Musiqualidade, por Rubens Lisboa

M U S I Q U A L I D A D E

 

 

R E S E N H A     1

 

Cantora: VERÔNICA FERRIANI

CD: “VERÔNICA FERRIANI”

Gravadora: INDEPENDENTE

 

A garota de oito anos que ganhou um violão e se apaixonou, de imediato, pelo cancioneiro nacional transformou-se não apenas em uma mulher que chama a atenção pela beleza morena e exótica, mas também em uma ótima cantora, tanto que vem colecionando participações em discos de artistas exigentes (Chico Saraiva e Flávio Henrique, por exemplo) e ganhando elogios da crítica especializada.

É ela, a paulista Verônica Ferriani, que acaba de lançar, de maneira independente, o seu primeiro CD, o qual vem com a caprichada assinatura de BiD na produção musical. O disco, todo ele gravado em Sampa, foi masterizado em Nova York, o que já mostra o esmero do trabalho.

 

A cantora já realizou apresentações com grandes nomes da nossa MPB, tais como Billy Blanc, Moacyr Luz, Beth Carvalho, Moska, Luiz Melodia, Alcione e Francis Hime e participou do programa global Som Brasil dedicado a Ivan Lins. Toda essa cancha lhe despertou a certeza de que estava na hora de gravar o seu álbum de estreia. Assim, nasceu o CD homônimo que vem composto por dez faixas.

 

Verônica não compõe e talvez o fato de ser só intérprete tenha contribuído para que somente duas das canções apresentadas serem inéditas: a delicada “Bem Feito” e a contagiante “Na Volta da Ladeira”, esta um frevo que conta com o azeitado naipe de metais da Spok Frevo Orquestra, sem dúvida dois dos melhores momentos do disco. Ambas são parcerias de Rubens Nogueira com o sempre surpreendente Paulo César Pinheiro, um dos mais profícuos e talentosos letristas brasileiros que, não obstante tantos anos de criação, ainda mantém uma criatividade inabalável.

 

O CD é aberto com uma canção lado B de Gonzaguinha, da fase em que ele era um crítico mordaz das mazelas sociais. A revolta e a ironia presentes ressaltam um compositor que sempre sabia dizer o que queria de forma veemente, mas com grande elegância. Verônica mostra-se aí bem à vontade, muito pela experiência que possui no terreno do samba. E se logo a seguir a bilíngue “If You Want To Be A Lover” (de Oscar Brown Jr. e Luiz Henrique) mostra-se com um pé na bossa-nova (embora traga uma zabumba na sua base), mais adiante o romantismo se faz presente com a inclusão de “Eu Amo Você” (de Cassiano e Silvio Rochael, um dos grandes sucessos da carreira de Tim Maia). Revestida com tintas suaves, a conhecida canção se sustenta em meio a regravações de temas poucos conhecidos. Fazem parte dessa seara “Perder e Ganhar” (samba não dos mais inspirados de Paulinho da Viola) e “Com Mais de 30” (de Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle), uma boa sacada, vez que, desde quando alcançou, nos anos setenta, as paradas de sucesso na voz da cantora Cláudya, a interessante canção não havia ganhado um novo registro à altura.

 

Outro resgate bem interessante é o de “Fez Bobagem”, faixa pinçada do repertório de Carmen Miranda, na qual Verônica exibe um suingue invejável. Completam o tímido repertório (no que tange a quantidade) a mezzo-latina “Ahiê” (de João Donato) e “Retalhos” (de Paulo Debétio e Paulinho Rezende) que, mesmo sendo uma boa canção, soa um pouco deslocada das demais.

