Musiqualidade, por Rubens Lisboa

M U S I Q U A L I D A D E

 

 

R E S E N H A     1

 

Cantores: VÁRIOS

CD: “TRIBUTO A CAZUZA”

Gravadora: SOM LIVRE

 

Legenda
Cazuza surgiu, no começo dos anos oitenta, capitaneando a banda Barão Vermelho e ali, durante cinco anos, foi o maior porta-voz de uma geração com todas as suas conquistas e contradições. Nascido em berço de ouro, ele – filho único – desde cedo aprendeu a conviver com grandes astros da MPB pelo fato de ser seu pai, João Araújo, diretor da gravadora Som Livre, e sua mãe, Lucinha Araújo, cantora esporádica mas com grande trânsito na sociedade carioca.

Quando, em 1985, desligou-se do grupo, optando por uma carreira solo, já tinha alcançado respeito enquanto compositor e, ao lado do parceiro Frejat, era frequentador assíduo das paradas de sucesso com canções como “Pro Dia Nascer Feliz”, “Maior Abandonado” e “Bete Balanço”.

Depois de lançar seu primeiro trabalho individual (o qual trouxe, dentre outras, as canções “Codinome Beija-Flor” e “Exagerado”), a bombástica notícia de que era portador de aids tomou proporções tais (numa época em que os remédios para a doença ainda não existiam) que pareceu maior que os bons cinco discos que ainda gravaria a seguir (o último deles, lançado após seu falecimento). Mesmo diante do tormento, ele ainda teve cacife para lançar temas antológicos como “Brasil” (petardo explosivo contra a corrupção nacional que ganhou projeção na voz de Gal Costa), “O Tempo Não Pára” (na qual, de forma contundente, berrava contra o sistema), “Ideologia” (um dos mais bem acabados rocks nacionais de todos os tempos) e “Faz Parte do Meu Show” (que se transformou em insuspeita bossa-nova). No final da vida, era levado ao estúdio carregado, chegando a gravar algumas canções deitado, por conta da debilidade física.

Foi em homenagem a essa figura única que alguns colegas seus se reuniram, no ano passado, na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, e realizaram show, o qual foi devidamente registrado e resultou no CD de quatorze faixas que acaba de chegar às lojas (também disponível em DVD). Todas as músicas citadas até aqui nesta resenha estão lá, completadas por outras bastante conhecidas como “Por Que a Gente É Assim?”, “Preciso Dizer Que Te Amo” e “O Nosso Amor a Gente Inventa”. Também fazem parte do repertório a menos conhecida (mas bacanérrima) “Vem Comigo” e “Vida Louca Vida” (que, apesar de ser de autoria de Lobão em parceria com Bernardo Vilhena, fez-se apropriada por Cazuza). Artistas que conviveram com o artista fizeram questão de estar presentes. É o caso de Sandra de Sá, Ney Matogrosso, Leoni e Paulo Ricardo. Outros que surgiram depois também estão lá: Liah, Rodrigo Santos, Gabriel O Pensador, Gabriel Thomaz e Preta Gil. E os fãs confessos Caetano Veloso e Zélia Duncan marcam presença de maneira carinhosa. Mas a curiosidade maior fica por conta da inclusão de “Malandragem” na interpretação de Ângela Ro Ro (a canção foi grande sucesso na voz de Cássia Eller, mas teria sido entregue inicialmente a Ro Ro que, a princípio, não se identificou com ela).

Embora a sonoridade do disco não seja das melhores (e o fato de o som ter sido colhido ao vivo não justifica porque atualmente a tecnologia de ponta existente pode contornar qualquer adversidade) e os arranjos não contenham arroubos de inventividade (muito pelo contrário, a maioria deles tenta seguir o padrão das gravações originais), o álbum se sustenta pelo constatável clima de união entre os nomes presentes e (principalmente) pela qualidade inquestionável das canções.

Cazuza pode não ter sido um exemplo de vida a ser seguido (pelo muito de excesso que cometeu, embora cada um saiba de si), mas deixou um legado de grandes músicas que não devem ser esquecidas. Projetos assim servem para renovar a memória de muitos e trazer para os mais jovens a obra desse grande compositor.  

 

 

R E S E N H A     2

 

Cantores: CARLOS LYRA, ROBERTO MENESCAL, MARCOS VALLE e JOÃO DONATO

CD: “OS BOSSA NOVA”

Gravadora: BISCOITO FINO

 

Legenda
Tudo bem que as canções mais representativas já foram regravadas à exaustão. Tudo bem também que muitos acham supervalorizado um movimento que, embora tenha vendido para o mundo a ideia de um Brasil bem resolvido musicalmente, terminou se restringido a um punhado de músicas criadas por um grupo bem restrito de compositores. Mas o fato é que, mesmo tendo completado meio século de vida no ano passado, ainda rende (principalmente para o bolso de alguns, no que tange a direitos autorais) a tal da (hoje já velha) Bossa Nova.

