Musiqualidade

R E S E N H A

Cantores: VÁRIOS
CD: “SAMBABOOK DONA IVONE LARA”
Selo: MUSICKERIA

O selo Musickeria foi criado para homenagear os grandes nomes da história do samba através do projeto Sambabook, o qual chega agora à sua quarta edição (depois de prestar merecidos tributos a João Nogueira, Martinho da Vila e Zeca Pagodinho) voltando-se para a grande dama do samba, a sensacional Dona Ivone Lara.
Nascida há noventa e três anos em família simples, ela praticamente passou a infância em um internato. Mas começou a estudar música com Lucila Guimarães, a primeira esposa de Villa-Lobos, o que lhe abriu novos horizontes, possibilitando-lhe, inclusive, cantar sob a regência do maestro. Autodidata, aprendeu a tocar cavaquinho até que, nos anos quarenta do século passado, mudou-se para a Mangueira. Ali, ela veio a conhecer vários sambistas, frequentado festivas rodas de samba. Mas seu nome efetivamente começou a fervilhar no meio quando, ao final da década, Dona Ivone se juntou ao Império Serrano, um de seus maiores amores até hoje. Para essa escola de samba, ela compôs alguns belos sambas-enredos.
O primeiro disco, no entanto, foi gravado apenas em 1978 (“Samba, Minha Verdade, Minha Raíz"), depois que ela se aposentou do ofício de enfermeira (trabalhou com Nise de Silveira no tratamento de doentes mentais), ano em que viu "Sonho Meu" (composto com o saudoso Délcio Carvalho, seu mais constante parceiro) explodir de norte e sul do Brasil através do antológico registro feito por Maria Bethânia e Gal Costa. Dali em diante, passou a ser reverenciado por artistas dos mais diversos estilos e perfis, tendo sido gravada, entre outros nomes de ponta do nosso cancioneiro, por Clara Nunes, Roberto Ribeiro, Paulinho da Viola, Beth Carvalho, Roberta Sá e Marisa Monte.
Assim, não se torna surpresa constatar o time estelar reunido por Alceu Maia (o responsável pela direção musical do recém-lançado projeto que pode ser adquirido nos formatos de CD duplo e DVD, entre outros) que, de maneira geral, fez bonito ao emprestar suas vozes para as canções selecionadas. Estão lá desde os manos baianos Maria Bethânia (que resgata, no volume 1, a já citada “Sonho Meu”, também revisitada por todos os intérpretes e mais a própria homenageada ao final do volume 2) e Caetano Veloso (em “Alguém me Avisou”) até nomes menos associados ao universo do samba, caso da portuguesa Carminho (que, ao lado do bandolinista Hamilton de Holanda, eleva “Nasci Pra Sonhar e Cantar” a um dos grande momentos), do rapper Criolo (cada vez mais plural, conforme se pode constatar em “Tiê”) e Elba Ramalho (mais ligada à seara nordestina, mas sempre convincente, como em “A Sereia Guimar”).
No entanto (e como não poderia deixar de ser), a maior parte dos artistas presentes pertence mesmo ao mundo do samba. O ouvinte, então, poderá se deparar com baluartes do gênero (Zeca Pagodinho em “Minha Verdade”, Leci Brandão em “Enredo do meu Samba”, Martinho da Vila em “Andei para Curimã” e Arlindo Cruz em “Força da Imaginação”) e com intérpretes que se mostram cada vez mais afetas a ele (Vanessa da Mata em “Acreditar”, Adriana Calcanhotto em “Candeeiro da Vovó” e Zélia Duncan em “Tendência”). Há também a participação de sambistas da geração atual (Teresa Cristina em “Agradeço a Deus”, Aline Calixto em “Não Chora Neném”, Mariene de Castro em “Sorriso de Criança”, Diogo Nogueira na inédita “Amor Relativo”, Xande de Pilares em “Liberdade” e Lu Carvalho em “Bodas de Ouro”) e de experientes nomes da nossa MPB (caso de Luiza Dionísio em “Mas Quem Disse que Eu te Esqueço”, Áurea Martins em “Alvorecer” e Wilson das Neves em "Os Cinco Bailes da História do Rio”). E o mais recente parceiro de Dona Ivone, Bruno Castro, também comparece na faixa “Em Cada Canto uma Esperança”, além de Reinaldo em “Dizer Não Pro Adeus” e dos grupos Fundo de Quintal em “Preá Comeu” e Jongo da Serrinha em “Axé de Ianga”.
Trata-se, então, de um excelente painel da obra dessa nobre compositora, cujo repertório (composto, em sua maioria, por sambas românticos, dolentes ou de inspiração em suas raízes africanas) deve ser conhecido por todos os amantes da música brasileira de qualidade. Corra e ouça!

