MUSIQUALIDADE, por Rubens Lisboa

M U S I Q U A L I D A D E

 

 

R E S E N H A     1

 

Cantor: VANDER LEE

CD: “FARO”

Gravadora: DECKDISC

 

Há doze anos, impulsionado pela receptividade obtida nos limites das Geraes, o compositor mineiro Vander Lee gravou o seu primeiro CD e o lançou de maneira independente. Ainda adotava artisticamente o seu nome de batismo e o álbum homônimo “Vanderly” foi o pontapé inicial de uma vitoriosa carreira. Ali, já apresentava canções como “Contra o Tempo” e “Atriz”, as quais viria a reincluir em trabalhos futuros. Não foi à toa que a extinta gravadora Kuarup o chamou, logo em seguida (em 1999), para lançar o elogiado disco “No Balanço do Balaio” que apresentava canções deliciosas, a exemplo de “Românticos” e “Neném”, outros grandes sucessos. À época, cantoras de diferentes gerações começaram a registrar músicas de Vander (hoje, o artista tem sua obra interpretada por, entre outras, Alcione, Elza Soares, Rita Ribeiro, Gal Costa e Leila Pinheiro), o que lhe serviu como um atestado de qualidade. Tanto que em 2003, quando lançou o seu primeiro CD ao vivo, canções como “Esperando Aviões” e “Onde Deus Possa Me Ouvir” já eram bem conhecidas pelo público. E se, em 2005, foi a vez de chegar ao mercado “Naquele Verbo Agora” (que trouxe hits como “Breu” e “Meu Jardim”), no ano seguinte os seus já incontáveis fãs receberam de presente “Pensei Que Fosse o Céu”, novo registro ao vivo que trazia como destaques do repertório as belas faixas “Do Brasil” e “A Voz”.

Vander é um tipo raro de compositor que consegue criar canções facilmente assimiláveis sem resvalar em chavões ou construções melódicas de gosto duvidoso. Talentoso, sua presença tímida no palco vem sendo trabalhada e é compensada por uma obra que traz assinatura própria. Sua voz, ainda que mais anasalada que o padrão, vem ganhando segurança e isso pode ser perfeitamente comprovado através de “Faro”, o mais recente CD do artista que acaba de chegar às lojas através da gravadora Deckdisc. Nele, Vander se mostra à vontade interpretando boa safra de inéditas e passeia tranquilo, seja por tessituras mais agudas (como em “Fui”, que tem toda pinta de que irá emplacar), seja por registros mais graves (o que ocorre na inspirada “O Baile dos Anjos”, que conta com a participação especial da cantora Regina Souza, sua esposa).

Produzido pelo guitarrista Marcelo Sussekind, nome mais associado ao universo do rock, o disco é composto por uma dúzia de canções, das quais somente uma é regravação: “Ninguém Vai Tirar Você de Mim” (de Edson Ribeiro e Hélio Justo), tema da Jovem Guarda que alcançou as paradas de outrora na voz de Roberto Carlos e que agora conta com um trecho final em rap a cargo de Renegado. É o momento mais pop de um trabalho que reúne baladas (“Ponto de Luz” e “Cacos”) e canções de contornos rítmicos contagiantes (“Do Bão”, parceria com Leo Minax, e  a excelente “Nega Nagô”, composta com Murilo Antunes). É claro que há (ótimos) momentos mais intimistas (“Desejo de Flor” e a bela “Farol”), mas não há mesmo é como deixar de destacar a deliciosa “Nunca Não” (em que Vander pisa em terreno até então inexplorado, o fox-country), a bem escolhida primeira faixa de trabalho “Eu e Ela” e a parceria póstuma realizada com Cartola que resultou na densa e melancólica sambossa “Obscuridade”.

Vander Lee segue, assim, uma bem sucedida trilha, trazendo um CD que vem consolidá-lo como um dos mais talentosos artistas da atual geração da nossa música.

 

 

R E S E N H A     2

 

Cantora: ADRIANA PEIXOTO

CD: “ADRIANA PEIXOTO”

Gravadora: INDEPENDENTE

 

Como em todas as áreas, para uma cantora começar a fazer sucesso precisa, muitas vezes, mais que talento. Considerável dose de sorte, estar no lugar correto na hora certa e saber se cercar de pessoas formadoras de opinião são requisitos também essenciais em um mundo cada vez mais globalizado e recheado de cantantes.

