R E S E N H A
Cantora: ADRIANA CALCANHOTTO
CD: “LOUCURA”
Gravadora: SONY MUSIC
Prestes a comemorar cinquenta anos no próximo mês de outubro, Adriana Calcanhotto, que começou a carreira de cantora na noite de Porto Alegre (RS), em churrascarias, bares e casas noturnas, segue com louvor sua trajetória musical. Alternando discos de estúdio com registros ao vivo e entremeando-os com projetos voltados para o público infantil sob o heterônimo de Adriana Partimpim, ela acaba de lançar, através da gravadora Sony Music, "Loucura", o seu primeiro álbum em que mergulha unicamente na obra de um autor. No caso, o escolhido foi o conterrâneo Lupicínio Rodrigues, um dos maiores compositores da história da nossa MPB, autor de verdadeiros clássicos exaustivamente regravados, e que é conhecido por seus versos embebidos de dores e desilusões amorosas. Como poucos, ele tanto sabe descrever que o amor da amante ausente é maior que a presença da esposa presente (em “Homenagem”) como relata, com propriedade ímpar, a insistência do amante em sua permanência com a amada que acaba no flagra do titular (em “Ela Disse-me Assim”), ambas presentes no roteiro condimentado por Calcanhotto.
A vitoriosa carreira fonográfica da artista começou em 1990 com o lançamento do disco “Enguiço”. Daquele repertório em que predominavam canções alheias já fazia parte “Nunca”, uma das obras-primas de Lupicínio (canção que, anos antes, já ganhara uma arrebatadora releitura feita por Zizi Possi). Do trabalho seguinte em diante, o lado compositora de Calcanhotto se fez prioritário e ela conseguiu engatar vários sucessos de norte a sul do país, tais como “Mentiras”, “Metade”, “Esquadros”, “Vambora” e “Inverno” (esta composta com Antônio Cícero).
Sintomático, então, sua volta às raízes gaúchas, especialmente no ano em que se comemorou uma década do nascimento do Lupicínio (o recém-lançado projeto, disponível nos formatos CD e DVD, foi gravado ao vivo durante apresentação realizada em dezembro do ano passado no Salão de Atos da UFRGS, em Porto Alegre).
Sem maiores dramas ou arroubos, Calcanhotto, embora afinada, termina se garantindo em suas interpretações tão somente com um fio de voz, o que não a impede de se entregar inteira, por exemplo, aos versos extremamente passionais de “Loucura” e “Vingança” (ambas já surrupiadas em registros definitivos feitos anteriormente por Maria Bethânia).
Com dezessete faixas e sob a direção artística da própria Calcanhotto, o show contou com uma banda-base formada pelos exímios músicos Dadi Carvalho (violão), Cézar Mendes (violão), Jessé Sadoc (trompete e flugelhorn) e Alberto Continentino (contrabaixo). Há as participações especiais, ao violão, de Arthur Nestrovski (sozinho com Adriana na atemporal “Nervos de Aço”, na premonitória “Esses Moços” e na conformada “Quem Há de Dizer”, esta uma parceria de Lupicínio com Alcides Gonçalves, ao lado de quem ainda compôs a menos conhecida “Castigo” e a pérola “Cadeira Vazia”, também presentes no repertório) e de Cid Campos (dobro na sofrida “Volta”, conferindo-lhe tintas dilaceradas de solidão bluesy). Nestrovski vai se juntar à banda-base logo depois em ótimos momentos como “Nunca” e “Judiaria” (esta, frise-se, também já havia ganhado ótimas versões nas vozes de Arnaldo Antunes e Tetê Espíndola). O outro convidado de peso é o acordeonista Arthur de Faria, presente no mantra “Felicidade”, momento em que Calcanhotto aproveita para apresentar entusiasticamente todos os músicos, e no bem-vindo samba “Se Acaso Você Chegasse”, esta composta com Felisberto Martins (ambas propagadas nos quatro cantos do Brasil através de antológicas gravações feitas por Caetano Veloso e Elza Soares).