N O V I D A D E S

* Muito pouca gente deve saber quem é Carlos Althier de Souza Lemos Escobar, um carioca nascido, em 1950, no bairro de Madureira, zona norte do Rio de Janeiro, e que, tendo sido aluno de violão clássico do famoso Jodacil Damasceno, começou a compor aos dezesseis anos. Mas se a gente disser que esse é o nome de batismo de Guinga, aí sim, muitos irão reconhecer que se está a falar de um dos grandes violonistas e compositores da atualidade. Criador de belas melodias e ricas harmonias, ele já foi gravado por gente do porte de Elis Regina, Ithamara Koorax, Leila Pinheiro, Chico Buarque e Sergio Mendes. Agora, está a lançar, através do selo Sesc, um novo e belo álbum intitulado “Porto da Madama” no qual o único instrumento que se ouve é o seu próprio violão, muitíssimo bem tocado, emoldurando quatro vozes abençoadas: as da brasileira Monica Salmaso, da italiana Maria Pia de Vito, da portuguesa Maria João e da norte-americana Esperanza Spalding. Tendo como mote homenagear compositores que servem como guia de inspiração para outros artistas, a exemplo de Dorival Caymmi, Tom Jobim, Luiz Gonzaga e Vinicius de Moraes, Guinga está pondo nas lojas um CD que leva a assinatura de Luís Carlos Pavan na direção artística e que se faz composto por treze faixas. Dessas, seis são de sua autoria (uma composta solitariamente, a faixa-título, e as demais fruto de parcerias com Aldir Blanc, Paulo César Pinheiro, Zé Miguel Wisnik e Thiago Amud). Ciente de suas limitações como intérprete, ele surge apenas em vocalises, deixando o brilho maior para as quatro cantoras e estas deitam e rolam em precisos e preciosos registros. Dentre os melhores momentos do repertório estão “Passarinhadeira”, “Contenda”, “Dúvida”, “Noturna” e “Lígia”. Lançamento imperdível!

* Carol Monte, irmã de Marisa Monte, é a produtora do primeiro CD do jovem cantor e compositor carioca Vidal Guimarães. De repertório autoral, o álbum traz, na ficha técnica, nomes de músicos de ponta da atualidade, a exemplo de Dadi (no baixo), Felipe Pinaud (na guitarra) e Lan Lan (na percussão). Em breve nas lojas!

* Uma real e ótima novidade para este ano que já está se aproximando do final é o surgimento, no mercado fonográfico, da paulista Gabi Milino. Cantora de belo timbre vocal e compositora criativa, ela, que também é formada em Arquitetura e Urbanismo, está lançando, de maneira independente, o seu primeiro e homônimo CD. Produzido a quatro mãos por Alexey Rodrigo e Sergio Fouad, o álbum se faz composto por onze faixas autorais, quatro delas compostas em inglês. Entre os melhores momentos estão “Fim de Estação”, “Crime Passional”, “Céu de Maria”, “El Desierto” e “Fotograma”, estas duas contando com as participações especiais de Zeca Baleiro e Renato Godá, respectivamente. Vale a pena conhecer!

* Está sendo gravado, sob a produção de Rido Hora, um CD contendo trinta sambas que exaltam a escola de samba carioca Mangueira. Entre os artistas convidados, já confirmaram suas participações Alcione, Beth Carvalho e Leo Russo.

