MUSIQUALIDADE, por RUBENS LISBOA

M U S I Q U A L I D A D E

 

 

R E S E N H A     1

 

 

Cantora: ÁUREA MARTINS

CD: “ATÉ SANGRAR”

Gravadora: BISCOITO FINO

 

Até para as pessoas mais aficcionadas em música popular brasileira, o nome da cantora Áurea Martins não soa familiar. É que a artista, não obstante possuir mais de trinta anos de carreira artística, nunca freqüentou as paradas de sucesso e pouco esteve presente em programas de televisão, muito embora tenha se revelado em um deles, “A Grande Chance”, apresentado pelo polêmico Flávio Cavalcante.

Durante todo esse considerável tempo de carreira, Áurea percorreu mesmo foi a noite carioca, tendo cantado em diversas casas noturnas e formado um público cativo. Este ano, junto com Vika Barcellos, foi a responsável pelos belos vocais do álbum lançado pela Orquestra Lunar, um grupo totalmente composto por mulheres, o que, de certo modo, fez com que seu nome começasse a ser ventilado pela mídia.

Pegando carona nos bons ventos atuais, Áurea acaba de pôr no mercado, através da gravadora Biscoito Fino, o seu terceiro CD solo. Intitulado “Até Sangrar”, o trabalho teve a concepção a cargo do competente Hermínio Bello de Carvalho e vem se somar a uma pequena discografia que inclui somente um LP gravado em 1972 com arranjos de Luiz Eça (1936 -1992) e um CD de limitada repercussão, editado de forma independente em 2003.

A voz de Áurea possui o vigor das grandes intérpretes. Seu timbre claro e bonito é a primeira coisa a chamar a atenção do ouvinte que, de cara, reconhece em “Ilusão à Toa” (de Johnny Alf) uma de suas mais sublimes releituras. A canção abre o CD associada a “Pensando em Ti” (de Herivelto Martins e David Nasser). Aliás, algumas faixas trazem medleys de duas ou mais músicas, sempre associadas por um tema comum.

O repertório – de tom amargurado, mas um primor – reúne grandes clássicos do nosso cancioneiro amoroso, os quais são interpretados por Áurea como se lhe houvesse um punhal cravado no peito. “Janelas Abertas” (de Tom Jobim), “Vida de Bailarina” (de Chocolate e Américo Seixas) e “Volta” (de Lupicínio Rodrigues) são exemplos disso. Mas há também boas músicas pouco conhecidas, como “Baralho da Vida” (de Ulisses de Oliveira), “Moeda Quebrada” (de Luís Reis e Haroldo Barbosa) e “Valsa Dueto” (de Carlos Lyra e Vinicius de Moraes). De safra mais recente (se é que podemos chamar assim) destacam-se “Nada Por Mim” (de Herbert Vianna e Paula Toller) e “Embarcação” (de Francis Hime e Chico Buarque). Para arrematar, Alcione e Emílio Santiago fazem participações mias que especiais.

Um disco cheio de intenções que tem como a maior delas fazer jus ao talento dessa grande cantora brasileira.

 

 

R E S E N H A     2

 

Cantor: FÁBIO JR.

CD: “FÁBIO JR. & ELAS”

Gravadora: SONY & BMG

 

Tivesse seguido a carreira de ator, Fábio Jr. já teria decerto protagonizado outras diversas novelas de sucesso na Rede Globo. Ao optar pela música, o artista (bom ator) sepultou a possibilidade de reviver ótimos papéis televisivos como os que teve em grandes produções como “Cabocla”, “Água Viva”, “Roque Santeiro” e “Pedra Sobre Pedra”.

No começo de sua carreira musical, Fábio mostrou-se um compositor inspirado. Depois de conquistar o Brasil com o estouro da canção “Pai”, engatou agradáveis músicas como, por exemplo, “Vinte e Poucos Anos”, “Muito Cacique Pra Pouco Índio” e “Quero Colo”. Com os apelos fáceis do mercado fonográfico, terminou enveredando pelo caminho dos sucessos popularescos. É verdade que vendeu milhares de discos e conquistou uma platéia (especialmente feminina) que até hoje o idolatra, mas perdeu sua coerência artística.

No entanto, diferentemente do apregoado por aí (neste Brasil há certas lendas que se tornam verdades com uma velocidade impressionante!), Fábio canta muito direitinho: se não possui um alcance vocal extraordinário, sempre se mostrou afinado e possui vibratos extremamente educados. Seu timbre é peculiar e certamente sua experiência como ator o faz imprimir um charme característico às canções que interpreta.

Em dezembro de 1998, a Rede Record o convidou para protagonizar um especial. Fábio resolveu que o faria recheado de convidadas especiais, cantoras que admirava. Exatos dez anos depois, a gravadora Sony & BMG restaurou áudio e imagem do aludido programa e acaba de colocar nas lojas CD e DVD que registram encontros bem interessantes.

Então no auge de suas formas vocais, Sandra de Sá e Elba Ramalho ratificam seus talentos nas versões de “Caça e Caçador” e “Ai Que Saudade d’Ocê”, respectivamente. Patrícia Coelho, por sua vez, em participação afetiva, não faz feio em “Enrosca”, um dos maiores hits da carreira de Fábio. “Seu Melhor Amigo” ressurge iluminada pela presença de Elza Soares. Em momento algum, Elza canta a letra da delicada canção: suas intervenções são vocais, em fraseados quase jazzísticos que deixam entrever que ela estava ali de improviso, o que não furta em transformar este em um dos destaques do projeto. Outro ponto alto é o encontro com Leila Pinheiro que termina por tirar leite de pedra na surrada “Sentado à Beira do Caminho”. As convidadas de Fábio vêm das mais variadas vertentes: se Vânia Bastos, grande representante da MPB, brilha como de costume com sua voz de cristal em “Sorri”, Roberta Miranda está em sua praia em “Volta ao Começo” e uma insuspeita romântica Fernanda Abreu desabrocha em “Na Canção”.