Insuspeitas incursões recaem sobre a esquecida “Cevando o Amargo” (de Lupicínio e Piratini, toada clássica sulista que descamba para o samba-de-roda) e o bem-humorado “Hino do Grêmio Foot-Ball Porto-Alegrense", em trecho curto, porém expressivo.
Como bônus surge, gravada em estúdio, “Cenário de Mangueira” (parceria com Henrique de Almeida), em versão funk, repleta de efeitos e programações sonoras na qual se destacam, nos créditos, os músicos Domenico Lancellotti, João Brasil e Bruno Dilullo.
A abordagem acústica, uma opção característica de Calcanhotto, faz com que, em alguns momentos, o show soe monocórdio. Realces de intenções e climas fariam bem ao resultado. Nem por isso, no entanto, torna-se um trabalho menor. Primeiro tributo prestado pela artista dentro de sua discografia, mostra-se apropriado não apenas por tirá-la de sua autoral zona de conforto, mas também por merecidamente homenagear um seu conterrâneo. Vale a pena conhecer!
N O V I D A D E S
* Juntar a esfuziante Ivete Sangalo e o emergente Criolo num mesmo projeto e ainda mais para homenagear Tim Maia, artista nunca associado ao universo musical dos dois, poderia resultar numa confusão musical sem precedentes. Não é o que se constata, no entanto, ao final da audição das doze faixas do CD “Viva Tim Maia!”, gravado em estúdio e originado de um show idealizado pela empresa Nívea, o qual passou recentemente por várias cidades. O resultado é bem legal, muito pelo talento camaleônico de Ivete (que se mostra melhor cantora a cada nova gravação) e pela insuspeita capacidade de Criolo de se adaptar a outro universal que não originariamente o seu, o rap (ainda que, em seu mais recente CD, ela já tenha desenhado outras possibilidades). Produzido e dirigido por Daniel Ganjaman, o álbum logicamente reúne os grandes sucessos do Síndico, divididos quase que igualmente entre os temas dançantes e as baladas românticas. Estão lá, por exemplo, tanto “Não Quero Dinheiro (Só Quero Amar)”, “Chocolate” e o medley que reúne “Sossego” e “Do Leme ao Pontal”, como “Primavera (Vai Chuva)”, “Um Dia de Domingo” e “Azul da Cor do Mar”. Acompanhados por uma vigorosa banda composta por treze músicos, conforme se depara da ficha técnica do disco, Ivete e Criolo fazem bonito seja nos números solo (ela canta quatro músicas e ele outras quatro), seja naqueles em que os dois se encontram (e isso se dá nos outros quatro momentos). Entre os destaques do repertório estão as faixas "Lábios de Mel”, “Telefone” e “Coroné Antonio Bento”. Super-recomendado!
* “Emilianamente” é o título do CD que o cantor e compositor Guto Marques está lançando em homenagem ao saudoso Emílio Santiago. Com arranjos e direção musical do maestro Ocimar de Paula, o álbum conta com as participações especiais de Nana Caymmi em “Saigon” (de Cláudio Cartier, Paulo César Feital e Carão), de Áurea Martins em “Reciclar” (de Guto e Cláudio Cartier) e de Altay Veloso em “Essa Fase do Amor” (parceria dele com Samuel Santana). Um dos destaques do repertório é a autoral faixa-título, fruto da parceria de Guto com Paulo César Feital.
* “Dilúvio” é o título do segundo álbum do cantor e compositor paulistano Dani Black, filho de Tetê Espíndola, o qual se faz composto por onze músicas inéditas e autorais. Produzido por Conrado Goys, responsável também pelos arranjos, o álbum chegará ainda este mês às lojas, contando com a participação especial de Milton Nascimento na faixa “Maior”.
