R E S E N H A
Cantor: JARDS MACALÉ
CD: “AO VIVO”
Gravadora: SOM LIVRE
Carioca, o cantor e compositor Jards Macalé nunca alcançou, de fato, um reconhecimento maior a que faz jus o seu talento. Incluído no famoso rol dos “malditos” da MPB, ele possui uma considerável discografia, mas nunca havia lançado, até então, um DVD que perpetuasse um show seu. Tal lacuna se extingue agora com o lançamento do projeto “Ao Vivo”, o qual já se encontra disponível também em CD, um lançamento resultante da parceria entre o Canal Brasil e a gravadora Som Livre que foi registrado durante realização de espetáculo especial feito no Theatro São Pedro, em Porto Alegre (RS), no finalzinho de abril do ano passado.
Eclético, Macalé é um ótimo violonista e também já realizou trabalhos como ator. Essa versatilidade decerto o fez se abrir para várias influências musicais, as quais se encontram concretizadas através das diversas parcerias desenvolvidas ao longo de sua trajetória fonográfica iniciada em 1972 com o lançamento de seu primeiro homônimo disco. Dentre os famosos nomes que, ao seu lado, criaram grandes canções estão, por exemplo, Waly Salomão, Capinam e Torquato Neto.
O artista, que chegou a trabalhar como copista do maestro Severino Araújo, sempre teve acesso aos medalhões do nosso cancioneiro, chegando, inclusive, a dirigir, em 1966, um show de Maria Bethânia. Ela, aliás, é uma das divas que já gravou músicas de Macalé (são impagáveis os seus registros para a obra-prima “Movimento dos Barcos” e “Anjo Exterminado”), assim como também Gal Costa (a pérola atemporal “Vapor Barato” e “Hotel das Estrelas”), Leila Pinheiro (“Dona de Castelo”), Zezé Motta (“Soluços”) e Clara Nunes (“O Mais-Que-Perfeito”).
O recém-lançado projeto contempla logicamente grande parte desses temas (o CD possui quinze faixas e o DVD traz três números a mais) e mostra Macalé em ótima forma, capitaneando, ao violão, a competente banda Let’s Play That formada por Leandro Joaquim (no trompete), Ricardo Rito (no piano e teclados), Thiago Queiroz (na flauta e sax), Victor Gottardi (na guitarra), Thomas Harres (na bateria) e Pedro Dantas (no baixo).
Autor inspirado, como intérprete ele, que é dono de voz opaca de timbre característico, sabe que suas canções crescem em gargantas alheias e certamente por isso arregimentou Luiz Melodia, Thaís Gulin e Zeca Baleiro, os quais surgem como convidados especiais em vários momentos. Com Melodia, além do autoral reggae “Negra Melodia”, Macalé se abre para “Decisão”, música feita por Melodia com Sergio Mello. Thaís, que de há muito se mostra uma entusiasmada fã de Macalé, dá voz e vez ao possante xote roqueiro “Revendo Amigos” e à já citada “Hotel das Estrelas”. Já Baleiro participa de três faixas: a balada bluesy “Mal Secreto”, o samba de breque “Na Subida do Morro”, pinçada do repertório de Moreira da Silva, e o medley que junta a sua bela “Flor da Pele” com a já destacada “Vapor Barato”.
Irreverente, Macalé exigiu vaias do público presente ao descontruir a seminal “Gotham City”, em clara referência ao que lhe aconteceu quando da apresentação da mesma, em 1969, IV Festival Internacional da Canção, e, apropriado, resgatou a sempre atual “Canalha”, uma das grandes canções de Walter Franco, outro dos considerados “malditos”. Ao final, os três artistas convidados se juntam ao anfitrião para cantar o samba “Coração do Brasil”, em versão resumida a um único verso.
Trata-se o recém-lançado projeto, assim, de um excelente painel da obra musical de Jards Macalé, um artista realmente único, que, portanto, se torna indicado para quem o curte de há muito e também para os mais jovens que desejam conhecer mais sobre as canções desse criativo artista. Corra, veja e ouça!