* Compositor que, de uma década para cá, vem sendo bastante disputado, especialmente entre as mulheres (caso de Maria Bethânia, Roberta Sá e Mariene de Castro, entre outras), o baiano Roque Ferreira lançou recentemente um novo CD, o segundo em quase meio século de carreira. Intitulado “Terreiros” e gravado sob a produção de Julio Caldas, o álbum contém treze faixas, incluindo três medleys (cada um deles condensando quatro canções). Com sessenta e oito anos completos, o artista já demonstra, na voz, o peso imposto pelo tempo, porém a verve criativa se mostra intacta. Mesmo sendo o samba-de-roda e a chula as suas especialidades (e estão lá, no repertório, marcando presença em vários momentos), Roque ratifica sua inata inspiração também quando mergulha em terreno eminentemente nordestino, como em “Caxixi” e “Imboladeira”. Os destaques ficam por conta de “Doce” (explícita homenagem a Dorival Caymmi), “Bia na Roda”, “Beabá da Vida” e “Amor Imperial” (que ressalta o amor pela escola de samba Império Serrano). Entre temas de inspiração afro que ressaltam o sincretismo religioso e músicas que exaltam a beleza feminina, especialmente as mulheres de sua terra, Roque construiu um disco que desce redondo e condimenta, num mesmo caldeirão sonoro, referências ao samba antigo, a ritmos do Nordeste, à negritude e à cultura popular. Bem legal!

* Para comemorar três décadas de carreira, a cantora Luciana Mello (filha do saudoso Jair Rodrigues) planeja gravar um CD direcionado para o samba (está na moda, né?), o qual será produzido por Walmir Borges. O projeto se encontra atualmente na fase de seleção do repertório.

* Devidamente remasterizados, estão sendo reeditados juntos num mesmo box os três primeiros discos do cantor e compositor Oswaldo Montenegro. Trata-se de um lançamento da gravadora Warner Music que chega em boa hora, pois a verdade é que o eclético artista nunca mereceu o real reconhecimento ao qual o seu enorme talento faz jus. O álbum de 1979 é “Poeta Maldito… Moleque Vadio” e ali já se denotava o inspirado criador que deu luz a “Léo e Bia”, “Quem Havia de Dizer”, “Guerreiros das Sombras” e “Quem Diria?”, canções muito bem concebidas. Já com notoriedade nacional por conta dos festivais de música da extinta Tupi e Globo nos quais consagrou “Bandolins” e “Agonia” (do irmão Mongol), respectivamente, chegou às lojas, em 1980, o disco homônimo que, além dessas duas já lendárias músicas, também continha “Por Brilho”, “Quebra Cabeça sem Luz” e “Intuição”. Era uma época em que os artistas trabalhavam com afinco os seus projetos e engatavam vários sucessos nas rádios, fonte maior de propagação musical. Oswaldo soube se apropriar bem da inquietude juvenil e, mambembando pelo Brasil (para quem não sabe, ele chegou a morar alguns meses aqui em Aracaju), montou memoráveis musicais com sua trupe de atores-cantores. Em 1981, foi a vez de aportar no mercado “Asa de Luz” e do seu repertório se destacaram, de imediato, “Lume de Estrelas”, “Coisas de Brasília” e “Sujeito Estranho”, esta posteriormente regravada por Ney Matogrosso. Um relançamento oportuno e muito bem-vindo!

* Foi devidamente registrado, para futuro lançamento em CD e DVD, o show recentemente realizado no Cine Theatro Brasil, em Belo Horizonte (MG), pelos cantores e compositores mineiros Lô Borges e Samuel Rosa. Quem viver verá e ouvirá!

RUBENS LISBOA é compositor e cantor.
Apresenta o programa "Musiqualidade", veiculado pela 104,9 Aperipê FM, todos os sábados das 13 às 15 horas.
Quaisquer críticas e/ou sugestões a este blog serão bem-vindas e poderão ser enviadas para o e-mail: rubens@infonet.com.br

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