Não sei se Adriana Peixoto terá a chance de ser, em breve, reconhecida nacionalmente porque desde que lançou o seu primeiro estupendo CD, no final do ano passado, muito pouco se ouviu falar dela, diferentemente de outras que, mesmo apresentando questionável talento, conseguem rapidinho cair nas graças da mídia e enquadrar canções em trilhas sonoras de novelas.

Adriana é dessas cantoras que se encontram prontas. Carioca, ela vem de uma família tradicional no cenário musical brasileiro: é filha do pistonista Araken Peixoto (falecido em fevereiro de 2008), que comandava as noites musicais nos tempos áureos do Hotel Maksoud Plaza e em bares que fizeram história (como o Baiúca, em São Paulo, e o Drinks, no Rio de Janeiro). Também é sobrinha do maestro e pianista Moacyr Peixoto e do famoso cantor Cauby Peixoto. Isso não bastasse, ela é ainda é prima do sambista Ciro Monteiro e de Dalmo Medeiros, o mais novo integrante do grupo MPB-4. Nenhum deles, no entanto, se encontra atualmente na crista da onda, o que decerto serviria para catapultar a carreira da cantora.

Adriana – é fato – canta como poucas. Possuidora de voz vigorosa e afinadíssima, sabe engendrar-se pelo universo das canções, mergulhando fundo na emoção de cada uma, o que fica claro para o ouvinte já em uma primeira audição. Dona também de grande extensão vocal, sabe manusear o dom que Deus lhe deu de forma magistral, saindo de registros agudos e chegando aos mais graves sem demonstrar qualquer dificuldade. Seu timbre é de uma beleza incomum, roçando o aveludado, mas nunca escondendo sua potência incontestável. A artista sabe cantar com desenvoltura ímpar tanto músicas de complexa divisão rítmica (deliciosos sambas presentes no repertório não me deixam mentir) como canções de forte apelo romântico, nas quais, esperta, nunca se deixa resvalar para o excesso.

São nítidas algumas influências no seu canto: Leny Andrade, Alcione e Elis Regina estão entre elas. Não foi à toa, por exemplo, que, dentre as dez faixas que compõem o seu inaugural álbum homônimo, três fizeram parte do repertório da Pimentinha: “Saudosa Maloca” (de Adoniran Barbosa), “Na Batucada da Vida” (de Ary Barroso e Luiz Peixoto) e “Altos e Baixos” (de Sueli Costa e Aldir Blanc, esta aqui contando com a participação especial de Cauby, já se mostrando cansado por conta do peso dos anos). Em nenhuma delas, no entanto, Adriana tenta seguir a fórmula original, sempre surpreendendo com novas nuances. Sueli também comparece (como autora) com “Elizeth” (samba composto em homenagem a Elizeth Cardoso) e com “Outra Vez, Nunca Mais” (em parceria com Abel Silva). Outro compositor bem presente é o já citado Dalmo Medeiros, autor de “Ação Entre Amigos” (ao lado de Danilo Caymmi), “De Cabeça Pra Baixo” e “Zé Mané” (estas duas últimas são grandes momentos do disco). Completam o seleto repertório as faixas “Encontro” (de Isolda, em ótima forma) e “Passagem da Ilusão” (de Miltinho e Paulo César Pinheiro).

Quiçá Adriana Peixoto consiga vencer as dificuldades de se projetar em um país tão inexplicável e complexo como o nosso porque ela é certamente uma das grandes cantoras da atualidade!

 

 

N O V I D A D E S

 

 

·                     Sambalanço da melhor qualidade: este é o tempero mais que azeitado do grupo Farofa Carioca que recentemente pôs no mercado o novo CD “Tubo de Ensaio”. São onze faixas nas quais os seus seis componentes mostram perfeito grau de entrosamento, fazendo balançar qualquer esqueleto. A faixa-título é uma ótima (e única) canção instrumental, mas os maiores destaques ficam por conta da deliciosa “Samba Rock” (que faz parte também do repertório de Seu Jorge), da realista “Rap do Negão” e da hilária “Feira de Acari”. Há ainda a regravação de “Pra Que Vou Recordar O Que Chorei?”, de Carlos Dafé, em andamento bem mais acelerado que a conhecidíssima versão original. Muito massa!

