R E S E N H A
Artistas: NANÁ VASCONCELOS, PAULO LEPETIT e ZECA BALEIRO
CD: “CAFÉ NO BULE”
Selo: SESC
A probabilidade de resultar muito legal um disco em que três artistas que se admiram reúnem os seus talentos é sempre muito alta. E foi isso o que aconteceu com a confecção do CD “Café no Bule”, o qual chegou recentemente ao mercado através do selo SESC. Juntando o percussionista pernambucano Naná Vasconcelos, o músico paulista Paulo Lepetit e o cantor e compositor maranhense Zeca Baleiro, o álbum ora em tela, que foi produzido por eles, apresenta um ótimo repertório de treze canções autorais, computadas as três vinhetas (“Tem Café no Bule”, “Eu Vim Foi” e “Bonne Chance”). Todas as faixas foram compostas pelos três artistas (com exceção de “Caju”, a única não inédita, uma parceria de Naná com Vinicius Cantuária que ora reaparece em versão amaxixada, e a já citada “Eu Vim Foi”, assinada somente por Lepetit e Baleiro), cabendo frisar que, embora se ouçam também as vozes deles nesse bem-vindo projeto, é lógico que a de Baleiro prepondera, haja vista ser ele o cantor da turma.
Com arranjos muito bem elaborados, cheios de intenções e sugestões, o repertório se abre num leque plural de gêneros musicais, possibilitando, assim, que Naná possa deitar e rolar com seus múltiplos apetrechos e efeitos percussivos.
A ficha técnica se complementa com a presença de excepcionais instrumentistas, a exemplo de Adriano Magoo (piano), Webster Santos (violão), Hugo Hori (sax), Lui Coimbra (cello) e Tuco Marcondes (guitarra) e, em várias passagens, podem ser ouvidas, nos backings, as belas vozes de Luz Marina, Tata Fernandes e Vange Milliet.
Nítidas influências dos vanguardistas Itamar Assumpção e Arrigo Barnabé (com quem Lepetit trabalhou) surgem, por exemplo, em “A Maré Tá Boa”, e a característica digital de Baleiro em criar canções com três partes se faz uma constante em grande parte do trabalho.
Com letras curtas, porém sempre espertas, há espaço tanto para o bom humor do “Xote do Tarzan” quanto para a louvação explícita do maracatu “Loa”. E se a “Ciranda da Meia-Noite” abraça costumeiros retratos do tipo, como o mar e as sereias, o coco “Mosca de Bolo” narra crítica ao fã que irrita o ídolo com sua perseguição incansável. Entre batuque de influência afro (“Vou de Candonga”) e pisada no afoxé (“A Dama do Chama-Maré”), há delicioso samba (“Batuque na Panela”) e inspirada pisada em terreno cigano (“Yellow Taxi”).
Ressaltando a diversidade rítmica brasileira, Naná, Lepetit e Baleiro construíram um CD coerente com suas trajetórias individuais, mas que também permite mostrar uma perfeita simbiose entre suas artes. Corra e ouça!
