Musiqualidade

R E S E N H A

Cantora: FABIANA COZZA
CD: “PARTIR”
Gravadora: INDEPENDENTE

Filha de Osvaldo dos Santos (puxador da escola de samba paulista Camisa Verde e Branco), a cantora paulistana Fabiana Cozza iniciou a carreira em 1996, integrando um grupo vocal liderado por Jane Duboc. Dois anos depois, a convite do compositor Eduardo Gudin, ela integrou o CD "Notícias dum Brasil – Pra Tirar o Chapéu". Também atriz, participou de vários musicais, entre os quais "Rainha Quelé" (em homenagem a Clementina de Jesus), "O Canto da Guerreira" (um tributo a Clara Nunes) e "Aquarelas de Ary Barroso". Em 2004, Fabiana, abraçando o samba como mola propulsora de sua carreira, lançou o seu primeiro álbum, o elogiado "O Samba É meu Dom". De lá para cá, ela vem se consolidando como uma das mais importantes intérpretes da música brasileira contemporânea, tendo se apresentado, por diversas vezes e com êxito, no exterior.
Acaba de chegar às lojas o independente “Partir”, seu quinto projeto musical, gravado em apenas onze dias, o qual se faz composto por quatorze faixas e foi produzido pelo violonista Swami Jr. que adotou uma sonoridade em que se faz predominar a nudez dos arranjos. Diferentemente dos trabalhos anteriores, neste Fabiana suaviza o seu canto, mergulhando de cabeça no eixo afro-baiano. Há, contudo, paradas em outras paisagens, seja na latinidade característica da América Central, presente em “Borzeguita” (de Leandro Medina), seja no regionalismo dos congados de Minas Gerais em “Velhos de Coroa” (de Sérgio Pererê).
Dona de belo timbre vocal, de grande extensão e afinada ao extremo, a artista ratifica seu inato domínio interpretativo. Ela é da escola das que cantam de verdade, das que se entregam às emoções que cada música pede, entendendo o que os versos dizem. Nunca cool, embora agora mais contrita, ela sabe se fazer soar inteira, mostrando-se em constante processo de evolução. Assim, é de arrepiar, por exemplo, sua entrega à melancólica “Entre o Mar e o Mangue” (de Alzira E e ArrudA) e à sofrida “Fim da Dança” (de Vital Assis e Moyséis Marques).
Mas é nas águas da Bahia que Fabiana se banha na maior parte desse bem-vindo CD. Ainda que a suave “Le Mali Chez La Carte Invisible” tenha sido composta por Tiganá Santana em francês, o DNA desse compositor baiano (ora em franca ascensão no mercado fonográfico nacional) encontra-se inteiro lá, assim como também na sua “Mama Kalunga” (que batizou o mais recente CD de Virgínia Rodrigues).
Natural do Recôncavo, Roberto Mendes (profícuo compositor já gravado por nomes como Maria Bethânia, Gal Costa, Elba Ramalho, Caetano Veloso e Vânia Abreu, entre outros), domina o repertório ao assinar cinco das canções: a obra-prima “Teus Olhos em Mim”, a buliçosa “Não Pedi” (ambas compostas por Nizaldo Costa), a ótima “Seu Moço” (feita com Hermínio Bello de Carvalho) e homenagens direcionadas à ialorixá Mãe Stella de Oxóssi em “Orixá” e ao seu Estado natal em “Voz Guia” (as duas frutos de parceria com Jorge Portugal).
Ponto-alto do set list, a excelente “Roda de Capoeira” (de Vicente Barreto e Paulo César Pinheiro) convive harmoniosamente com “Chicala” (de João Cavalcanti), tema baseado no universo musical de Angola, e com “É do Mar” (de Gisele De Santi), canção leitosa que joga luzes sobre o ciclo na natureza, as três contribuindo com o bem-concebido conceito de um CD que já se consubstancia como um momento ímpar na coerente discografia de Fabiana Cozza. Corram, ouçam e divulguem!

