R E S E N H A
Cantora: ANA COSTA
CD: “PELOS CAMINHOS DO SOM”
Gravadora: BISCOITO FINO
Na história da música popular brasileira, quando se fala em samba, impossível não se reportar, quanto a intérpretes femininas, a Alcione, Beth Carvalho e Clara Nunes (o conhecido ABC do samba). As três dominavam as paradas de sucesso nas décadas de setenta e oitenta do século passado, antes de o gênero mais genuinamente brasileiro sair da linha de frente, o que durou por volta de duas décadas. Ora resgatado muito por conta do boom que aconteceu a partir dos novos talentos que passaram a se disseminar nos bares do boêmio bairro da Lapa, no Rio de Janeiro, de uns tempos para cá, o samba viu dele se enamorarem vários nomes da recente geração, alguns em esporádicos trabalhos temáticos, outros o adotando como mola-mestra para suas carreiras.
Neste segundo caso se encontra a cantora Ana Costa, a mais perfeita representante do samba nos tempos atuais (herdeira natural de Alcione, Beth e Clara), ela que, carioca, começou a se fazer conhecida quando fez parte do grupo O Roda e que, após, lançar três ótimos álbuns, está fazendo chegar ao mercado, através da gravadora Biscoito Fino, o seu mais novo projeto musical, disponibilizado nos formatos CD e DVD (aquele com dezesseis faixas e este com três números adicionais).
Trata-se de “Pelos Caminhos do Som”, registro ao vivo de apresentação realizada no Imperator Centro Cultural João Nogueira, no Rio de Janeiro, em março de 2015, sob a direção geral de Bianca Calcagni, no qual Ana, hoje com mais de duas décadas de carreira, homenageia um dos mais respeitados compositores brasileiros, o também cantor Martinho da Vila.
O universo autoral martiniano não é novidade para a artista e isso a ajuda a se apropriar das canções de seu padrinho musical com segurança ímpar. Dona de voz de belo timbre, com potência e extensão consideráveis, Ana possui trânsito livre no meio musical, fator que a fez rechear esse recém-lançado trabalho com vários convidados que vão de Mart’nália, Marcelinho Moreira e Zélia Duncan a Agrião, Alceu Maia e Dirceu Leite.
O repertório, escolhido com rigor e carinho, resgata temas já entranhados no inconsciente coletivo nacional, caso de “Disritmia”, “Ex Amor”, “Meu Laiaraiá”, “Canta Canta Minha Gente” e “Madalena do Jucú”, mas, muito inteligentemente, também abre espaço para peças menos conhecidas, mas nem por isso menores em beleza, a exemplo de “Filosofia de Vida”, “Dar e Receber”, “Reversos da Vida”, “Traço de União” e “Lusofonia”.
Formando um painel preciso da obra de Martinho, Ana selecionou parcerias dele com grandes nomes do nosso cancioneiro (caso de Rosinha de Valença, Rildo Hora, Roque Ferreira, João Bosco e Elton Medeiros) e se cercou de músicos de ponta para conferir aos arranjos um toque atual sem, contudo, fugir do conceito original do seu criador.
É, enfim, um projeto muito bacana em que Ana Costa reverencia o seu mestre maior, Martinho da Vila, deixando, no entanto, suas próprias digitais no ótimo resultado final. Vale a pena conhecer, curtir e divulgar!