N O V I D A D E S
* Se vivo estivesse, Gonzaguinha teria comemorado, em setembro passado, setenta anos. Para homenagear esse grande artista, merecidamente um dos mais reverenciados do nosso cancioneiro (ele teve canções gravadas por praticamente todas as grandes intérpretes nacionais, caso de Elis Regina, Simone, Maria Bethânia, Leila Pinheiro, Gal Costa, Fafá de Belém, Wanderléa, Elba Ramalho, Zizi Possi e Joanna), acaba de ser lançado o CD intitulado “Gonzaguinha Presente – Duetos” no qual o ouvinte, graças aos avanços tecnológicos, poderá ouvir o próprio artista cantando ao lado de colegas com os quais, de fato, nunca havia se encontrado em estúdio. O álbum, composto por quatorze faixas, traz a voz de Gonzaguinha retirada das gravações originais e levada para novas gravações com a qualidade digital, emoldurada por novos arranjos assinados pelo multi-instrumentista Maurício Barbosa. Logicamente, os grandes sucessos estão lá, a exemplo de “O que É, o que É”, “Sangrando”, “Explode Coração”, “Grito de Alerta” e “Começaria Tudo Outra Vez” que ganham as adesões de Alexandre Pires, Ivete Sangalo, Ana Carolina, Maria Rita e Lenine, respectivamente. Alcione e Fagner, artistas que gravaram Gonzaguinha ao longo de suas trajetórias, marcam presença com “Ponto de Interrogação” e “Feliz”. Como se sabe, em um projeto desse tipo é normal que alguns se sobressaiam mais, porém aqui o resultado geral é bem homogêneo, ainda que reúna nomes aparentemente díspares como a dupla Victor & Leo (em “Espere por Mim, Morena”) e Gilberto Gil (em “Lindo Lago do Amor”). Os sambas, sempre constantes na obra do homenageado, marcam território com “E Vamos à Luta” e “Com a Perna no Mundo”, os quais trazem as vozes de Zeca Pagodinho e Martinho da Vila. Completam o time: Zeca Baleiro (em “Guerreiro Menino”), Luiza Possi (em “Recado”) e Daniel Gonzaga (que se une ao pai e ao avô Luiz Gonzaga em “A Vida do Viajante”, única canção não autoral incluída – é uma parceria de Gonzagão com Hervê Cordovil). Um projeto muito apropriado que merece ser conhecido!
* O primeiro CD solo do cantor, compositor e baterista Marcelo Callado já se encontra disponível nas melhores lojas. Intitulado “Meu Trabalho Han Sollo vol. II”, o álbum conta com a participação da cantora Nina Becker, ex-mulher do artista, na faixa “Oceanos”. Já “Carambolou Arriou” conta com um coro formado por três nomes em franca ascensão no mercado fonográfico nacional: Alice Caymmi, Jonas Sá e Silvia Machete.
* O cantor e compositor mineiro Chico Lobo está lançado “Cantigas de Violeiro”, uma compilação que chega às lojas através da gravadora Kuarup. Composto por dezesseis faixas de temática caipira, a maioria composta por ele próprio (e somente duas inéditas), o álbum possui sonoridade acústica capitaneada pela viola do artista e se faz recheado de convidados especiais, dentre os quais Pena Branca (em “Tropa”), Xangai (em “Boi Carreador”) e Rolando Boldrin (“Simpatia da Cobra Coral”). Lobo resgata “Cálix Bento”, tema de domínio público adaptado pelo conterrâneo Tavinho Moura e que se popularizou em gravação feita por Milton Nascimento. Mas entre modas, folias de reis, batuques, catiras e folguedos, os destaques do repertório ficam mesmo com ”Morena”, “Juriti Madrugadeira”, “Couro do Boi” e “Ciranda de Roda” (esta de autoria de Fábio Sombra).
* ”Dilacerado” é o título do segundo CD do cantor e compositor paraibano André Morais, o qual foi gravado sob a direção musical de Herlon Rocha e Pedro Medeiros. O repertório é composto por dez faixas, entre elas canções que contam com as participações especiais de Elza Soares (em “Nua, Tango”, parceria de André com o conterrâneo Chico César) e Naná Vasconcelos (em “Confissão” e “Deserto”, ambas de André e Seu Pereira). Há também parcerias do artista com Lucina e Giana Viscardi.