N O V I D A D E S

* Amplamente divulgado durante a programação da Rede Globo (até porque se trata de um lançamento que é fruto da parceria entre o Canal Brasil e a gravadora Som Livre, esta um dos braços das organizações fundadas por Roberto Marinho), o CD e DVD “O Baú do Raul” tem como mote marcar os vinte e cinco anos de falecimento do cantor e compositor baiano Raul Seixas, artista que nos forneceu dezenas de hits, sendo até hoje venerado tanto pelas gerações maduras quanto pelas atuais. Gravado ao vivo durante festiva apresentação realizada em agosto do ano passado na Fundição Progresso, point dos mais descolados do Rio de Janeiro, o projeto reuniu diversos artistas. E talvez por serem eles realmente admiradores da obra do Maluco Beleza, o resultado soou muito legal, no geral com forte pegada roqueira, diferente do que geralmente ocorre com reuniões desse tipo onde cada um quer brilhar mais do que o outro e muitos terminam metendo os pés pelas mãos. Homogênea, a homenagem traz grandes momentos, dentre os quais a arrebatadora interpretação de Ana Canãs no medley que reúne “Medo da Chuva” e “Metamorfose Ambulante” e a original versão da Nação Zumbi para “Conserve seu Medo”, mas se torna de fato difícil explicitar destaques já que a grande maioria cumpriu muito bem a lição de casa. O CD traz quinze faixas (já o DVD contém dezoito números) e alia grandes sucessos (tipo “Metrô Linha 743”, “Cowboy Fora da Lei”, “Eu Nasci Há Dez Mil Anos Atrás” e “Sociedade Alternativa”) a canções menos conhecidas (caso de “Século XXI”, “Aos Trancos e Barrancos”, “Abre-te Sésamo” e “Se o Rádio Não Toca”). Entre outros, fizeram-se presentes ao tributo Zeca Baleiro, Luiz Carlini, Digão, Tico Santa Cruz, Marcelo Jeneci, Baia e Gabriel Moura. Vale a pena conhecer!

* “Duas Noites para Dolores Duran” é o título do tributo produzido pelo pesquisador musical Rodrigo Faour que chegará às lojas em agosto nos formatos CD e DVD. Vários artistas se fazem presentes nessa merecida homenagem, a exemplo de Carlos Lyra, João Donato, Elba Ramalho, Marcia Castro, Cida Moreira, Leny Andrade, Ângela Maria, Cauby Peixoto, Simone Mazzer e Paulo Padilha. A conferir!

* O rock “Exagerado” com a voz de Cazuza ganha nova versão para marcar os trinta anos do lançamento de sua gravação original. Trata-se de um single digital disponibilizado pela gravadora Som Livre, o qual, sob a produção de Liminha, ganhou as adições da guitarra de Dado Villa-Lobos (ex Legião Urbana), da bateria de João Barone (Paralamas do Sucesso) e das intervenções de Kassin (o produtor dos descolados da hora).

* A gravadora Biscoito Fino está pondo nas lojas o CD “Olivia Hime e Amigos”. Trata-se de uma coletânea que reúne onze encontros da artista de voz suave e bonita com alguns colegas, os quais foram resgatados de discos por ela lançados entre 1982 e 2007. Além do marido Francis Hime, estão lá Chico Buarque, Djavan, Dori Caymmi, Edu Lobo, Lenine, Milton Nascimento, Nilze Carvalho, Olivia Byington, Ruy Guerra e Sérgio Santos, interpretando temas assinados, entre outros, por Dorival Caymmi, Vinicius de Moraes, Chiquinha Gonzaga, Paulo César Pinheiro e Gianfrancesco Guarnieri. Entre os melhores momentos estão as faixas “Tristeza e Solidão”, “Voz” e “Cara Bonita”.

* A terceira apresentação do show que reuniu os talentos do compositor e pianista paulista Zé Miguel Wisnik e da cantora e compositora paulistana Ná Ozzetti ocorrida no Sesc Vila Mariana (SP), no mês passado, foi devidamente registrada de forma audiovisual para ser lançada em CD e DVD, até o final do ano. O repertório extrapola o do recém-lançado álbum “Ná e Zé”, incluindo canções como “Mais Simples”, “Se meu Mundo Cair”, “Pérolas aos Poucos” e “Ultrapássaro”.