Fábio é garoto esperto e sabe quando tem que ir e quando pode ficar: assim, visita o repertório de Adriana Calcanhotto em “Mentiras”, mas traz Zélia Duncan para o seu em “Eu me Rendo”. Completam o time estelar o grupo Fat Family (“Não Me Condene”) e as cantoras Joanna (“Quando Gira Mundo”), Paula Toller (“Nada Por Mim”), Joyce (“Compromisso”) e Fafá de Belém (“Sem Limites pra Sonhar”).

Das artistas que participaram, à época, do especial somente (e por motivos pessoais) não autorizaram as suas inclusões no CD e DVD recém-lançados as cantoras Simone, Fernanda Takai e Wanderléa.

Fábio, como bom anfitrião, mostra-se confortável o tempo inteiro. É um bom lançamento dentro da discografia extremamente irregular do artista, pelo que vale a pena conhecer.

 

 

N O V I D A D E S

 

·               Enquanto se prepara para lançar seu mais novo CD, o maranhense Zeca Baleiro segue com todo gás à frente do seu selo Saravá Discos, o qual tem como objetivo lançar ou recolocar no mercado trabalhos de artistas que têm pouco espaço na mídia nacional. Até o final deste primeiro semestre, será posta à venda uma nova edição do disco “Cabelos de Sanção”, de Tiago Araripe, cearense que trabalha com publicidade e propaganda e cujo trabalho Baleiro conheceu em 1986. Também chegará às lojas “Sinceramente”, belo trabalho do saudoso capixaba Sérgio Sampaio. Em breve, ainda serão lançadas pelo aludido selo duas trilhas sonoras criadas por Baleiro para os espetáculos de dança “Cubo”, da Companhia Lúdica Dança, e “Geraldas e Avencas”, do grupo 1º Ato. E para finalizar: o incansável artista está produzindo o novo álbum do cantor angolano Filipe Mukenga.

 

·               O Centro Cultural Carioca criou o selo CCC Discos que pretende editar registro de shows lá realizados por vários artistas da nossa música popular. O primeiro CD a ser lançado será o do poeta e letrista Aldir Blanc. Logo depois, chegarão às lojas os álbuns “Óh, que Samba Bom!” (do grupo carioca Sururu na Roda, que conta com a participação especial de Zeca Pagodinho) e “Ô Danada” (de Elisa Lucinda e Marcos Lima).

 

·               O CD “Here to Stay – Gershwin & Jobim a Cappella”, do grupo vocal BR6, que havia sido lançado nos Estados Unidos e Canadá no ano passado pela NuVision, acaba de ser lançado em território nacional pela gravadora Biscoito Fino. No repertório, pérolas atemporais como: “Chovendo na Roseira” e “Pato Preto” (de Tom Jobim), “Fascinating Rhythm” e “Love Is Here To Stay” (ambas da dupla George e Ira Gershwin).

 

·               O segundo CD do cantor e compositor Zé Modesto chega às lojas recheado de canções cunhadas com beleza e simplicidade. Intitulado “Xiló” e produzido de maneira independente pelo próprio artista, vem revestido por uma capa muito bem bolada que, de imediato, transporta o ouvinte para o ambiente musical proposto. O disco evidencia os instrumentos acústicos, explorando as veias sonoras da madeira em sua amplitude e singularidade. Modesto é compositor inspirado que tece delicadas melodias com letras aparentemente simples que trazem idéias bastante criativas. A preferência pelos ritmos brasileiros de origem popular fica clara e a poética religiosa permeia algumas canções. As doze faixas contam com participações especiais das abençoadas vozes de Renato Braz, Ceumar, Marcelo Pretto e Rubi, dentre outros. Dentre os melhores momentos estão as faixas “Bedô”, “Sobrevidas” e “Tribo”. Muito legal mesmo!

 

·               Dando seqüência à série Intimidade (criada pela gravadora Som Livre e que já lançou CD e DVD de Guilherme Arantes e Oswaldo Montenegro), o mineiro Lô Borges realizou recentemente a gravação de seus maiores sucessos no Estúdio Acústico, em Belo Horizonte (MG). Samuel Rosa, vocalista do grupo Skank, faz-se presente em participação especial nas faixas “Dois Rios” e “Clube da Esquina 2”. O projeto estará nas lojas no comecinho do segundo semestre.

 

·               O quinteto vocal feminino carioca Mulheres de Hollanda acaba de lançar CD e DVD homônimos, os quais resultaram de show realizado em 2007 no Teatro Municipal de Niterói. O repertório – como não poderia deixar de ser – é totalmente voltado para a obra de Chico Buarque. São quatorze grandes canções buarquianas de diversas fases e épocas emolduradas por bons arranjos que revelam os talentos das cantoras Karla Boechat, Marcela Mangabeira, Ana Cuba, Eliza Lacerda e Malu von Kruger. Os melhores momentos ficam por conta das inspiradas releituras de “Las Muchachas de Copacabana”, “Baioque”, “Mil Perdões” e “Não Sonho Mais”. Há as participações especiais de Zé Renato e Cláudio Nucci (em “Todo o Sentimento”) e do Quarteto em Cy (em “Com Açúcar, com Afeto”).

 

 

RUBENS LISBOA é compositor e cantor


Quaisquer críticas e/ou sugestões serão bem-vindas e poderão ser enviadas para o e-mail: rubens@infonet.com.br

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