N O V I D A D E S
* O primeiro CD da cantora gaúcha Duda Brack (ora residindo no Rio de Janeiro), já lançado digitalmente, está ganhando edição física. Intitulado “É”, o disco apresenta ao público uma intérprete interessante, que merece ser conhecida porque certamente será muito comentada daqui pra frente.
* Gravado entre o Brasil e a Itália, “Caro Chico” é o CD no qual a cantora italiana Susanna Stivali revisita com maestria algumas canções compostas por Chico Buarque. Intérprete segura e dona de belo timbre vocal, ela se mostra perfeitamente à vontade nas doze canções selecionadas para compor o repertório do projeto (todas vertidas para o idioma italiano). Lançado pela gravadora Biscoito Fino, o álbum mostra uma cantora de fartos recursos, dona de uma divisão precisa e que dá um banho de improviso em várias cantantes nacionais. A sonoridade do álbum flerta direto com o jazz, o que lhe confere uma aura toda especial. Produzido pela própria cantora, o disco traz arranjos divididos entre ela, Marco Siniscaico e Francis Hime. Francis, aliás, é um dos convidados especiais: ele está presente, dividindo os vocais com Susanna, na faixa “La Fidanzata de Tutta la Città” que é “A Noiva da Cidade”. Os outros nomes que fazem participações especiais são Cícero (em “Era Tanta Saudade” que é “Tanta Saudade”) e Jaques Morelenbaum (em “Lei Era Lei” que é “Renata Maria”), além do próprio Chico (em “Morena dagli Occchi d’Acqua” que é “Morena dos Olhos d’Água”). Alguns dos melhores momentos ficam por conta de “Samba del Grande Amore” que é “Samba do Grande Amor”, “C’é Più Samba” que é “Tem Mais Samba” e “Beatrice” que é “Beatriz” (em versão na qual Susanna se faz unicamente acompanhada pela virtuosa harpa de Cristina Braga). Muito legal mesmo!
* “Don Don” é o título do novo CD de Danilo Caymmi e também o nome de um samba inédito de Dorival Caymmi feito em parceria com o empresário paraibano Assis Chateaubriand. O álbum, produzido a quatro mãos pelo baixista Bruno Di Lullo e pelo baterista Domenico Lancellotti, chegará ao mercado este mês e, nele, Danilo aborda o cancioneiro do pai com pegada contemporânea.
* João Senise é um jovem de vinte e cinco anos que já está em seu segundo CD. Trata-se de “Abre Alas”, lançado pela gravadora Fina Flor, o qual chega ao mercado em muito boa hora posto que a tempo de homenagear os setenta anos recém-completados do cantor e compositor Ivan Lins. João, filho do saxofonista Mauro Senise, mergulhou de cabeça em quatorze canções de Ivan e, de fato, conseguiu realizar um belo tributo. Dono de bonita voz de timbre forte, ele é afinado e parece saber realmente o que quer para a sua carreira. O álbum tem a direção musical a cargo do competente Gilson Peranzzetta, o qual também é o responsável pelos arranjos. O repertório contempla sucessos (caso de “Bilhete”, “Daquilo que Eu Sei” e “Vitoriosa”), mas também joga luzes sobre músicas menos conhecidas (a exemplo de “Virá”, “Olhos pra te Ver” e “Dois Córregos”). E se há canção em inglês (“Art of Survival”), também há tema instrumental pontuado por belos vocalises (“Setembro”). A cereja do bolo bem condimentado fica por conta da ficha técnica, recheada de instrumentistas da primeira linha, e dos convidados especiais. Estão lá: Leila Pinheiro (em “Madalena”), Léo Jaime (em “Dinorah, Dinorah”), Dori Caymmi (em “Doce Presença”) e Zélia Duncan (em “Lembra de Mim”), além – é claro! – do próprio Ivan (em “Ai, Ai, Ai”). Super-recomendado!
