MUSIQUALIDADE, por RUBENS LISBOA

M U S I Q U A L I D A D E

 

 

R E S E N H A     1

 

Cantor: GILBERTO GIL

CD: “BANDA LARGA CORDEL”

Gravadora: WARNER

 

Ministro do governo federal desde o primeiro mandato da atual administração, o cantor e compositor Gilberto Gil de fato, durante este período, fez muita falta à música popular brasileira, vez que, de lá pra cá, optou por não lançar qualquer trabalho em CD apresentando canções inéditas de sua autoria. Tal jejum (ocorrido desde 1997, ano em que lançou o álbum duplo “Quanta”) acaba de ser quebrado com o lançamento de “Banda Larga Cordel” que acaba de chegar às lojas (depois de ter todas as suas dezesseis faixas disponibilizadas na internet) através da gravadora Warner.

Gil é incontestavelmente um dos maiores nomes do nosso cancioneiro em todos os tempos. Ao lado de Chico Buarque e do conterrâneo Caetano Veloso, o baiano forma uma tríade que, de certa forma, alicerçou a MPB da metade dos anos sessenta em diante. Compositor realmente inspirado, talvez seja o que mais passeia com desenvoltura pelos diversos gêneros musicais, indo com tranqüilidade do reggae ao rock, passando pelas baladas, pelo funk e pelos ritmos nordestinos mais tradicionais. Também um grande músico (domina com maestria o violão), Gil constrói melodias bem resolvidas, via de regra com refrões que se fixam facilmente na mente dos ouvintes. Como letrista, surge sempre com boas sacadas, ousando se utilizar de algumas imagens que, em outras mãos, soariam no mínimo estranhas.

Tudo isso está presente, em maiores ou menores proporções, no seu novo e aguardado trabalho. A verdade é que, a princípio, Gil tencionava pôr no mercado um disco de sambas. Essa idéia, no entanto, foi removida com o surgimento de outras canções que terminaram por dar ao CD uma pluralidade bastante interessante.

Produzido por Liminha, já na faixa-título Gil expressa uma preocupação constante em sua obra: desde as longínquas “Lunik 9” e “Cérebro Eletrônico” que o artista demonstra interesse nos desdobramentos da ciência sobre o destino da humanidade. Outro tipo de preocupação, aquela que os pais têm para com os seus filhos num mundo dominado pela violência, vem através do reggae “Os Pais”, uma das duas parcerias com Jorge Mautner constantes do repertório. A segunda é a menos inspirada “Outros Viram”, em que Gil se faz acompanhar apenas por seu violão. Mas a conhecida estirpe criativa do autor faz-se reconhecer tanto no bom samba “Gueixa no Tatame” quanto na artificial “La Renaissance Africaine”. O questionamento inteligente sobre a finitude, outro tema recorrente, é apresentado através da bonita “Não Tenho Medo da Morte”, a seara romântica é exposta através da razoável “A Faca e o Queijo” (feita para atender uma cobrança da mulher Flora) e a homenagem ao centenário da mãe de Caetano e Bethânia se concretiza com “Canô”. Gil também revisitou uma de suas primeiras criações, a quase-infantil “Amor de Carnaval”, e “Samba em Los Angeles”, esta extraída de “Nightingale”, álbum de 1978 gravado para o mercado norte-americano. Já “Formosa”, boa parceria pouco conhecida de Baden Powell e Vinícius de Moraes, é a única música presente que não é de autoria própria. Os melhores momentos do CD, no entanto, ficam com a deliciosa “Despedida de Solteira”, com a maliciosa “Não Grude Não” e com a inspirada “Olho Mágico”. Completam o repertório a reflexiva “Máquina do Ritmo” e a sombria “O Oco do Mundo”, que vem carregada de distorções e recursos eletrônicos.

É muito legal que Gilberto Gil retorne à música! É aí que ele mostra a que veio, com talento e criatividade indiscutíveis. “Banda Larga Cordel” pode até não ser o disco fenomenal que ele pode fazer, mas marca com qualidade ímpar o retorno de um grande artista à arte da criação.

 

 

R E S E N H A     2

 

Cantor: ROBERTO MENDES

CD: “CIDADE E RIO”

Gravadora: BISCOITO FINO

 

Nascido em Santo Amaro da Purificação, mesma cidade que presenteou o Brasil com dois dos maiores astros da nossa música popular (Caetano Veloso e Maria Bethânia), o baiano Roberto Mendes recebeu da filha mais famosa de Dona Canô o aval quanto à sua qualidade musical. É que não é de hoje que Bethânia grava canções do inspirado compositor que se especializou em criar belas e animadas chulas, sambas de viola característicos do recôncavo baiano. O que não quer dizer, contudo, que Roberto não se saia igualmente bem quando se aventura por outros gêneros, tanto que a citada intérprete já gravou algumas canções românticas bem interessantes, sendo também de sua autoria “Qual o Assunto que Mais lhe Interessa?”, contundente tema que deu título ao mais recente CD de Elba Ramalho.

Mas é mesmo na chula que o artista concentra o repertório de seu mais novo disco, o nono da carreira, o qual acaba de chegar às lojas através da gravadora Biscoito Fino. Intitulado “Cidade e Rio” é um trabalho com um pé no regionalismo, seja explicitado na pegada e na alegria eminentemente nordestinas que orientam o seu conceito, seja denotado pelas letras carregadas de temas e tintas características da região.