* No final de 1973, o cantor e compositor Jards Macalé se encontrava sem grana e teve então a ideia de convidar alguns amigos para realizarem um show coletivo visando a angariar fundos. Quando procurou o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro para poder usá-lo como local da apresentação, foi-lhe feita a proposta de que se aliasse a realização do evento musical à comemoração dos vinte e cinco anos de existência da Carta da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Tudo acertado, o show, dirigido pelo próprio Macalé ao lado de Xico Sá, foi realizado no dia 10 de dezembro daquele ano e, devidamente registrado, se transformou em um vinil duplo que, proibido pela censura da época, só veio a ser comercializado em 1979. Remasterizadas as fitas pelo selo Discobertas, o produto chegou às lojas recentemente na sua íntegra em um box contemplando três CDs sob o título de “Direitos Humanos no Banquete dos Mendigos” e reunindo um seleto time formado, entre outros, por Chico Buarque, Dominguinhos, Edu Logo, Gal Costa, Johnny Alf, Jorge Mautner, Gonzaguinha, Luiz Melodia, Milton Nascimento, Paulinho da Viola e Raul Seixas, os quais interpretam várias pérolas atemporais do nosso cancioneiro, a exemplo de “Pra Dizer Adeus”, “Maracatu Atômico”, “Eu e a Brisa”, “Pérola Negra”, “Mosca na Sopa”, “Cais”, “Asa Branca” e “Trem das Onze”.

* Gravado durante apresentação realizada em abril na casa Áudio SP, em São Paulo, o novo projeto musical da banda Titãs foi inspirado no repertório de “Nheengatu”, o mais recente álbum de estúdio, lançado no ano passado. Chegará às lojas ainda neste ano nos formatos CD e DVD.

* E o infindável arsenal de memórias relacionado a Cássia Eller rende mais um projeto. Desta feita, são registros caseiros feitos pela artista em 1983, antes da fama e quando ainda residia em Brasília (DF), os quais, devidamente tratados por aparelhos de última geração, foram compilados no CD “O Espírito do Som – Vol. 1 – Segredo”, o qual acaba de ser lançado através da gravadora Coqueiro Verde Records. É claro que virão outros volumes nestes moldes e se torna indiscutível que o projeto se mostra bastante aconselhável para os inúmeros fãs que Cássia deixou. Acompanhada tão somente pelo próprio violão, ela registrou dez temas, quatro deles em inglês: três de autoria de John Lennon e Paul McCartney (“For No One”, “Happiness Is a Warm Gun” e “Golden Slumbers”) e um de Irene Higginbotham, Ervin Drake e Dan Fisher (“Good Morning Heartache”). Eclética desde sempre, a intérprete (que já se mostrava visceral em certos momentos, uma marca que iria desenvolver em sua plenitude mais pra frente) também canta em espanhol (“Airecillos”, da nossa Marlui Miranda) e francês (“Ne Me Quitte Pas”, de Jacques Brel).  Há também três boas releituras de canções nacionais (“Segredo”, de Luiz Melodia, “Ausência”, de Ednardo, e “Sua Estupidez”, de Roberto e Erasmo Carlos) e ainda a inclusão de uma parceria da própria Cássia com Simone Saback (“Flor do Sol”). Essa é uma que faz, de fato, muita falta!

* O cantor e compositor carioca Leandro Fregonesi estará lançando em breve um novo CD com repertório inteiramente autoral, o qual será distribuído pela gravadora Som Livre. O projeto vai contar com as participações especiais de Beth Carvalho, Monarco, Rixxa e Tantinho da Mangueira. Quem viver ouvirá!

RUBENS LISBOA é compositor e cantor.
Apresenta o programa "Musiqualidade", veiculado pela 104,9 Aperipê FM, todos os sábados das 13 às 15 horas.
Quaisquer críticas e/ou sugestões a este blog serão bem-vindas e poderão ser enviadas para o e-mail: rubens@infonet.com.br

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