* Seguem em estúdio carioca as gravações finais das músicas que comporão o próximo CD de Roberta Sá, o qual, produzido por Rodrigo Campello, deverá lançado em setembro próximo. Já estão confirmadas, no repertório, as inclusões de canções assinadas por Adriana Calcanhotto, Martinho da Vila, Baden Powell & Paulo César Pinheiro e Ataulfo Alves & Mário Lago. Há as participações especiais de António Zambujo, Jaques Morelenbaum e Xande de Pilares e a banda base é formada por Alberto Continentino (no baixo), Armando Marçal (na percussão), Luís Barcelos (no bandolim e cavaquinho) e Marcos Suzano (na bateria). Quem viver ouvirá!
* Distanciando-se cada vez mais do canto gritado adotado quando esteve à frente do grupo Cordel do Fogo Encantando, o pernambucano Lirinha, que agora assina artisticamente Lira, pôs recentemente no mercado o seu segundo e independente CD solo. Trata-se de “O Labirinto e o Desmantelo”, álbum produzido por Pupillo e que conta com as efetivas participações de Céu e de Junio Barreto (os dois presentes tanto como parceiros quanto nos vocais). Com seu sotaque todo próprio, Lira entrega aos ouvintes uma fornada de onze novas canções autorais, dez delas compostas ao lado de colaboradores (apenas “Mergulho”, um dos destaques do repertório, foi criada solitariamente por ele). Cantor de bons recursos vocais (que, inegavelmente, cresce no palco), Lira mostra considerável amadurecimento no quesito compositor, apresentando músicas bem redondas, a exemplo de “Desamar” e “Filtre-me”, esta cantada em dueto com a já citada Céu. Mas os melhores momentos ficam indubitavelmente por conta das bonitas “Pra Fora da Terra” e “Jabitacá” (gravada por Gal Costa em seu mais recente e elogiado álbum “Estratosférica”). Vale a pena conhecer!
* “Eu me Recuso a Abandonar meu Romantismo” é o sugestivo título do primeiro CD que o carioca Bruce Gomlevsky, mais conhecido até então como ator e diretor de teatro, está lançando de maneira independente. Produzido por Mauro Berman, o álbum apresenta o artista como cantor através de doze faixas inéditas assinadas por ele solitariamente.
* Gravado em estúdio de Recife, o mais recente CD do pernambucano Silvério Pessoa é o seu segundo trabalho em que ele homenageia a obra do paraibano Jackson do Pandeiro (a primeira vez que isso aconteceu foi em 2003 quando lançou o carnavalesco “Batidas Urbanas – Micróbio do Frevo”). Trata-se do álbum independente “Cabeça Feita”, o qual se faz composto por quinze faixas, três delas medleys. Silvério já está na estrada há algum tempo, mas, embora talentoso, ainda não conheceu um reconhecimento maior além das fronteiras do seu Estado, talvez porque seu canto lembre em muito o do famoso conterrâneo Alceu Valença. Dono de timbre seguro e ótimo alcance vocal, desta feita ele selecionou as músicas mais buliçosas gravadas ou de autoria do Rei do Ritmo, sejam forrós (xotes, cocos e xaxados), sejam sambas. A sonoridade, como era de se esperar, se faz calcada na sanfona, no triângulo e na zabumba e os arranjos, não obstante bem concebidos, transcorrem sem maiores novidades. O grande destaque do projeto é a canção “Coração Bateu”, a qual se junta a outros bons momentos, caso de “Coco Social” (gravada com a participação especial do maestro Spok no saxofone), “A Ordem É Samba” e “Casaca de Couro”.
* “Voz de Dentro”, o novo CD do terceto sergipano Café Pequeno (formado por Guga Montalvão ao violão, Júlio Rego na gaita e Pedrinho Mendonça na percussão) será lançado oficialmente na próxima quarta-feira (depois de amanhã, dia 05 de agosto), a partir das 19 horas, em show que será realizado no auditório do Museu da Gente Sergipana com entrada franca. Im-per-dí-vel!
RUBENS LISBOA é compositor e cantor.
Apresenta o programa "Musiqualidade", veiculado pela 104,9 Aperipê FM, todos os sábados das 13 às 15 horas.
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