 

·                     O CD com a trilha sonora nacional da telenovela global “Caras & Bocas” já está na boca do forno e trará, entre outros, fonogramas cantados pela banda Jota Quest, Elba Ramalho, Jussara Silveira, Rita Lee, Padre Fábio de Melo, Wanderléa, Marisa Monte, Silvia Machete e o grupo Chicas, responsável pelo tema de abertura.

 

·                     Depois de alguns anos do lançamento do CD “Morada”, no qual interpretou obras de Cartola, Sueli Costa, João Nogueira e Marina Lima, a cantora e compositora Ana Flávia lança o álbum “Oração aos Orixás”. Composto por onze temas (todos de sua própria autoria), o novo trabalho – como o título já entrega – é uma homenagem às divindades afro-brasileiras e conta com as participações especiais de Belô Velloso e Marcelo Quintanilha. Os destaques ficam com as faixas “7 Chaves”, “Oxum”, “Cantador” e “Yemanjá”.

 

·                     Acaba de chegar às lojas o novo CD do grupo gaúcho Os The Darma Lovers que centra sua música em um folk rock de tonalidade zen. Intitulado “Simplesmente” e com produção assinada pela dupla Berna Ceppas e Kassin, o CD apresenta doze faixas, onze delas assinadas somente por Nenung (a exceção é “Júlia”, uma parceria dele com o guitarrista 4Nazzo). Entre os melhores momentos estão as canções “Lu & Su”, “Gente de Classe”, “A Teia da Tela” e “O Homem que Calculava”.

 

·                     Tiê é nome de passarinho cantador. Mas é também o nome de uma nova cantora que acaba de lançar, de maneira independente, o seu primeiro CD. Intitulado “Sweet Jardim” e produzido por Plínio Profeta, o álbum é composto por dez faixas, todas de autoria da própria artista. Tiê canta de forma minimalista com sua voz afinada de timbre suave. Tendo o necessário cuidado para não soar repetitiva, tem chances de se destacar no meio fonográfico nacional pois suas canções possuem texturas que a personificam. Os arranjos são simples, porém eficientes, calcados em violões. Os melhores momentos ficam por conta das canções “Assinado Eu”, “Dois” e “Passarinho”. A faixa-título conta com a participação especial de Toquinho aos violões.

 

·                     Sem Poupar Coração” é o título do novo CD de Nana Caymmi, já nas lojas. Do repertório fazem parte, entre outras, “Diamante Rubi”, canção assinada pela sobrinha Alice (filha do irmão Danilo), “Senhorinha” (de Guinga e Paulo César Pinheiro), “Fora de Hora” (de Dori Caymmi e Chico Buarque), “Caju em Flor” (de João Donato e Ronaldo Bastos) e “Pra Quem Ama Demais” (de Fátima Guedes). A faixa “Não Se Esqueça de Mim” (parceria de Roberto e Erasmo Carlos) já toca exaustivamente na trilha sonora da telenovela global “Caminho das Índias”.

 

·                     Tavito é compositor que já contribuiu com algumas obras-primas para a nossa MPB como, por exemplo, “Casa no Campo”, “Começo, Meio e Fim” e “Rua Ramalhete”. Afastado do mercado fonográfico há alguns anos, ele acaba de lançar o CD “Tudo”, o quinto de sua escassa discografia. Mineiro, sua música traz influência dos Beatles e o pé em experiências vividas ao longo dos anos. Infelizmente, o novo álbum não apresenta os lampejos de criatividade de outrora, embora possam ser destacadas “1969”, “Aquele Beijo” e “Um Certo Filme”, além da releitura de “Hoje Ainda É Dia de Rock” (de autoria do parceiro Zé Rodrix). Há homenagens a São Paulo (em “Uma Banda em Sampa”) e a Minas Gerais (em “Minas de Encanto”, esta contando com a participação especial da cantora Clarisse Grova).

 

·                     A segunda parceria de Chico Buarque e Ivan Lins (iniciada com “Renata Maria”, em 2005, por iniciativa de Leila Pinheiro) já foi prometida para a cantora Simone que a incluirá no CD de inéditas que tenciona pôr no mercado até o final deste ano. Quem viver, ouvirá!

 

 

RUBENS LISBOA é compositor e cantor


Quaisquer críticas e/ou sugestões serão bem-vindas e poderão ser enviadas para o e-mail: rubens@infonet.com.br

 

Comentários

Nós usamos cookies para melhorar a sua experiência em nosso portal. Ao clicar em concordar, você estará de acordo com o uso conforme descrito em nossa Política de Privacidade. Concordar Leia mais