* O selo Discobertas (que tem à frente o pesquisador musical Marcelo Froes) está lançando dois boxes, cada um acondicionando quatro títulos da obra seminal da cantora Vanusa, todos devidamente remasterizados e trazendo algumas faixas bônus. O volume 2 contempla os discos lançados pela artista entre 1974 e 1979 e a registra em sua melhor fase. O primeiro e homônimo disco que contém um de seus maiores sucessos, “Sonhos de um Palhaço” (de Antonio Marcos e Sérgio Sá), traz também uma vigorosa releitura da obra-prima “Súplica Cearense” (de Gordurinha e Nelinho), além de boas canções assinadas por Peninha (“Coisas de Você”), Hermeto Pascoal (“Alumiou”) e pela própria Vanusa (“Você Depende”, parceria com Mario Campanha). Uma virada em sua trajetória musical consubstanciou-se em “Amigos Novos e Antigos”, talvez o melhor título de sua irregular discografia, no qual ela pôs sua voz bonita, potente e afinada a serviço de compositores então emergentes, caso de Belchior (“Paralelas”), Fagner (“Coração Americano”, feita com Antonio Marcos), Carlinhos Vergueiro (“Cinema Mudo”) e Luiz Melodia (“Congênito”), além de regravar pérola seminal de Milton Nascimento e Fernando Brant (“Outubro”). Em “Vanusa 30 Anos”, a cantora lança Zé Ramalho (“Avôhai”), mergulha em praia lusitana (“Só Nós Dois”, de Joaquim Pimentel) e ganha canção de Caetano Veloso (“Duas Manhãs”). Mas o grande estouro desse disco foi mesmo “Estado de Fotografia” (de Malim e Sérgio Sá). Completa o recém-lançado box o disco “Viva Vanusa” no qual ela grava três músicas de Altay Velloso (com destaque para “Meu Nome É Noite Vadia”), compõe comovente desabafo com Sérgio Sá (“Mudanças”), homenageia o filho caçula que virá (em “Nino Rafael”) e canta com as filhas ainda meninas em “Sol e Lua”. Dois dos melhores momentos ficam por conta de “A Vida Não Pode Parar” (de Octávio Burnier e Ivan Wrigg) e “Espacial” (pérola muito pouco conhecida de Belchior).
* Já se encontra disponível o EP “Relatos de um Conflito Particular”, do rapper mineiro Flávio Renegado, contendo sete músicas inéditas e autorais, entre parcerias com Makely K (“Só Mais um Dia”), Gustavo Magua (“Pra Quê?”), Jana Lourenço (“Luxo Só”) e Chico Amaral (“Particulares”). O recém-lançado projeto conta com as participações especiais de Alexandre Carlos (em “Além do Mal”) e de Samuel Rosa (em “Rotina”).
* Avalizada pelo conterrâneo Chico César, a cantora e compositora Val Donato está fazendo chegar ao mercado, de maneira independente, o seu primeiro CD. Intitulado “Café Amargo”, o mesmo possui um repertório composto por doze faixas autorais (nove delas criadas solitariamente pela artista). Com a direção e produção musical a cargo do guitarrista Giordano Frag, o álbum possui uma sonoridade pesada, calcada no rock, o que se torna ideal para emoldurar a voz rascante e potente de Val. Impossível, em um primeiro momento, deixar de associá-la a Cássia Eller e, de fato, em vários momentos, a semelhança chega a assombrar. Nada que não possa ser burilado em futuros trabalhos para que a artista venha a alcançar uma identidade tão necessária à sobrevivência musical de qualquer um. Sem sombra de dúvida, a canção melhor formatada é “Nem Tanto, Nem tão Pouco” (de Val, Toni Silva e Felipe Alcântara), mas há outros momentos interessantes, caso de “Para Mim, Você”, “Somente Sou” e “Pra que Você Goste”. O carioca Leoni surge como convidado especial na faixa “Cargas”.
* Entre registros captados ao vivo e gravações de estúdio, Alcione compilou o repertório do CD e DVD intitulado “Alcione em Grandes Encontros”, os quais aportam no mercado através de uma parceria entre seu selo, o Marrom Music, e a gravadora Biscoito Fino. São dezessete números que perpetuam a maranhense ao lado de grandes nomes da nossa MPB, a exemplo de Djavan (em “Capim”), Emílio Santiago (em “40 Anos”), Áurea Martins (em “Pela Rua”), Lenine (em “Evolução”), Diogo Nogueira (em “Poder da Criação”), Leci Brandão (em “Verde e Rosa”) e Maria Bethânia (em “Sem Mais Adeus”).
RUBENS LISBOA é compositor e cantor.
Apresenta o programa "Musiqualidade", veiculado pela 104,9 Aperipê FM, todos os sábados das 13 às 15 horas.
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