* O show “Solidão no Fundo da Agulha”, uma viagem pelas memórias de Ignácio de Loyola Brandão, acaba de ser eternizado através do lançamento de um livro homônimo, o qual, ilustrado com fotos de Paulo Melo Jr., traz junto um CD composto por onze faixas interpretadas por sua filha, a cantora Rita Gullo. São músicas como “Negue” (de Adelino Moreira e Enzo de Almeida Passos), “Mensagem” (de Aldo Cabral e Cícero Nunes) e “Quizás” (de Osvaldo Farrés) que marcaram passagens da vida do escritor, dando origem a várias crônicas. Rita canta bonito com sua voz suave e aguda (que, em algumas passagens, lembra a Gal Costa de outrora) e se mostra uma intérprete inteligente ao embarcar segura por um repertório que abarca emblemáticos temas nacionais (“A Noite do meu Bem”, de Dolores Duran, “Estrela do Mar”, de Marino Pinto e Paulo Soledade, e “Valsinha”, de Chico Buarque e Vinicius de Moraes, estão entre eles) e estrangeiros (caso de “Alfonsina y el Mar”, de Ariel Ramirez e Félix Luna, e “”Que Reste-t-il de nos Amours?”, de Charles Trenet). Entre os melhores momentos desse correto álbum de sonoridade acústica produzido pelo violonista Mario Gil e que conta com arranjos assinados por Edson José Alvez estão “Amado Mio” (de Doris Fisher e Allan Roberts), “Canção do Mar” (de Frederico de Brito e Ferrer Trindade) e “Patrícia” (de Dámaso Pérez Prado em versão de Caetano Veloso).
* Em julho próximo passado, foi realizado o show “Minha Vontade” com a Velha Guarda da Portela na quadra da tradicional escola de samba carioca, o qual, devidamente registrado, se transformará em DVD a ser lançado brevemente. Com a direção musical a cargo de Mauro Diniz, o roteiro reuniu clássicos do repertório da agremiação. Cristina Buarque, Maria Rita, Paulinho da Viola e Teresa Cristina brilharam em participações especiais.
* ”Tô na Vida” é o título do novo CD da cantora e compositora Ana Cañas. Produzido por Lúcio Maia e com repertório inteiramente autoral, o álbum se faz composto por quatorze músicas e inaugura parceria dela com Pedro Luís (em “O Som do Osso”), além de apresentar três canções feitas com Arnaldo Antunes e uma com Dadi. Nas lojas ainda este mês.
* Dez das doze canções gravadas em estúdio para compor o elogiado álbum “Navega Ilumina”, lançado pelo cantor e compositor Francis Hime no ano passado, fazem parte do CD “50 Anos de Música”, o qual, gravado ao vivo no Espaço Tom Jobim, no Rio de Janeiro, em novembro de 2014, chegou recentemente às lojas através da gravadora Biscoito Fino. Com ele, o artista comemora meia década de uma alvissareira trajetória que teve como ponto áureo o período em que criou memoráveis canções em parceria com Chico Buarque. No recém-lançado projeto, tais se fazem representadas por “Amor Barato”, “Passaredo”, “Atrás da Porta” e “Trocando em Miúdos”, esta contando, nos vocais, com a presença de Olívia Hime, esposa de Francis. Compositor inspirado (inclusive no que se refere a temas instrumentais, fruto de sua formação clássica) e um exímio pianista, ele também abriu espaço, no roteiro do show, para parcerias antigas com Vinicius de Moraes (“Sem Mais Adeus”) e Ruy Guerra (“Minha”). Entre as canções de sua safra mais recente, merecem incontestável destaque, além da já citada “Navega Ilumina”, as interessantes “Ilusão”, “Sessão da Tarde”, “Mistério” e “Canção Apaixonada”. Para quem curte música de real qualidade, trata-se de um item indispensável!
RUBENS LISBOA é compositor e cantor.
Apresenta o programa "Musiqualidade", veiculado pela 104,9 Aperipê FM, todos os sábados das 13 às 15 horas.
Quaisquer críticas e/ou sugestões a este blog serão bem-vindas e poderão ser enviadas para o e-mail: rubens@infonet.com.br