 

Verônica tem uma voz de bonito timbre mas tem que vencer o desafio de não soar comum em meio a tantas outras intérpretes que já existem por aí. Dona de considerável técnica e divisão rítmica apurada, ela pode se destacar se daqui por diante se permitir ousar mais. O CD recém-lançado não deixa de ser legal, todavia para vingar neste país de cantoras, além de sorte e perseverança, é necessário saber direcionar a carreira para um nicho que ainda não esteja explorado à exaustão. Ao se conscientizar disso, Verônica Ferriani estará de fato pronta para vôos bem mais altos… 

 

 

R E S E N H A     2

 

Cantora: MARIA ALCINA

CD: “CONFETE E SERPENTINA”

Gravadora: INDEPENDENTE / TRATORE

 

Logo em sua estreia, a mineira Maria Alcina roubou todas as atenções. Aquela mulher altíssima e magérrima, de voz supergrave empolgou, em 1972, um Maracanãzinho lotado quando defendeu no VII Festival Internacional da Canção, com grande êxito, a canção “Fio Maravilha”, de autoria de Jorge Ben Jor. Nos anos seguintes, lançou dois grandes discos que continham temas que garantiram a sua permanência, por meses, no topo das paradas. Entre eles estavam “Alô Alô” (de André Filho) e “Kid Cavaquinho” (de João Bosco e Aldir Blanc), sucessos que fizeram com que sua imagem, até hoje, ficasse cravada no inconsciente coletivo, o que muito foi ajudado pelas diversas e divertidas apresentações que fazia nos programas televisivos mais populares da época, como os de Silvio Santos e Chacrinha. Por sua postura sempre extravagante, ela chegou, no período da ditadura, inclusive, a responder processo por comportamento subversivo.

 

Na década de oitenta, a cantora desviou-se um pouco do caminho original e chegou a flertar com músicas de duplo sentido como “Prenda o Tadeu” (maior sucesso da nossa Clemilda) e “Bacurinha”. Depois de um período longe dos estúdios, gravou em 1992 o disco “Bucaneira” no qual chegou a registrar até uma canção assinada por Pelé (“Acredita no Véio”). Outra pausa considerável se deu até que em 2003 juntou-se ao grupo Bojo e pôs no mercado o CD “Agora”, uma incursão pela seara eletrônica que trazia como destaques as contagiantes “Kataflan” e “Eu Dei” (de Ary Barroso).

 

Foi no ano passado que Alcina resolveu voltar com força total e gravou onze faixas que resultaram no trabalho denominado “Confete e Serpentina”. Inicialmente disponibilizado no portal UOL Megastore para download pago, o projeto obteve considerável aceitação de um público que parece ávido por redescobrir nomes de um passado não muito distante, tornando-os o que se convencionou chamar de “cult”. Muito bom isso porque Alcina, embora corresse por fora do mercado, sempre se mostrou uma intérprete versátil. Com voz poderosa, ela comumente optou por caminhos pouco convencionais e decerto pagou seu preço por algumas escolhas equivocadas. Nada, no entanto, que venha a ofuscar o seu incontestável talento.

 

E isso fica claro quando agora chega às lojas, no formato tradicional de CD e com a distribuição da Tratore, o álbum que leva a assinatura de Maurício Bussab, um dos componentes do já citado Bojo. Além dele e do resto do pessoal que integra o grupo, estão presentes outros fãs de Alcina como a banda Numismata (que ajudou a fundar o estilo indie-samba), Felipe Julian (integrante da também eletrônica banda Axial) e o multi-instrumentista Tatá Aeroplano.

 

O repertório traz (ainda bem!) poucas regravações. Algumas pouco acrescentam, como é o caso de “Cachorro Vira-Lata” (de Alberto Ribeiro) e “Eu Quero É Botar Meu Bloco Na Rua” (de Sérgio Sampaio), uma vez que já revisitadas à exaustão. Mas outras são sacadas muito legais, como “Açúcar Sugar” (insuspeita parceria entre Tom Zé e Lô Borges) e especialmente “Roendo as Unhas” (belo e pouco conhecido samba da lavra de Paulinho da Viola). Esperta e antenada, Alcina pinçou temas de nomes em ascensão no meio musical, a exemplo de Wado (“Não Pára”), Moisés Santana (“Espaço Sideral”) e Roseli Martins (“Regador”). Mas é nas faixas derradeiras que o CD aumenta de temperatura e a artista mostra que a alegria carnavalesca é mesmo o seu cartão de visitas: “Das Tripas, Coração” e “Maria Alcina, Confete e Serpentina” (ambas de Adalberto Rabelo Filho, a primeira em parceria com Piero Damiani) são de fato contagiantes. Completam o repertório boas músicas de Alzira Espíndola e Arruda (“Colapso”) e de Ronei Jorge (“O Drama”).

