M U S I Q U A L I D A D E R E S E N H A 1 Um dos maiores nomes da música nordestina, Alceu Valença despontou para o reconhecimento nacional a partir da década de oitenta, com a explosão de sucessos como “Coração Bobo”, “Na Primeira Manhã” e “Tropicana”. Pernambucano, desde a tenra infância ele se viu envolvido com a música. Advogado formado, a paixão pelas artes arrebatou-o de tal forma que o fez abandonar a profissão acadêmica. Estreou em disco em 1972 com um trabalho dividido com o paraibano Geraldo Azevedo. Para muitos, a maior importância de sua obra foi misturar as raízes do Nordeste com o pop e o rock, unindo zabumba e guitarra em doses salutares. A real importância de Alceu no nosso cancioneiro, no entanto, é bem maior que isso e se dá menos por conta do invejável time de intérpretes que tomaram para si algumas de suas canções (Maria Bethânia, Elba Ramalho e Amelinha estão entre elas) do que pela beleza delas. São músicas que, muitas vezes, soam atemporais e parecem lhe ter sido sopradas pelo vento. Com uma discografia considerável, é claro que, dentre os seus trabalhos lançados, alguns temas, em determinadas épocas, alcançaram maior receptividade que outros. E a razão disso se faz subjetiva demais, passando ao largo de quesitos como beleza melódica ou criatividade da letra. Algumas canções ótimas, de fina construção e acabamento, terminaram passando ao largo do grande reconhecimento, sucumbidas por hits como “Como Dois Animais”, “Anunciação”, “Estação da Luz”, “Cheiro da Saudade”, “Leque Moleque”, “La Belle de Jour” e “Paixão”. Doze canções do que corriqueiramente se chama de “lado B” (as quais percorrem o período de exatos vinte anos de sua produção, de 1974 a 1994) acabam de ressurgir através do CD “Ciranda Mourisca”, o mais recente trabalho de Alceu que acaba de chegar às lojas via gravadora Biscoito Fino. Revestidas por arranjos orgânicos através dos quais se tenciona inseri-las no universo lúdico das cirandas praieiras (daí o título do trabalho), ao mesmo tempo em que se tenta ressaltar influências ibéricas que se lhes parecem intrínsecas, as canções soam verdadeiramente rejuvenescidas. Alceu, que sempre cantou muito bem, continua mandando acima da média. O peso do tempo parece não ter recaído sobre sua voz afinada e possante. Dono de estilo próprio (embora imitado por vários), o artista conhece muito bem o terreno onde está pisando, não apenas porque as canções são de sua lavra, mas porque faz uso, como base, do violão e da guitarra de Paulo Rafael, grande músico que o acompanha desde os idos primórdios. Quanto à competente e fina camada percussiva alternada entre Edwin de Olinda e Jean Dumas, esta só vem ratificar o clima etéreo do trabalho. A única canção constante do repertório inédita em sua voz é “Ciranda da Rosa Vermelha”. Foi ela – diga-se de passagem – o pontapé inicial para o projeto. O disco resulta homogêneo, mas como de costume há alguns momentos que merecem destaque. “Loa de Lisboa”, por exemplo, e sua correlação entre o regional e o cosmopolita, remete com propriedade ao poeta Fernando Pessoa. Já o anjo torto de Carlos Drummond de Andrade aparece em “Maracajá” e São Jorge Amado redime o ódio dos abandonados (e dos apaixonados) em “Chuva de Cajus”. Por derradeiro, não dá para esquecer a suavidade singularíssima de “Íris”, abrindo espaço para a metáfora inteligente de “Sino de Ouro”. Alceu Valença, ao revisitar sua obra, o faz revelando e renovando nuances, o que termina conferindo ao CD recém-lançado um insuspeito ar de novidade. Muito