Os seus compositores mais conhecidos – todo mundo sabe – foram Tom Jobim e Vinicius de Moraes. Seus intérpretes da linha de frente – todo mundo também sabe – foram João Gilberto e Nara Leão (embora, por incrível que pareça, ela efetivamente só tenha dedicado um disco às canções bossa-novísticas mais de uma década depois do seu boom inicial). Mas o fato é que existem outros autores que sempre estiveram ali por perto, contribuindo para que a eclosão do “banquinho e violão” pudesse ocorrer. Os acordes dissonantes e as letras tidas por muitos como superficiais faziam parte também, em meados da década de sessenta, do universo musical de Roberto Menescal (autor de diversos sucessos ao lado do parceiro Ronaldo Bôscoli), de Marcos Valle (que criou ótimos temas ao lado do irmão, Paulo Sérgio Valle) e de Carlos Lyra (que compôs grandes canções à época, muitas delas divididas com o Poetinha).

A ideia de juntar esses três artistas e mais João Donato (compositor versátil e exímio pianista que, de fato, não abraçou aquele movimento, mas sempre mostrou grande admiração por ele) partiu do produtor musical José Milton. O projeto logo soou legal ao ouvido dos envolvidos e foi encampado, de pronto, pela gravadora Biscoito Fino, resultando no CD “Os Bossa Nova”, lançado no finalzinho do ano passado, mas que merece ser trazido a lume muito mais pelo encontro de quatro grandes artistas do que pelo resultado final.

Não que o álbum não soe redondo. Cercado de músicos de ponta, tais como Jorge Helder (baixo), Jaques Morelenbaum (cello), Jessé Sadoc (trompete), Paulo Braga (bateria) e Dirceu Leite (sax e flauta), isso seria quase impossível de acontecer. A questão é que o repertório traz poucas novidades e as raras inéditas resultam inequivocamente bem inferiores quando comparadas às outras (caso de “Balansamba”, por exemplo).

O ponto mais positivo desse trabalho é constatar o real e sincero entrosamento entre eles. Apenas duas das quatorze faixas trazem os quatro juntos. São elas: “Samba do Carioca” e a razoável “Bossa Entre Amigos” (muito mais instrumental porque os versos mesmo só são cantados nos segundos finais). Nos demais momentos, há alternância entre duos e números solos. Nestes, enquanto Menescal desfia a sua antiga “Vagamente”, Donato prefere arriscar-se com a mais recente “De um Jeito Diferente”. E se Lyra resgata a pouco conhecida “Ciúme”, Valle revisita pela enésima vez a bonita (mas monocórdia) “Até Quem Sabe”.

Alguns dos melhores momentos ficam por conta dos encontros de Menescal e Donato em “Tereza da Praia” (que recentemente mereceu regravação de Roberto Carlos e Caetano Veloso) e de Lyra e Valle em “Gente”. Há, ainda, as instrumentais “Sextante”, “A Cara do Rio” e “Entardecendo”.

Um CD que celebra o encontro de quatro artistas que, sessentões, ainda denotam intacto o amor à música!

 

 

N O V I D A D E S

 

·                     Chega às lojas o segundo CD do cantor e compositor pernambucano Armando Lôbo. Trata-se de “Vulgar & Sublime”, trabalho que tenta quebrar os limites geralmente impostos aos arranjos mais tradicionais. Enquanto a faixa “Canto Malê” combina três tempos diferentes de compasso, fundindo música islâmica, afoxé e MPB, “S.O.S. Reversos” possui letra bastante interessante, construída em forma de palíndromos. Alguns dos melhores momentos ficam por conta de “O Quereres” (de Caetano Veloso, desconstruída em visceral arranjo de maracatu), de “A Favor do Vento” e de “Capideira-Parteira”.

 

·                     Até o final deste mês estará nas lojas o volume 2 da trilha sonora da insossa telenovela global “Três Irmãs”. Dentre os fonogramas compilados pela gravadora Som Livre estão “Meu Mundo É o Barro” (com O Rappa), “Grilos” (com Marina Machado), “Um Dia Desses” (com Adriana Calcanhotto), “De Repente Califórnia” (com Lulu Santos) e “Neidinha” (com Chico Carvalho). O CD mistura gravações nacionais com algumas em idioma estrangeiro.

 

·                     O show que Simone e Zélia Duncan vêm realizando juntas (e que deu origem ao CD e DVD “Amigo é Casa”, lançados no ano passado pela gravadora Biscoito Fino) chega esta semana em terras lusitanas. O público de Portugal certamente se deleitará com esse encontro que deu mais do que certo. Uma pena que o espetáculo ainda não tenha passado aqui por Aracaju…

 

·                     Através da gravadora EMI, acaba de chegar ao mercado o segundo CD do jornalista e empresário Zé Maurício Machline. Ele, que também apresenta um programa televisivo no qual entrevista celebridades, possui respeitável acesso junto à classe artística em geral e, sendo assim, arregimentou alguns grandes nomes para participarem do novo trabalho. São quinze faixas nas quais se podem verificar as presenças de Milton Nascimento, Lenine, Ney Matogrosso, Zélia Duncan, Orlando Moraes, Zeca Pagodinho, Roberta Sá, João Bosco e Luiz Melodia. A voz pequena de Zé Maurício até que não faz feio, mas comprometeu o resultado de certas faixas porque alguns dos convidados terminaram tendo que gravar em tons muito baixos para poder acompanhar o anfitrião. Os melhores momentos ficam por conta de “Água da Minha Sede”, “Ame” e “A Flor e o Espinho”.

 

RUBENS LISBOA é compositor e cantor


Quaisquer críticas e/ou sugestões serão bem-vindas e poderão ser enviadas para o e-mail: rubens@infonet.com.br

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