Roberto é, antes de tudo, um incansável pesquisador e não faz música por fazer. É daquele time de compositores que sabe o que está dizendo e sua mensagem chega clara e direta ao ouvinte. Sua voz – é verdade – não tem nada de especial, mas o timbre macio não chega a comprometer; antes, facilita-lhe a aceitação, lembrando, em algumas passagens, Gilberto Gil, como se pode observar em “Demanda” e “Maravilha Marginal”, esta uma parceria com Jorge Portugal.

Tem sido Portugal, aliás, o parceiro mais constante ao longo da carreira, embora de uns tempos pra cá Roberto venha aumentando o seu leque de colaboradores. No próprio recém-lançado álbum é ao lado de Capinam que ele assina a maioria das doze canções que compõem o repertório.

Produzido pelo próprio artista, o disco mostra arranjos que descambam para o acústico, fazendo, vez por outra, referência a algum ídolo: é assim o que ocorre, por exemplo, em “Poesia, Samba e Baião” que faz alusão ao mestre Luiz Gonzaga.

Além dos já citados Jorge Portugal e Capinan, há ainda parcerias com Nelson Elias (a ousada “Linda Morena” que conta com a participação de Pedro Luís) e Herculano Neto (a ótima “Deu Saudade” que traz Alcione como convidada). A única regravação do disco é o apropriado canto de socorro “Purificar o Subaé”, de Caetano Veloso.

O álbum conta ainda com as presenças dos violonistas Marco Pereira e Guinga (na contagiante “Beira-Mar” e na suave faixa-título, respectivamente), além de Lenine (à vontade em “Tira Essa Mulher da Roda”). Outros bons momentos ficam por conta das ótimas “Memória das Águas”, “Esse Sonho Vai Dar” e “Bom Começo”.

Roberto Mendes é compositor que merece, além de respeito, um reconhecimento maior e urgente!

 


N O V I D A D E S

 

·               Dentro da série “Sempre”, a gravadora Som Livre acaba de pôr nas lojas o volume dedicado aos maiores hits do 14 Bis, grupo que alcançou grande sucesso na década de oitenta. Capitaneado por Flávio Venturini, que hoje desenvolve eficiente carreira solo, os cinco rapazes faziam uma música de qualidade inquestionável e eram freqüentemente executados nas FM’s mais antenadas da época. Canções como “Linda Juventude”, “Bola de Meia, Bola de Gude”, “Planeta Sonho”, “Mesmo de Brincadeira” e “Dona de Mim” estão todas lá e merecem uma audição especial dentre as quatorze faixas que compõem a excelente coletânea.

 

·               “Mu Carvalho Ao Vivo” é o título do novo CD que o ex-tecladista da banda A Cor do Som acaba de lançar. Trata-se do registro de apresentação realizada em abril de 2006 na casa de shows Mistura Fina, no Rio de Janeiro, e que somente agora chega às lojas através da gravadora Som Livre. Mu é um tecladista de raro talento e nas onze faixas instrumentais comprova isso de maneira incontestável. Os melhores momentos ficam por conta das faixas: “Tagarelo”, “Apanhei-te Minimoog” e “O Relógio de Dali”. Dentre os vários convidados especiais, há os antigos companheiros Armandinho, Ari e Dadi (este, seu irmão), além de Jorginho Gomes, Marcos Nimrichter, Zé Canuto, Serginho Chiavazolli e Nicolas Krassik.

 

·              Após algum tempo do lançamento de seu bom homônimo disco de estréia no mercado estrangeiro, a cantora Daniela Procópio, através do selo independente RM2 Entretenimento, faz com que o mesmo chegue às melhores lojas brasileiras. Cantora de voz bonita, aguda, afinada e de considerável extensão, através das dez canções apresentadas ela mostra uma desenvoltura ímpar seja em ritmos mais dançantes (como o afoxé “Do Tamanho do Mar”, de Saul Barbosa e Vevé Calazans), seja em canções suaves mas que exigem segurança (como em “Melodia Sentimental”, de Heitor Villa-Lobos e Dora Vasconcellos, embora com um andamento mais rápido que os registros tradicionais). Com produção assinada por Juliano Barreto, o trabalho demonstra que Daniela optou pelo ecletismo, não apenas por mergulhar em outro idioma (“A Little High”, parceria dela com Antônio Villeroy), mas por incluir temas de nascentes díspares como a razoável balada “Quem Eu Quero Bem” (do mesmo Villeroy) e a epopéica “Quase Lenda – Uma Opereta Tupiniquim” (com extensa letra escrita por Luís Mauro Vianna), faixa que conta com a participação especial de Carlinhos Brown. Trata-se de uma ótima cantora que pode surpreender (e muito) em um futuro próximo!

 

·               Estará disponível até o final deste mês o CD que Roberto Carlos gravou ao vivo durante dois shows realizados em Miami em maio do ano passado. A grande maioria das faixas, sucessos colecionados pelo Rei ao longo da carreira, foi registrada em espanhol. É a primeira vez em décadas que um lançamento de Roberto não é feito em dezembro. Sinal dos tempos?

 

 

RUBENS LISBOA é compositor e cantor


Quaisquer críticas e/ou sugestões serão bem-vindas e poderão ser enviadas para o e-mail: rubens@infonet.com.br

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