Musiqualidade

R E S E N H A

Artistas: ARRIGO BARNABÉ, LUIZ TATIT e LÍVIA NESTROVSKI
CD: “DE NADA MAIS A ALGO ALÉM”
Gravadora: ATRAÇÃO

Arrigo Barnabé e Luiz Tatit, dois dos maiores representantes da chamada Vanguarda Paulista, espécie de movimento musical que despontou na década de setenta do século passado, nunca haviam composto juntos. Essa lacuna, no entanto, se fez preenchida há dois anos em show realizado por ambos ao lado da cantora Lívia Nestrovski no Sesc Vila Mariana, em São Paulo, o qual foi devidamente registrado, perpetuando, assim, nove parcerias no CD intitulado “De Nada Mais a Algo Além”, lançado através da gravadora Atração que chegou às lojas no segundo semestre do ano passado, mas que somente recentemente começou a ser efetivamente divulgado por conta da realização de novas apresentação reunindo os três artistas.
Arrigo estudou Arquitetura e Composição na USP e, em 1980, lançou seu primeiro disco, o cultuado "Clara Crocodilo", tendo voltado o seu trabalho para uma revolução estética com o emprego de atonalidades e afins, obtendo elogios de feras como Caetano Veloso e Tom Jobim.
Tatit, por sua vez, famoso por quebrar a estrutura formal da canção com o seu já característico canto falado, integrou o grupo Rumo, com quem gravou seis discos, sendo um dos seus principais compositores. Atualmente em carreira solo, ele é também professor titular do departamento de Linguística da USP e autor de vários livros sobre semiótica.
Produzido pelo competente Mario Manga e, contando, na banda base, com músicos de primeira linha, a exemplo de Paulo Braga (no piano), Fábio Tagliaferri (na viola) e Adriana Holtz (no cello), o projeto, que traz, no encarte, uma pertinente apresentação escrita por José Miguel Wisnik, se completa com a inclusão de mais cinco faixas: uma criada somente por Arrigo (“O Dedo de Deus”, tema que se tornou conhecido por conta de antológico registro feito por Cássia Eller), outra dele em parceria com Zeca Baleiro (“Valsa do Lago da Ordem”), uma assinada apenas por Tatit (“Verde Louro”) e outras duas feitas por ele com Ná Ozzetti e Hermelino Neder (“Doroti” e “Impassível”, respectivamente).
A maioria das músicas é interpretada por Lívia, uma cantora pronta e afinadíssima. Filha do compositor e violonista Arthur Nestrovski, ela nasceu nos Estados Unidos e atualmente também integra o grupo vocal BeBossa, com o qual vem se apresentando ao lado de Roberto Menescal e Wanda Sá. Sabendo dosar técnica e emoção, Lívia, que é formada em Canto Popular pela Unicamp e mestranda na UniRio, vem trabalhando com Arrigo desde 2008. Em 2010, participou do álbum “Festa da Cumieira” com o grupo Cumieira e, em 2012, ao lado do guitarrista Fred Ferreira, lançou o disco “Duo”.
Entre os melhores momentos resultantes da parceria de Arrigo e Tatit estão as faixas “Babel”, “Frente a Frente”, “Baiar um Baião” e “Ano Bom”, esta contando com a participação especial de Renato Braz.
Trata-se de um CD recomentável para quem aprecia música bem feita, mas não convencional. Vale a pena conhecê-lo!

N O V I D A D E S

* O primeiro CD da cantora Lysia Condé leva tão somente o nome da artista na capa e chegou recentemente ao mercado de maneira independente. Com a direção musical sob a responsabilidade do violonista Sérgio Farias que também assina os arranjos, o álbum apresenta ao público uma intérprete correta, dona de voz suave e timbre elegante. Lysia, que é mineira, mas atualmente reside em Natal (RN), escolheu um repertório que remete o ouvinte para algum lugar do passado no tempo da delicadeza. Com a sonoridade calcada em violões, baixo e percussão e trazendo a intervenção ocasional de acordeão, flauta e bandolim, a artista passeia por canções que vão das antigas “Corta-Jaca” (de Chiquinha Gonzaga e Machado Careca) e “Flor Amorosa” (de Catulo da Paixão Cearense e Joaquim Callado) às mais recentes “A Vida do Rio” (de Simone Guimarães e Virgínia Amaral) e “Primeiro Olhar” (do já citado Sérgio Farias e Cristina Saraiva). Entre os melhores momentos estão as faixas “A Lua Girou” (tema de domínio público), “Contrato de Separação” (de Dominguinhos e Anastácia) e “Mais de Um” (de Eduardo Gudin e Cacaso). Há a participação especial de Miltinho em “Enigma” (dele em parceria com Magro).

* “Quando um Não Quer” é o título do primeiro álbum solo do guitarrista Martin Mendonça (ele que integrou bandas como Cascadura e Chá de Bebê e formou, ao lado de Pitty, o duo de folk Agridoce) que chegará em breve ao mercado. O repertório é majoritariamente autoral e inédito.

* “Bituca” é o título do terceiro CD da Vintena Brasileira e mais uma merecida homenagem à obra musical de Milton Nascimento. Trata-se de um disco de irrepreensível qualidade, praticamente instrumental (a exceção é a faixa “Meu Veneno”, parceria de Milton com o poeta Ferreira Gullar, gravada a capella), o qual, através de suas onze faixas, mostra um interessante painel do artista enquanto compositor, trazendo a lume algumas de suas mais belas criações feitas ao lado de famosos e constantes parceiros, caso de Fernando Brant (“Aqui É o País do Futebol”), Ronaldo Bastos (“Cais”), Zé Renato (“Anima”), Márcio Borges (“Os Povos”) e Chico Buarque (“Primeiro de Maio”). Com arranjos e direção de André Marques (que também surge à capa, dividindo o trabalho – ele que é pianista do grupo de Hermeto Pascoal), o álbum (que contou com o aval do homenageado que chegou a escrever uma carta a mão, incentivando o projeto) se torna item obrigatório na cedeteca de todo e qualquer amante da MPB de qualidade.

