MUSIQUALIDADE, por RUBENS LISBOA

R E S E N H A     1

 

Cantora: SUELY MESQUITA

CD: “MICROSWING”

Gravadora: INDEPENDENTE

 

Ainda restrita ao circuito cult da boa música popular brasileira, a cantora carioca Suely Mesquita vai devagarzinho conquistando seu lugar ao sol. Dona de um incontestável talento e também compositora, essa carioca que também dá aulas de preparação vocal já possui um razoável tempo de estrada, colecionando canções gravadas por gente como Fernanda de Abreu, Ney Matogrosso, Moska, Celso Fonseca e Daúde, por exemplo.

Seu CD inaugural (intitulado “Sexo Puro”) não obteve, de fato, o merecido reconhecimento, mas no mínimo serviu-lhe para sedimentar caminhos para o segundo trabalho, o qual acaba de ser lançado de maneira independente (com patrocínio cultural da Petrobrás), o ótimo “Microswing”.

Como cantora, Suely não é possuidora de uma extensão que arrase quarteirões nem tampouco possui um timbre exótico que faça com que seja reconhecida de prima. Mas, com voz suave e precisa, sabe dosar possíveis limitações com uma capacidade interpretativa ímpar que a faz mergulhar de cabeça nas emoções contidas em cada uma das doze faixas do recém-lançado álbum. E se em algumas delas ela quase que sussurra, em outras põe os seus demônios (ou deuses, como prefere) para fora, ora soando despojada, ora lânguida, ora espevitada.

Como compositora, Suely arrisca-se de todos as maneiras. Às vezes, assina a música sozinha, em outras escreve as letras que são musicadas por parceiros diversos e em outras ainda põe melodias em escritos que lhe chegam. Melhor musicista que letrista (suas melodias e harmonias mostram uma sofisticação que pode passar despercebida a ouvidos rasteiros), Suely ousa apresentar sua obra de maneira enxuta, fazendo do saudável ecletismo o seu cartão de visitas. Trafegando entre o pop rock e o que ora se convenciona chamar de “nova MPB”, ela faz seu som liqüidificando várias influências que englobam também samba, blues e baião.

Produzido com galhardia por João Gaspar, “Microswing” possui um título mais que apropriado pois somente dois músicos executam os instrumentos ouvidos em todas as faixas: o próprio João (responsável pelos instrumentos de corda, como violões de aço e nylon, guitarras, guitarra portuguesa, banjo e bandolim, além de mini moog) e Edu Szainbrum (verdadeiro mago na elegante camada percussiva). O som, contudo, não soa nada minimalista; pelo contrário, é um dos pontos altos do trabalho.

Suely abre o CD com uma parceria com Pedro Luís e Arícia Mess (o sincopado “Zona e Progresso” que já batizou anteriormente um dos discos da PLAP) e logo em seguida traz a convidada e parceira Zélia Duncan em “Imenso”, ótima canção de levada funk. Outro parceiro também se faz presente em convincente participação especial: trata-se de Zeca Baleiro em “Longe”, samba de sotaque ibérico, o melhor momento do álbum. Há ainda parcerias da artista com Glauco Lourenço (“Realejo”), Aroaldo Veneu (“John Wayne), Kali C. (“Mertiolate”) e Chico César (“Vira Lixo”, originalmente gravada pela cantora Ceumar). Sozinha, Suely assina a descritiva “Canção Brega” e a pungente “Blues Pra Ryta”, homenagem à amiga cantora Ryta de Cássia, em memória de quem, aliás, o CD é dedicado. Outros bons momentos ficam por conta do blues “Catástrofe” (parceria ao mesmo tempo ácida e hilária com Mathilda Kóvak), do quase tango “On The Rocks” e do sambinha “Qualquer Lugar”.

Se você ainda não conhece, não perca tempo porque Suely Mesquita é nome que merece reverência e respeito!

 

R E S E N H A     2

 

Cantora: MIÚCHA

CD: “MIÚCHA COM VINICIUS, TOM e JOÃO”

Gravadora: SONY & BMG

 

E como estão rendendo as comemorações dos cinqüenta anos da Bossa Nova… Entre algumas agradáveis surpresas, como o memorável encontro de Roberto Carlos e Caetano Veloso (em shows superlotados realizados apenas no Rio de Janeiro e em São Paulo) e a bela homenagem em que vários artistas da nova geração da nossa música se renderam ao talento de João Donato, muita coisa tem surgido mesmo é com o interesse em pegar carona no movimento musical que ultrapassou fronteiras e catapultou para o mundo os talentos de Vinicius de Morais, Tom Jobim e João Gilberto.

São esses três nomes que deram o mote para a gravadora Sony & BMG reunir onze faixas na coletânea que acaba de chegar às lojas e que traz como elo entre eles a cantora Miúcha. Apresentada no encarte como a única intérprete que gravou com os três (Bethânia chegou a gravar com Vinicius e João, no entanto com Tom apenas se encontrou na faixa “Anos Dourados”, constante de seu CD “Dezembros”, mas ele ao piano), Miúcha vem desenvolvendo uma carreira sóbria, nunca tendo chegado ao primeiro time do cancioneiro nacional, muito embora sua discografia seja inatacável no quesito “qualidade de repertório”.

Dona de um eterno sorriso nos lábios e de uma voz pequena (mas aveludada e bastante agradável), ela vem de uma família sempre ligada ao mundo artístico (seu pai foi o historiador Sérgio Buarque de Hollanda), o que lhe garantiu que, desde cedo, convivesse com os grandes nomes da nossa MPB. Vinicius e Tom eram amigos de seu pai e freqüentavam a sua casa. Com João ela chegou a se casar e juntos tiveram Bebel Gilberto.

