MUSIQUALIDADE

R E S E N H A     1

 

Título: “ARQUITETURA DA FLOR”

Gravadora: BISCOITO FINO

 

Compositor refinado, autor de melodias com harmonias requintadas e exímio pianista, Francis Hime tornou-se conhecido quando dividiu com Chico Buarque a parceria de grandes e inesquecíveis sucessos da nossa MPB, tais como “Trocando em Miúdos”, “Atrás da Porta” e “Vai Passar”, só para ficar em apenas três exemplos.

Com canções de sua autoria gravadas por nomes importantes como Milton Nascimento, Simone e Gal Costa e depois de um período praticamente afastado do mercado fonográfico nacional, de uns anos para cá retornou à ativa, lançando bons discos.

O álbum que acaba de chegar ao mercado se intitula “Arquitetura da Flor” e sai pela gravadora Biscoito Fino que tem sua esposa, a também compositora e cantora Olívia Hime, como diretora artística.

Como o próprio Francis atesta no texto que escreveu no encarte do novo CD, trata-se de um trabalho mais enxuto, com sonoridade mais despojada que a apresentada em seus últimos discos. O resultado soa bastante agradável, muito por conta da qualidade dos arranjos, executados por músicos do quilate de Jorge Hélder (baixo), Marcelo Costa (percussão), Kiko Freitas (bateria) e do excepcional Ricardo Silveira (violão).

Os sambas predominam no repertório, com destaque para “História de Amor” (a melhor faixa, que conta com a participação especial da afinada cantora Nina Becker), “O Mar do Amor Total” e “A Invenção da Rosa” (todas parcerias de Francis com Geraldo Carneiro). Também deles, “Gozos da Alma”, presente no último CD de Leila Pinheiro, merece ser ouvida com atenção.

Há ainda parcerias com Toquinho (“Palavras Cruzadas”), Olívia Hime (“Desacalanto”), Abel Silva (“Do Amor Alheio”), Vinicius de Moraes (“A Dor a Mais”) e Simone Guimarães (“Cadê”), esta última uma agradável surpresa. Porém, a maior curiosidade fica por conta de uma letra inédita de Cartola dada a Francis por Nilcemar, neta do famoso compositor mangueirense. A faixa, inobstante a presença de erros gramaticais, recebeu melodia inspirada e conta com a adesão da sempre correta Zélia Duncan nos vocais.

 

 

R E S E N H A     2

 

Cantor: MÁRCIO MELLO

CD: “MÁRCIO MELLO”

Gravadora: ATRAÇÃO

 

Para quem achava que Márcio Mello era compositor de uma música só, vai quebrar a cara quando ouvir o CD que o artista baiano lançou no final do ano passado e que aporta agora, através da pequena gravadora Atração, nas lojas de uma forma mais arrojada, o qual, na verdade, se trata de uma compilação de músicas que fizeram parte de seus dois primeiros discos.

Autor de “Nobre Vagabundo”, transformado em mega-sucesso nacional na voz de sua conterrânea Daniela Mercury, Márcio não poderia deixá-la de fora desse seu trabalho, mas deu uma roupagem bem diferente da gravação original, mergulhando o arranjo em um som bem pesado. Aliás, o disco se constrói alterando uma base roqueira com uma constante pegada reggae e, por incrível que possa parecer, resulta em uma sonoridade limpa e bem legal.

Porém, Márcio tem mais bala na agulha e não fica somente no hit supramencionado. Incluiu também outra canção gravada por Daniela em seu mais recente álbum (“Tonelada de Amor”) e a deliciosa “Amor Destrambelhado” (parceria sua com a percussionista Lanlan), música que já foi anteriormente gravada por Belô Velloso e por Cássia Eller.

Entre canções menores em que apela para os palavrões para chamar atenção (como “Parte a Mil”, “Cocoricó” – que já toca nas rádios – e “Vacilou”) e uma apologia ao consumo do cigarrinho proibido (“Essa Ponta”), Márcio mostra ser realmente um compositor de talento através de faixas como “Maluco Baú”, “D. Vinits”, “Canto de Boca” e “Mulher de 23”, as melhores canções de um trabalho que já o habilita para possíveis interessantes vôos futuros.

 

 

 

N O V I D A D E S

 

·               Na sexta-feira passada, Sergipe perdeu um dos maiores compositores de sua história. Com pouco mais de cinco décadas de vida, não resistiu ao câncer que lhe foi detectado no segundo semestre do ano passado o compositor e cantor Ismar Barreto. Seu talento incontestável foi o responsável por fazê-lo transitar com maestria por diversos gêneros musicais. Compôs baiões, côcos, rocks e baladas, mas destacava-se mesmo com os deliciosos sambas que falavam do cotidiano da nossa gente. Autor de grandes sucessos como “Sofrendo” e “Viver Aracaju” (ambas gravadas pela cantora Amorosa), Ismar teve o seu nome projetado quando venceu diversos festivais dentro e fora do Estado. Exemplo disso são as músicas “Côco da Capsulana” e “Salada Tupiniquim”. Mestre em dosar o humor com a crítica social, Ismar vai fazer falta nesta estranha terra do Cajueiro dos Papagaios.