legal! R E S E N H A 2 Famosa por ser a vocalista da banda Kid Abelha, uma das poucas surgidas nos anos oitenta que ainda mantém praticamente intacta a popularidade (embora no momento se encontre em período de recesso indefinido), Paula Toller acaba de fazer chegar às lojas o seu primeiro CD ao vivo, o terceiro da carreira solo que vem desenvolvendo paralelamente ao trabalho com o aludido grupo. O disco chega ao mercado concomitantemente a um DVD, igualmente registrado durante apresentação da loira no Teatro Oi Casa Grande, no Rio de Janeiro, em agosto do ano passado. O trabalho ora em tela é o desdobramento de “SóNós”, seu álbum lançado em 2007 que, embora bastante elogiado pela crítica especializada, terminou não obtendo a receptividade merecida junto ao público consumidor. O título inteligentemente escolhido do novo projeto, “Nosso”, surge como anagrama e é nítida referência ao disco que lhe deu origem. A verdade é que Paula vem amadurecendo seu canto ao longo dos anos. A jovem que era tida como desafinada no começo da carreira, estudou com afinco e hoje sua voz pequena, doce e agradável dá sinais de incontestável evolução. Sua presença cênica é potente (ela se transformou também em uma mulher de inquestionável beleza) e a timidez de outrora deu lugar a uma confortável entrega à platéia que, recíproca, termina cantando com ela várias das canções apresentadas. Também compositora, Paula incluiu no eclético repertório (disposto em vinte faixas), boas músicas de sua autoria, como “Oito Anos” (composta com o baixista Dunga para o seu filho Gabriel, então criança, e que, há pouco tempo, recebeu delicada releitura de Adriana Calcanhotto em seu projeto infantil), “Você Me Ganhou de Presente” (parceria com Coringa e Paul Ralphes, este o produtor musical do projeto) e “Grand’Hotel” (que compôs ao lado de George Israel e do maridão, o cineasta Lui Farias), em sutil versão de piano e voz. Já com o ex-companheiro Herbert Vianna, ela pinça os sucessos “Nada Por Mim” e “Derretendo Satélites”, uma das faixas de maior aceitação de seu disco de estréia. Daquele trabalho ela resgata também “1.800 Colinas” (de Gracia do Salgueiro, delicioso samba que se transformou em hit, no começo da década de setenta, na voz de Beth Carvalho), “E o Mundo Não Se Acabou” (de Assis Valente, originalmente registrada por Carmen Miranda) e “Fly Me To The Moon” (de Bart Howard). Mas a base do repertório vem mesmo do disco anterior. Estão lá, por exemplo, “O Q É Q Eu Sou” (canção que ganhou de Erasmo Carlos), “Meu Amor Se Mandou Pra Lua” (de Nenung), “Pane de Maravilha” (de Dado Villa-Lobos e Fausto Fawcett, outra composta para o filho, agora em fase adolescente) e “Glass” (de Kevin Johansen, que surge como convidado especial). Esperta, a artista também inseriu no set list algumas canções que nunca havia interpretado. E o fato é que se sai muito bem, seja em linhas melódicas mais complexas (a tropicalista “Mamãe Coragem”, de Caetano Veloso e Torquato Netto), seja quando reúne em apropriado medley canções mais fáceis (“Saúde”, de Rita Lee e Roberto de Carvalho, e “Só Love”, do MC Buchecha). Paula Toller vem sedimentando sua carreira solo com perspicácia e talento e, se não é representante do tipo de cancioneiro que satisfaz aos gostos mais exigentes, vem cumprindo com elogiável rigorismo técnico e artístico aquilo a que se propõe. Ponto pra ela! N O V I D A D E S · Léo Gandelman é conhecido nacionalmente pela destreza com que domina o sax. Músico atuante, também já assinou a produção de discos de vários