Ao lado de Tom, Miúcha chegou a gravar, na década de setenta, dois álbuns inteiros, trabalhos obrigatórios em qualquer cetedeca que se preze. Daí porque é com ele que a artista divide a maioria das faixas da recém-lançada compilação, com destaques para “Vou Levando” (parceria de Caetano Veloso e do mano Chico Buarque, que conta com a participação deste), “Falando de Amor” (uma das pérolas criadas pelo Maestro Soberano) e “Triste Alegria” (insuspeita criação autoral da cantora). Com Vinicius (além de Toquinho e também Tom) ela participou de uma série de shows que deu origem a um disco ao vivo, lançado em 1977 e gravado durante apresentações no Canecão (RJ). Foi daí que se pinçaram “Minha Namorada” (do Poetinha e Carlos Lyra) e o medley final que reúne as canções “Chega de Saudade”, “Se Todos Fossem Iguais a Você” (ambas de Tom e Vinicius) e “Estamos Aí” (de Miúcha e Toquinho). É até por isso que as faixas divididas com João Gilberto terminam soando, pela raridade, como as mais preciosas: a interessante “Izaura” (parceria de Herivelto Martins e Roberto Riberti) e a obra-prima “Águas de Março” (de Tom), ambos os registros contando também com a presença de Stan Getz.

O resultado é tão legal (embora reduzido) que até um suposto caráter oportunista da gravadora se esvai, tornando-se mesmo mais interessante ouvir este belo álbum do que comentá-lo…

 

 

N O V I D A D E S

 

 

·                     “Labiata” (que vem a ser uma espécie de orquídea encontrada no Nordeste) é o belo título do aguardado CD do pernambucano Lenine, o qual estará chegando às lojas ainda este mês. Recheado de canções inéditas, o trabalho trará novas parcerias do cultuado artista com seus colaboradores costumeiros: Dudu Falcão, Lula Queiroga, Carlos Rennó e Bráulio Tavares, abrindo o leque ainda para Arnaldo Antunes e Paulo César Pinheiro. A curiosidade fica por conta de “Samba e Leveza”, letra de autoria de Chico Science recentemente musicada por Lenine.

 

·                     Como anunciado já há algum tempo, o novo DVD de Marisa Monte, que chegará às lojas também agora em setembro, vai documentar o processo de gravação de seus dois últimos CD’s (lançados em 2006), bem como a turnê do show que correu o Brasil em seguida. Intitulado “Infinito ao meu Redor”, traz a narrativa entremeada com imagens captadas nos bastidores das apresentações.

 

·                     Andréa França mostra competência no CD independente “Sal com Açúcar”. Embora ainda precise se livrar da forte influência que Ana Carolina e, por conseqüência, Isabela Taviani exercem sobre seu canto, revela-se intérprete segura, como se pode constatar através da versão personalíssima que imprimiu à bela “Avassaladora”, canção das mais corajosas de Gonzaguinha, mas pouco conhecida, posto que oriunda da fase final do inspirado compositor. Mas o álbum composto por doze faixas é predominantemente formado por músicas da própria artista, assinadas com parceiras como Sarah Benchimol e Bea Bessa. Entre os bons momentos estão as canções “Nem Sempre, Nem Jamais”, “Lap Top Love” e “Em Movimento”. Há ainda visitas à obra das veteranas Fhernanda e Isolda (“Gosto de Hortelã”) e da ascendente Simone Saback (“Me Esquece Aí”).

 

·                     A gravadora Biscoito Fino lança CD que homenageia Jorge Amado no qual trechos de seis livros do famoso escritor baiano são registrados por Fernanda Montenegro e Lázaro Ramos tendo ao fundo, como base, o belo piano de Francis Hime executando temas de sutileza ímpar.

 

·                     A carioca Monique Kessous põe nas lojas, através da gravadora Som Livre, o seu CD de estréia intitulado “Com Essa Cor”, nome da bela canção que foi incluída na trilha sonora da telenovela global “Ciranda de Pedra”. De fato, é esta, disparada, a faixa mais interessante de um trabalho que termina pecando pela falta de unidade estética. Monique canta muito bem, com voz graciosa e afinada, embora seja mais uma que surge na esteira de Marisa Monte (o que já começa a soar cansativo): basta que se ouça, por exemplo, a faixa “Pitangueira”. Também boa compositora (além das duas faixas citadas que são de sua lavra, outros ótimos momentos ficam por conta das autorais “Sala de Terê” e “Frevo Meio Angustiado”), a artista destaca-se como multi-intrumentista (toca violão, teclado, acordeão e percussão). Mas talvez na ânsia de agradar a parcelas díspares do público, incluiu desnecessariamente algumas faixas que terminam por soar deslocadas do conjunto. É o caso de “Pode Ser Que Seja Assim” (outra dela) e “O Que É Bom” (de Antônio Pedro e Bernardo Vilhena). Uma pena porque a artista poderia ter construído um disco bem legal! Monique arrisca-se ainda no terreno da bossa-nova (em “Comunique-se”, parceria com Roberto Menescal) e relê, comedida, a obra-prima “Valsinha”, de Vinicius de Moraes e Chico Buarque.

 

·                     A cantora portuguesa Eugenia Melo e Castro sempre esteve em voga em terras brasileiras. Tanto é assim que acabam de chegar ao mercado nacional dois bons títulos de sua vasta discografia: “Paz” e “POPortugal”. Também o seu tributo a Vinicius de Moraes mereceu nova e caprichada edição que já se encontra disponível.

 

 

RUBENS LISBOA é compositor e cantor


Quaisquer críticas e/ou sugestões serão bem-vindas e poderão ser enviadas para o e-mail: rubens@infonet.com.br

 

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