nossa MPB, o escolhido por Chitãozinho & Xororó para rechear o repertório do novo trabalho da dupla. Decerto que o fato de o Maestro Soberano ser considerado um músico com o pé no erudito reforçou essa opção pois fica claro que os irmãos têm como maior objetivo, com o lançamento desse bem-vindo projeto, provar que em música são muito tênues as linhas que separam o que é chamado brega do que é tido como chique. A verdade, ainda que alguns preconceituosos possam não querer aceitar, é que o CD “Tom do Sertão” se consubstancia como uma agradável surpresa. Produzido a seis mãos por Ney Marques, Edgard Poças e Cláudio Paladini, o álbum de sonoridade calcada em violões e violas (com a adição maciça de cordas) desce redondinho, muito pela escolha acertada do repertório de quatorze faixas (composto com parcerias feitas com Vinicius de Moraes, Luiz Bonfá, Newton Mendonça, Alcides Fernandes e Dolores Duran) que alia alguns dos maiores sucessos do cancioneiro jobiniano (caso de “Chega de Saudade”, “Eu Sei que Vou te Amar” e “Se Todos Fossem Iguais a Você”, esta em um arranjo bastante interessante que a leva para uma marchinha) a outras músicas menos conhecidas (a exemplo de “Solidão” e “A Chuva Caiu”). Em boa forma vocal, Chitãozinho e Xororó trazem com propriedade para a sua praia sertaneja temas como “Estrada Branca”, “Correnteza” e “Caminho de Pedra” e ratificam a ideia de que essas classificações que terminam catalogando artistas não passam de bobagem já que se torna indubitável que canções como “Eu Não Existo sem Você”, “Se É Por Falta de Adeus” e “Caminhos Cruzados” cabem muitíssimo bem em roupagem mais popular. Grandes momentos ficam por conta de “Chovendo na Roseira” (em versão que a aproxima do country, fazendo-a ganhar em pulsação), “Modinha” (limpinha, sem desnecessários arroubos) e “Águas de Março” (ainda que calcada no registro antológico feito por Tom ao lado de Elis Regina). Trata-se de um disco que deve ser conhecido e ouvido sem reservas e com a atenção que merece já que se trata de um ponto alto na extensa discografia da dupla!

* O cantor e compositor pernambucano China está lançando o CD “Telemática”, o quarto título de sua discografia solo, o qual se faz composto por treze faixas autorais, nove delas inéditas.

* Incansável, Ney Matogrosso já se prepara para gravar o seu próximo CD, o qual deverá ser lançado este ano e concentrará o repertório em canções criadas por apenas quatro compositores. São eles: Itamar Assumpção, Jards Macalé, Jorge Mautner e Luís Capucho. Destes, somente o primeiro costuma constar com frequência das fichas técnicas de trabalhos anteriores do vocalista do lendário grupo Secos & Molhados. Quem viver, ouvirá!

* Enquanto isso, a cantora Cida Moreira já se encontra em estúdio paulista registrando as canções que farão parte de seu próximo CD, o qual chegará às lojas ainda neste primeiro semestre. Deve vir coisa muito boa por aí pois ela pode!

RUBENS LISBOA é compositor e cantor.
Apresenta o quadro "Musiqualidade" dentro do programa "Estúdio Aperipê”, veiculado pela Aperipê FM todas as segundas-feiras, às 11 horas.
Quaisquer críticas e/ou sugestões a este blog serão bem-vindas e poderão ser enviadas para o e-mail: rubens@infonet.com.br

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