N O V I D A D E S
* Mais de um ano após o registro feito ao vivo durante apresentação realizada no Classic Hall, em Recife (PE), chegou recentemente às lojas o projeto “Cordas, Gonzaga e Afins” no qual a cantora paraibana Elba Ramalho se junta ao palco com dezenove músicos (nove do grupo armorial SaGRAMA e quatro do quarteto de cordas Encore, ambos de Pernambuco, e mais as participações especiais de Naná Vasconcelos e de Marcelo Jeneci e a presença de Aristide Rosa na viola nordestina, Tostão Queiroga na bateria, Beto Hortis e Marcelo Caldi, os dois na sanfona) para homenagear a chamada Nação Nordestina, em especial através de Luiz Gonzaga (presente no repertório selecionado, por exemplo, com “Pau de Arara” e “Algodão”, compostas com Guio de Moraes e Zé Dantas, respectivamente). Em excelente forma vocal, a intérprete entrelaça o set list com alguns trechos poéticos e eterniza com destreza o espetáculo, o qual já se transformou em um dos pontos altos de sua vitoriosa trajetória artística. O produto é um lançamento da gravadora Coqueiro Verde Records e traz, numa mesma embalagem, CD e DVD (aquele com treze faixas e este com doze números adicionais). O repertório contempla grandes temas criados por Caetano Veloso (“O Ciúme”), Chico Buarque (“Não Sonho Mais” e “A Violeira”, esta feita com Tom Jobim) e Lenine (“Ciranda Praieira”, parceria com Paulo César Pinheiro) a apresenta a inédita “Gravitacional” (de autoria do já citado Jeneci). Alguns dos melhores momentos ficam por conta das emocionantes releituras de “Súplica Cearense” (de Gordurinha e Nelinho), “Assum Branco” (de José Miguel Wisnik) e “Sanfona Sentida” (de Dominguinhos e Anastácia). Religiosa, Elba ainda intercala com propriedade “Ave Maria Sertaneja” (de Julio Ricardo e O. de Oliveira) com a “Ave Maria” mais conhecida da história (de Bach e Gounod). Imperdível!
* Fechando uma trilogia de EPs iniciada em 2014, a cantora e compositora pernambucana Alessandra Leão disponibilizou recentemente “Língua”. Dele fazem parte as canções “Pássaros, Mulheres e Peixes” (parceria com Xico Sá que conta com a participação especial de Ná Ozzetti) e “Na minha Boca” (feita com Kiko Dinucci).
* O cantor e compositor César Lacerda, mineiro radicado no Rio de Janeiro, lançou recentemente, através da gravadora Joia Moderna, o seu segundo CD. Intitulado “Paralelos & Infinitos”, o álbum, que foi produzido pelo multi-instrumentista Pedro Carneiro, contém oito faixas autorais, duas delas compostas com os parceiros Francisco Vervloet e Luiz Rocha. Ainda se faz nítida a influência de Caetano Veloso na obra de César que vem tendo suas criações referendadas por gravações de Felipe Catto, Janaína Fellini e Duda Brack, por exemplo. Bons momentos ficam por conta de “21”, “Olhos” e “Quiseste Expor teu Corpo a Nu”. Há as participações especiais do grupo Mahmundi na faixa-titulo e de Victoria Vasconcelos em “Guarajuba”.
* A cantora e compositora paraibana Cátia de França encontra-se em estúdio gravando as canções que farão parte de seu sexto álbum, o qual chegará às lojas neste primeiro semestre sob o patrocínio da Natura Musical. Para os menos avisados, a talentosa artista é a autora dos belos temas “Coito das Araras” e “Kukukaya (Jogo da Asa da Bruxa)”, os quais foram gravados por Amelinha e Elba Ramalho, respectivamente, no início de suas carreiras.
* Através da gravadora Acari Records chegou às lojas o CD “Suíte Popular” que reúne os talentos da cantora Teca Calazans e dos integrantes do Camerata Brasilis. Com conceito bem amarrado e bela sonoridade acústica, o álbum possui a direção musical assinada por Maurício Carrilho, ele que é também o autor, ao lado de Vidal Assis, dos três temas que compõem a “Suíte Melancolia”, abrindo o disco em grande estilo. Já a “Suíte Azulão” encerra o trabalho, reunindo temas de Jayme Ovale e Radamés Gnatalli (ambos musicando versos de Manoel Bandeira) e de Heckel Tavares com Luiz Peixoto. No miolo, surgem interessantes criações de Luís Barcelos com Délcio Carvalho (“Sombra sem Rosto”) e de Peter Pan com José Fernandes de Paula (“Última Inspiração”), além de parcerias entre o já citado Carrilho com Paulo César Pinheiro (“Amor Eterno”, “Parece” e “Nossa Senhora do Silêncio”). Teca, experiente e antenada, a todas elas confere o tratamento interpretativo adequado.