 

Maria Alcina é cantora que tem cancha para voltar a brilhar. E esse novo CD bem que pode ajudá-la no seu intento…

 

 

N O V I D A D E S

 

·      Já se encontra disponível, via Zambo Discos, o primeiro CD de Ovídio Brito através do qual ele homenageia o cancioneiro de Martinho da Vila. “Viajando com Martinho” é o primeiro álbum que o artista, aos sessenta e três anos, lança cantando, ele que é um dos grandes percussionistas brasileiros, tendo já acompanhado os maiores nomes da nossa música. São dezoito canções, dispostas em quinze faixas, e que receberam as participações especiais de Zeca Pagodinho, Mart’nália, Almir Guineto, Arlindo Cruz, Sandra de Sá, Analimar e Ana Costa, esta também assinando a produção do trabalho, ao lado de Bianca Calcagni. Ovídio tem boa voz, realmente talhada para o samba e, como não poderia deixar de ser, é dono de um senso rítmico fora-do-comum. Dentre os melhores momentos estão as faixas “Coração de Malandro”, “Leila Diniz”, “Cidadã Brasileira”, “Samba da Cabrocha Bamba” e “Plim Plim”, todas elas deliciosas. Muito legal!

 

·       A boa cantora Aline Calixto acaba de ser contratada pela gravadora Warner e já seleciona o repertório do novo CD entre canções inéditas de artistas de diferentes gerações e composições próprias.

 

·      Ana Cañas lançou seu primeiro CD (“Amor e Caos”) em 2007, acompanhada de grande expectativa. O retorno não foi o esperado, mas mesmo assim a gravadora Sony & BMG continua apostando na cantora, tanto que já programa para este ano o lançamento de um segundo trabalho, o qual será pilotado pelo experiente produtor musical Liminha. Quem viver, ouvirá!

 

·      Laura Finocchiaro lança, através da gravadora Velas, seu mais novo trabalho, o CD “Lauras”, o melhor de sua trajetória. Também uma compositora talentosa, é como boa intérprete que Laura se destaca, pondo sua voz a serviço de cada canção, ora soando sussurrante como na elaborada faixa-título, ora fazendo-se mais ríspida para acompanhar o peso do arranjo de “Avenida Paulista”, dois dos melhores momentos do disco. Do repertório alheio ela pinçou “Frases” (de Jorge Ben Jor) que se adequa perfeitamente ao restante do álbum, o qual traz ainda a regravação de sua parceria mais famosa, a canção “Tudo É Amor”, feita ao lado de Cazuza e gravada originalmente por Ney Matogrosso. Outros bons momentos ficam por conta dos sambas “Leve-me, Love” e “Nossa Maria”, do tango estilizado “O Longo Adeus” e do pseudo-coco “Conexão”. Vale a pena conhecer!

 

·       Vendo sua carreira ser resgatada nos últimos tempos, o mineiro Marku Ribas, conhecido por seu insuperável suingue, lança DVD dentro da série “Toca Brasil”, editada pelo Itaú Cultural. Em plena forma como compositor, o artista apresenta dez canções inéditas dentre as quatorze que compõem o repertório. Os destaques ficam por conta das canções “Arreia”, “Neguin Robertin” e “Laguna de Dagmar”.

 

·      Maria Bethânia já começou, de fato, a formatar o seu próximo CD de canções inéditas, o qual deverá ser lançado até o final deste ano. A Abelha-Rainha recebeu músicas novas de Adriana Calcanhotto e Vanessa da Mata, além parcerias assinadas por Chico César e Moska e por J. Velloso e Jorge Vercillo. Falando nela, chegará, enfim, em abril às lojas o DVD do show “Dentro do Mar Tem Rio” que a diva levou a diversos palcos do país antes mesmo de seu aclamado projeto ao lado da cubana Omara Portuondo.

 

 

RUBENS LISBOA é compositor e cantor


Quaisquer críticas e/ou sugestões serão bem-vindas e poderão ser enviadas para o e-mail: rubens@infonet.com.br

 

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