MUSIQUALIDADE, por RUBENS LISBOA

R E S E N H A     1

 

Cantoras: OMARA PORTUONDO e MARIA BETHÂNIA

CD: “OMARA PORTUONDO e MARIA BETHÂNIA”

Gravadora: BISCOITO FINO

 

A coisa mais interessante a se ressaltar sobre o atual momento da carreira de Maria Bethânia é sua capacidade de se reinventar. A baiana não pára quieta. Ao contrário de várias colegas que preferem se aquietar diante das novidades ou viver de cansativos projetos revisionistas, a irmã de Caetano Veloso sempre surge com novas e boas idéias.

A mais recente delas tomou forma em janeiro do ano passado quando, em passagem pelo Brasil, a cantora cubana Omara Portuondo juntou-se a Bethânia nos estúdios da gravadora Biscoito Fino, no Rio de Janeiro, e ambas perpetuaram suas vozes no belo CD que acaba de chegar às lojas. Fãs assumidas uma da outra há muito tempo, as artistas realizaram um trabalho muito bacana, juntando duas mulheres e duas culturas, no caso as do Brasil e de Cuba, no que têm de aparentes similitudes.

Produzido a quatro mãos pelos competentes violonistas Jaime Além e Swami Jr., o CD ressalta temas simples pinçados dos dois cancioneiros, mas nem por isso menos belos. Pelo contrário, é na aparente singeleza que reside a beleza etérea que termina embriagando os ouvintes.

Não se trata de um disco de duetos em que as duas cantoras cantam juntas todas as faixas. Neste trabalho, há espaço para ambas brilharem individualmente. No entanto, é quando aparecem juntas (na mesma canção ou na mesma faixa em espécie de medley) que elas definem os melhores momentos. É o caso da junção de “Palabras” (de Marta Valdés) com “Palavras” (de Gonzaguinha), por exemplo. Mas soberbas mesmo são as faixas “Talvez” (de Juan Formell), “Você” (de Hekel Tavares e Nair Mesquita, que a gente conhece como “Penas do Tiê”) e “Marambaia” (de Henricão e Rubens Campos) quando uma passa a “conversar” afiadamente com a outra.

Bethânia está cantando cada vez melhor, inclusive domando os arroubos interpretativos de outrora. Omara é das artistas mais reconhecidas da ilha e sua voz poderosa é uma dádiva divina. Já na terceira idade, parece que o peso dos anos não lhe caiu sobre os ombros. Seu timbre volumoso e especial emociona de prima, como se pode constatar logo na faixa que abre o álbum, a bela “Lacho” (de Fernando Rivero e Juan Pablo Miranda) em que canta a capella, amparada ritmicamente apenas pela percussão de Andrés Coayo. Em momento solo, revela-se perfeita ainda em “Mis Congojas” (outra de Juan Pablo Miranda). Já Bethânia preferiu centrar seus momentos individuais no cancioneiro romântico de dois ícones do século passado (Antônio Maria com “Menino Grande” e Dolores Duran com “Arrependimento”, parceria com Fernando César).

O CD pode ser comprado sozinho ou em edição dupla, acompanhado por um vídeo que registra momentos da gravação do trabalho. Deste ressaltam o poder magnetizante de comando de Bethânia e a emoção incontida de Omara. Muito legal!

As duas cantoras já se encontram em excursão com um show que vem sendo muito elogiado pela crítica e do qual, além das canções presentes no CD, fazem parte diversas outras e que, logicamente, vai em breve se transformar em DVD. Aracaju é uma das capitais premiadas e nós poderemos conferir esse momento mágico em 23 de abril no palco do Teatro Tobias Barreto.

 

 

R E S E N H A     2

 

Cantora: TÂNIA BICALHO

CD: “MÃOS BRASILEIRAS”

Gravadora: INDEPENDENTE

A cantora mineira Tânia Bicalho chega ao seu terceiro CD mostrando uma evolução surpreendente. Dona de uma voz possante (que, de forma simplista, podemos dizer que condensa os timbres de Cássia Eller, Leny Andrade e Selma Reis), Tânia soube se cercar por feras: a produção do disco é de Sérgio Natureza e a direção musical ficou a cargo de Jaime Além, o maestro de Maria Bethânia.

Tânia é daquelas intérpretes viscerais que transportam o ouvinte para dentro de cada canção. Camaleônica, sabe sair de tons intimistas, mergulhando logo em seguida em sentimentos mais intensos (e vice-versa), sem deixar entre eles qualquer espécie de vácuo.

Inteligente, soube compilar as músicas que compõem o enxuto repertório de dez faixas dentre nomes não muito conhecidos, mas nem por isso menos talentosos. De forma que transforma em momentos memoráveis faixas como a enumerativa “Água” (de Paulinho Andrade e Oscar Neves) e principalmente “Corpo de Incêndios” (do ainda desconhecido Luizinho Lopes), deliciosa canção que surge emoldurada por tintas flamencas. É também do mesmo Luizinho outro destaque do álbum, a sincera e pungente “Areia”.