nomes da nossa MPB e trabalhou com quase todos os grandes expoentes do nosso cancioneiro. Com trânsito livre na área musical, arregimentou artistas como Milton Nascimento, Chico Buarque e Caetano Veloso como convidados de seu novo e ótimo CD que chegou recentemente às lojas através da gravadora EMI. Intitulado “Sabe Você”, o álbum é composto por onze faixas, mas apenas três delas são instrumentais. As demais contam com intervenções vocais que dão um brilho todo especial ao trabalho. Estão lá, além dos três já citados acima, Leila Pinheiro, Luiz Melodia, Ney Matogrosso, Leny Andrade e Lirinha (vocalista da banda Cordel do Fogo Encantado). Para quem gosta de música de bom gosto e qualidade, este é um CD obrigatório. Em tempo: também está disponível no formato DVD. · O diretor Jayme Monjardim, filho da cantora Maysa, recolheu alguns escritos da mãe famosa e os repassou para alguns compositores a fim de que eles ponham melodia nos versos de cunho autobiográfico. Dentre os que receberam essas preciosidades estão Lenine, Jorge Vercillo e Nando Reis. · Em abril, durante realização de show na casa de espetáculos Vivo Rio, a cantora Roberta Sá estará registrando as imagens que servirão de base para o seu primeiro DVD. Quem viver, verá! · O selo Discobertas, de propriedade de Marcelo Fróes, põe nas lojas mais um título. Desta vez é o volume dedicado à obra do ex-beatle George Harrison. Em uma compilação que reúne gravações antigas e recentes, o repertório composto por dez faixas traz canções interpretadas, entre outros, por Zé Ramalho (em registro inédito), Zizi Possi, Evinha, Rosa Maria e Chitãozinho & Xororó. · Bena Lobo lança “Sábado Ao Vivo”, registro de show realizado no Teatro Rival. Entre boas composições próprias (“Espelho da Noite”, parceria com Paulo César Pinheiro, “Estrada”, com Pedro Holanda, e “Imagem e Semelhança”, com Kiko Continentino e Milton Nascimento) e releituras medianas para obras-primas da MPB (“Borzeguim” e “O Boto”, de Tom Jobim, “Quem Te Viu, Quem Te Vê”, de Chico Buarque, e “It’s a Long Way”, de Caetano Veloso), o artista denota ainda se encontrar indeciso sobre qual caminho musical deve seguir. Há participações especiais do pai, o grande Edu Lobo (em “Beatriz”), do grupo Pedro Luís e A Parede (em “Beijo Bom” e “Sangue de Índio”) e de João Donato (em “Lugar Comum” e “Tal Felicidade”). · O disco oficial de “Caminho das Índias” estará chegando ao mercado logo depois do Carnaval e traz tanto algumas gravações mais recentes (“Martelo Bigorna”, com Lenine, “Eu Nasci Há Dez Mil Anos Atrás”, com Nando Reis, “Uma Prova de Amor”, com Zeca Pagodinho, e “Sob Medida”, com Isabella Taviani) como outras mais antigas (“Vamos Fugir”, com Gilberto Gil, “Amor, Meu Grande Amor”, com Ângela Ro Ro, “Feliz” com Gonzaguinha, e “Dois Pra Lá, Dois Pra Cá”, com Elis Regina). Na verdade, soa meio que como um balaio de gatos, nada diferente, aliás, do que aquilo que a gente vê no ar diariamente. Outros nomes presentes no CD são Pitty, Paula Toller, Emílio Santiago, Erasmo Carlos, Nara Leão e Zélia Duncan, mas a surpresa maior fica por conta da debochada “Você Não Vale Nada” no registro da banda sergipana Calcinha Preta. É nosso Estado chegando, enfim, às trilhas sonoras das telenovelas globais. RUBENS LISBOA é compositor e cantor
Cantor: ALCEU VALENÇA CD: “CIRANDA MOURISCA”
Gravadora: BISCOITO FINO
Cantora: PAULA TOLLER CD: “NOSSO”
Gravadora: INDEPENDENTE
Quaisquer críticas e/ou sugestões serão bem-vindas e poderão ser enviadas para o e-mail: rubens@infonet.com.br
Comentários