 

·               Para comemorar os seus 35 anos de existência, a gravadora Som Livre (que faz parte do Sistema Globo de Comunicações) recentemente lançou 25 títulos de seu acervo, os quais nunca tinha anteriormente saído em CD, gerando a série Som Livre Masters. São trabalhos que foram lançados, em formado de vinil, nas décadas de sessenta, setenta e oitenta e que foram resgatados dos arquivos através do meticuloso trabalho de Charles Gavin (que faz parte da banda Titãs), artista que já havia garimpado com sucesso o baú de outras gravadoras. Boa parte das obras relançadas foi herdada pela Som Livre da RGE, Som Maior e Fermata, companhias hoje extintas. Dentre os destaques, dá para encontrar um obscuro porém dançante álbum de Tim Maia originalmente lançado em 1977 (que contém “Pense Menos” e “É Necessário”), o primeiro trabalho solo de Alceu Valença (“Molhado de Suor”, de 1974, que contém “Punhal de Prata” e “Papagaio do Futuro”) e o disco lançado pelo grupo Novos Baianos logo após a saída de Moraes Moreira (o irrequieto “Vamos Pro Mundo”, com “Na Cadência do Samba” e “Escorrega Sebosa”). Há ainda o trabalho que marcou a virada na carreira de Marcos Valle (“Vontade de Rever Você”, de 1980) que até então era conhecido como um compositor bossa-novista e ali mergulha de cabeça no pop (“A Paraíba Não é Chicago” e “Bicho no Cio” são os melhores exemplos disso), um delicioso instrumental da violonista Rosinha de Valença (de 1973, produzido pelo sergipano João Mello, e contendo “Bala com Bala” e “Asa Branca”), um trabalho menos inspirado mas historicamente importante do bom compositor Sidney Miller (“Línguas de Fogo”, de 1974), outro do sempre imprevisível Tom Zé (“Nave Maria”, de 1984) e o antológico “Como dizia o Poeta…” (de 1971) que reuniu Vinicius de Moraes, Toquinho e Marília Medalha em canções imortais como “Tarde em Itapoan” e “A Tonga da Mironga do Kabuletê”. As curiosidades ficam por conta das redescobertas do primeiro trabalho da atriz Zezé Motta como cantora, dividido, em 1975, com Gérson Conrad (recém-saído do grupo Secos & Molhados) e do único disco do grupo Os Sambistas (“A Voz do Morro”, de 1966), do qual faziam parte o iniciante Paulinho da Viola, além dos já conhecidos Zé Kétti, Elton Medeiros e Nélson Sargento. Mas delicioso mesmo é rever as trilhas originais dos programas infantis “Vila Sésamo” (de 1974, contendo o hit “Alegria da Vida”) e “Sítio do Picapau Amarelo” (de 1977, com canções interpretadas por Gilberto Gil, João Bosco e Dorival Caymmi). Já está programado para o segundo semestre deste ano o lançamento da segunda fornada da série que desta feita será voltada para trilhas sonoras representativas de algumas das novelas globais mais famosas.  

  

·               O primeiro CD do compositor e cantor Sérvulo Augusto intitulado “Coletivo” chega às lojas trazendo vários convidados especiais que vão de Mônica Salmaso a Marlui Miranda. Mas são de Elza Soares e Jane Duboc as mais explosivas interpretações, transformando-se nos melhores momentos do disco. As onze faixas passeiam por vários ritmos, como baião, samba e valsa e falam de temas universais. Há, ainda, uma bela faixa instrumental (“Hermética”), merecida homenagem ao grande músico Hermeto Paschoal.

 

·               Embora na apresentação de seu CD, a compositora e cantora Nicole Borger ressalte as canções que resultaram de melodias suas postas sobre poemas já existentes de autoria de outros artistas, os melhores momentos do ótimo CD intitulado “Singrar” (que chegou ao mercado de maneira independente) são as canções que ela assina sozinha como “Recado de Iemanjá”, “O Meu Amado é Meu” e “Sailing Song”. Nicole compõe legal e canta muito bem. Afinada, seu timbre grave é bem colocado e a cantora projeta corretamente as emoções diversas dispostas nas quinze faixas do disco. “Meninas” (dela e Rose Busko) e “Trem Tempo” (dela e Dirceu Rodrigues) são outros bons momentos do álbum que também conta com duas interessantes regravações: “Azulão” (de Jayme Ovalle e Manuel Bandeira) e “Na Boca da Noite” (de Toquinho e Paulo Vanzolini). Vale a pena conhecer!

 

 

RUBENS LISBOA é compositor e cantor


Quaisquer críticas e/ou sugestões serão bem-vindas e poderão ser enviadas para o e-mail: rubens@infonet.com.br

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