De Sérgio Natureza, Tânia pinça duas peças bastante interessantes, a corrosiva “Roda Morta” (parceira com Sérgio Sampaio) e a já bem conhecida “Eternamente” (parceria com Tunai e Liliane, gravada originalmente por Gal Costa), dotando-a de cores insuspeitas ao adotar um andamento mais lento que remete ao clima noturno das boates.

Também boa compositora, Tânia assina quatro faixas. A única composta sozinha é a faixa-título, um samba de formato tradicional. Com Luhli, Tânia compôs “Espelhos”, momento mais suave do álbum. Com Lucina, apresenta a interessantíssima “Ar de São Tomé”, outro ponto alto, e com o já citado Natureza deu luz a “Perguntas no Ar”. Completa o repertório um ótimo blues de autoria de Jaime Além intitulado “Mais Canção do que Adeus”. 

Os arranjos, em especial, dão um colorido particular ao disco e, ao mesmo tempo que o dotam de uma unicidade, evitam remetê-lo ao lugar comum.

Lançado no apagar das luzes do ano passado, este CD tem tudo para ter vida longa pelo que tem de elaborado e belo.

 

 

N O V I D A D E S

 

·               Cantora 1: Eduarda Fadini, bela loira de presença iluminada lança, através da Lumiar Discos, o seu CD de estréia, uma merecida homenagem ao grande compositor Lupicínio Rodrigues. O álbum intitulado “Lupicínio Volta” pinça doze pérolas, entre canções já bastante gravadas e outras injustamente menos conhecidas. No primeiro time, encontram-se, por exemplo, “Nunca”, “Nervos de Aço”, “Esses Moços” e “Vingança”. Entre as outras, os resgates da fantástica “Um Favor” (que anteriormente mereceu registro memorável ao vivo de Gal Costa no seu disco “Caras e Bocas”), de “Aves Daninhas” e de “Briga de Amor” já valeriam o trabalho. Eduarda tem bonito timbre (foi elogiada com ênfase por Ricardo Cravo Albin, renomado pesquisador na área da música), canta com emoção e mostra-se à vontade em um repertório que, se pego por uma intérprete menos experiente, poderia soar piegas. Os inteligentes arranjos ficaram a cargo do pianista Roberto Bahal e o disco conta com as insuspeitas participações especiais de Ziraldo e Chico Caruso nos vocais de “Ela Disse-me Assim” e “Exemplo”, respectivamente. Já Yassir Chediak faz-se presente na faixa “Felicidade”, em versão que a remete ao universo ruralista.

 

·               Cantora 2: Thaís Motta, afinadíssima, dona de uma divisão fora do comum e bem experiente em improvisos, põe nas lojas, de maneira independente, o CD “Minha Estação”, produzido por Marvio Ciribelli. Nos sambas mais rápidos, fica nítida a influência de Elis Regina, mas Thaís é intérprete de singularidade já definida. Com um timbre agudo, claro e muito bem resolvido, ela passeia com maestria pela dúzia de faixas escolhidas e se é fato que existe algo dispensável, por outro lado surgem faixas memoráveis (como “Iguais e Diferentes”, de Fred Martins e Chico Bosco, “Ai de Mim”, de Marco Pinheiro e Chico Alves, e “Água de Cheiro”, de Mário Sève e Talita Kuroda).

 

·               Cantora 3: Josyane Melo repõe nas lojas o seu CD “Origami”, originalmente lançado em 2003. Gravado também de maneira independente, é um excelente cartão de visitas para uma artista que deixa clara a sua opção pela qualidade. O repertório de doze faixas não abre concessões e alterna compositores veteranos com outros poucos conhecidos mas que têm muito a dizer. Produzido pela própria cantora ao lado de Swami Jr., logo na faixa de abertura, “Cantiga de Roda” (de Evandro Camperom), o álbum deixa nítida a sua concepção acústica. Josyane sabe o que canta, tem profundidade e mostra louvável audácia em resgatar “Que Baixo”, deliciosa canção anárquica de Lupicínio Rodrigues e Caco Velho. No campo das regravações, confere novas tintas a canções de Gilberto Gil (“Cada Tempo em Seu Lugar”), Milton Nascimento (“Notícias do Brasil”, parceria com Fernando Brant) e Guinga (“Chá de Panela”, parceria com Aldir Blanc). Junio Barreto participa declamando o texto de abertura da boa faixa “Rainha dos Sete Mares” (de Avarese, Lino Roberto e Alfredo Silva).

 

 

 

RUBENS LISBOA é compositor e cantor


Quaisquer críticas e/ou sugestões serão bem-vindas e poderão ser enviadas para o e-mail: rubens@infonet.com.br 

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