* “Nhém Nhém Nhém”, canção propagada por Totonho e os Cabra, grupo paraibano encabeçado pelo cantor e compositor Totonho, ganhou recentemente um novo registro, desta feita na voz do cantor Paulo Neto. Ela faz parte do EP “A voz da Guitarra”, gravado pelo artista com o guitarrista Joan Barros. Completam o repertório: “Não Cabe Dor” (parceria com Zé Ed), “Olhos da Cara” (de Nuno Ramos) e “Tempo de Esperas” (de Isabela Moraes).
* Embora Mart’nália continue a ser a filha mais famosa de Martinho da Vila, sua meia-irmã, a cantora, compositora e pianista carioca Maíra Freitas vem conseguindo marcar o seu espaço no terreno da nossa música. Isso fica claro com o recente lançamento de “Piano e Batucada”, o segundo CD da artista, o qual chegou às lojas através da gravadora Biscoito Fino. Sob a produção musical do sempre competente tecladista Sacha Amback, Maíra mostra um avanço considerável tanto no quesito cantora (basta que se ouçam as boas canções “Volta” e “Desavisado”, por exemplo) quanto na seara criativa (ela assina dez das treze faixas do álbum, metade delas composta solitariamente). A banda-base é enxuta, porém competente, e se faz formada, além de por ela e pelo já mencionado Sacha, por Cassius Theperson na bateria e por Bernardo Aguiar na percussão, e o repertório recai sobre o samba, mas não se trata daquele mais tradicional: o de Maíra é um samba quebrado, determinado por um suingue todo próprio, o que a faz expor suas digitais de forma salutar e elegante. Há as participações especiais da supracitada mana (em “Gargalhada”), de João Sabiá (na bonita “Pousa”), de Filipe Catto (na desnecessária regravação de “Estranha Loucura”, de Michael Sullivan e Paulo Massadas, sucesso propagado através de antológico registro de Alcione) e do grupo afro-baiano Ilê Ayê (em “Feeling Good”, de Anthony Newley e Leslie Bricusse, tema associado ao repertório da cantora norte-americana Nina Simone). Alguns dos melhores momentos ficam por conta das ótimas “Êta” (parceria com Edu Krieger) e “Não Sei, Sei Lá”, além da oportuna releitura de “Minha Festa” (de Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito).
* Já se encontra disponível desde o final do ano passado o CD com a trilha sonora de “Eta Mundo Bom!”, a nova telenovela das dezoito horas da TV Globo que estreará no dia 18 deste mês. São dezenove faixas que priorizam gravações antigas nas vozes de Elza Soares (“O Samba da minha Terra”), Emilinha Borba (“Escandalosa”), Nelson Gonçalves (“Dos meus Braços Tu Não Sairás”), Ângela Maria (“Vida de Bailarina”) e Dalva de Oliveira (“Segredo”) e músicas de conotação rural cantadas pelas duplas Victor & Leo (“Estrada Vermelha”), Chitãozinho & Xororó (“No Rancho Fundo”), César Menotti & Fabiano (“A Saudade Mata a Gente”) e Zé Neto & Cristiano (“Saudade de minha Terra”). Há temas que ganharam registros especialmente para a produção global, caso de “O Sanfoneiro Só Tocava Isso” (com a banda Suricato), “Pé de Manacá” (com Paula Fernandes), “O que o Ouro Não Arruma” (com Daniel), “Quem Vem de Longe” (com Gusttavo Lima) e “Distante d’Ocê” (com Elba Ramalho). Ainda fazem parte canções atemporais como “Avôhai”, “Dois pra Lá, Dois pra Cá” e “Vem Morena” com Zé Ramalho, Elis Regina e o grupo Os Gonzagas, respectivamente. Completam a seleção: “Djavan (“Se Não Vira Jazz”) e as Cluster Sisters (com “Tico-Tico no Fubá”).
RUBENS LISBOA é compositor e cantor.
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