* Gravado ao vivo em setembro de 2010 durante apresentação realizada no Teatro Fashion Mall, no Rio de Janeiro, o recital de poesia “Bethânia e as Palavras” chegará às lojas, em DVD, este ano através da gravadora Biscoito Fino. Nesse espetáculo, Maria Bethânia declamou várias poesias entremeadas a algumas canções interpretadas somente ao som do violão.

* O quarto CD da cantora Mariana Aydar, produzido por Duani Martins, já está gravado, esperando a hora certa para ser lançado. O repertório será totalmente dedicado à obra do compositor e artista plástico paulista Nuno Ramos.

* O saudoso cantor e compositor Jamelão começou a fazer parte da Mangueira ainda criança quando passou a tocar tamborim na bateria da famosa escola de samba carioca de quem veio a ser o puxador oficial de samba-enredo durante vários anos. Influenciado pelo estilo de Cyro Monteiro, cantou de início em gafieiras, mas foi quando se apresentou, em 1945, em programa de calouros comandado por Ary Barroso que começou a ter o seu nome reconhecido, chegando, logo depois, a participar como crooner da Orquestra Tabajara de Severino Araújo com quem excursionou à Europa. Consagrou-se principalmente como cantor de sambas alegres, mas também se tornou expert em interpretar sambas-canções doloridos. As gerações mais novas até já devem ter ouvido falar dele (que faleceu em 2008), mas quem quiser se aprofundar mais na sua obra musical uma boa oportunidade é o relançamento, pela gravadora Warner, da coletânea "Jamelão – A Voz do Samba", composta por três CDs, os quais são vendidos de forma avulsa. Lançado originalmente em 1997 pela gravadora Continental, o projeto mostra o artista no auge de sua forma vocal. O volume 1 é dedicado a grandes sambas-enredos e, no volume 2, o ouvinte se depara com o mergulho de Jamelão no cancioneiro de Lupicínio Rodrigues (destaque para as versões das pérolas “Vingança”, “Nervos de Aço” e “Loucura”). Já no volume 3, ele empresta sua bela voz grave a temas como “Leviana” (de Zé Ketti), “Grande Deus” (de Cartola) e “Esta Melodia” (uma parceria dele com Bubú da Portela que mereceu interessante releitura de Marisa Monte em 1994).

* “Medo e Força” é o título do terceiro CD da cantora e compositora carioca Tatiana Dauster. Produzido por Alexandre Kohl, o álbum conta com as participações especiais do cantor e compositor pernambucano Otto e do rapper panamenho MC Zulu. Em breve nas melhores lojas!

* Em tempos de crise econômica, cada um se vira como pode e isso se reflete nas produções cada vez mais simplistas de CDs. Para baratear os custos, artistas que sempre se esmeraram em seus trabalhos com arranjos recheados de instrumentos, agora vêm apresentando um formato mais simples, muitas vezes só com violão e voz, o que termina por homogeneizá-los de uma forma geral, retirando tintas tão necessárias quando se trata de música. É o caso do paulista Renato Braz, bom cantor que se iniciou no mercado fonográfico em 1996 e que acaba de lançar, através da gravadora Coqueiro Verde Records, o CD intitulado “Silêncio”, o qual contém interpretações mais suaves do que aquelas nas quais habitualmente se o artista entrega. Trata-se, como o próprio subtítulo já explicita, de mais um tributo a João Gilberto, tido como o pai e grande propagador da Bossa Nova. Renato regravou, sob a produção Sadao Miyamoto, quatorze temas que já tinham ganhado registros anteriores na voz de João. A ideia nem é tão original assim, uma vez que Ithamara Koorax já tinha feito isso (há alguns anos) e Gilberto Gil também (mais recentemente), mas o fato é que as novas versões para canções como “O Grande Amor” (de Tom Jobim e Vinicius de Moraes), “Eu Sambo Mesmo” (de Janet de Almeida) e “Avarandado” (de Caetano Veloso) terminam resultando interessantes, merecendo destaque os sopros (sax e clarinete) do grande Nailor Proveta que permeiam todo o álbum (inclusive a faixa “Doralice”, de Dorival Caymmi e Antonio Almeida, é apresentada em formato instrumental). O violão a cargo de Edson Alves também ressalta o talento desse exímio instrumentista que faz com competência as bases do trabalho que integra a coleção Canal Brasil e é fruto do registro das sessões de gravação que deram origem ao filme “Ensaio sobre o Silêncio”, do cineasta Zeca Ferreira.

* Fafá de Belém anuncia, enfim, o seu retorno ao mercado fonográfico, o que se dará em breve com o lançamento de um novo CD que está sendo produzido pelo conterrâneo paraense Felipe Cordeiro. O aguardado álbum servirá para marcar os seus quarenta anos de carreira. Quem viver, ouvirá!

RUBENS LISBOA é compositor e cantor.
Apresenta o quadro "Musiqualidade" dentro do programa "Estúdio Aperipê”, veiculado pela Aperipê FM todas as segundas-feiras, às 11 horas.
Quaisquer críticas e/ou sugestões a este blog serão bem-vindas e poderão ser enviadas para o e-mail: rubens@infonet.com.br

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