MUSIQUALIDADE, por Rubens Lisboa

R E S E N H A     1

 

Cantora: ANA COSTA

CD: “NOVOS ALVOS”

Gravadora: ZAMBO DISCOS

 

Quando, em 2006, a cantora carioca Ana Costa, egressa do grupo O Roda (que inicialmente se chamou Roda de Saia, posto que era formado somente por mulheres), lançou o seu primeiro (ótimo) CD intitulado “Meu Carnaval” talvez não tivesse a dimensão do quanto ele seria fundamental para que sua carreira solo deslanchasse. Naquela oportunidade, com a efervescência que reconduziu o bairro da Lapa (RJ) à moda e com o novo e bem-vindo boom do samba, vários intérpretes, a maioria deles novos e muito bons, tentavam alcançar um lugar ao sol.

A receptividade imediata daquele álbum fez revelar uma cantora de voz bonita e bem colocada, com uma ginga toda própria e pronta para quaisquer desafios. Tanto que se sagrou a Revelação no Prêmio Rival Petrobrás de Música daquele ano, tendo sido, logo em seguida, indicada como melhor cantora de samba e melhor cantora no voto popular do Prêmio Tim de Música 2007. Neste período, foi convidada para, juntamente com Arnaldo Antunes, dividir os vocais de “Viva Essa Energia”, tema oficial do Pan 2007, o que fez com tarimba e galhardia ímpares.

Três anos se passaram e Ana acaba de lançar, através da Zambo Discos, o seu segundo álbum, o qual recebeu o apropriado título de “Novos Alvos”. Trata-se de um trabalho que, sem dúvida, vem consolidar o nome da artista dentre aquelas que estão a contribuir verdadeiramente com a música brasileira de qualidade. Composto por onze faixas, o novo CD (como, aliás, não poderia deixar de ser) centra o seu foco no samba, mas abre alternativas várias, pois o samba de Ana não é somente o convencional. Eclética, ela soube abraçar várias possibilidades, ritmos e levadas, o que resultou num belo trabalho no qual o tradicional serve de ponte para o moderno, num agradável encontro que traz a contemporaneidade como convidada especial.

Produzido por Alê Siqueira (que já trabalhou com gente como Caetano Veloso e Marisa Monte), o álbum se inicia em altíssimo astral: é que a cantora ganhou de Carlinhos Brown a inédita “Samba Cria Lei”, um misto de samba de roda e partido alto com nítida inspiração no Rio de Janeiro, na qual o próprio autor simula sons percussivos com a boca. Envolta em efeitos de voz e acompanhada por um coro de responsa, Ana se mostra bem à vontade interpretando os versos tortos do baiano.

Também compositora, a artista revela ótima fase criativa assinando três das canções apresentadas: uma delas, um dos grandes momentos do álbum, é a faixa-título, uma balada pop muito bem construída ao lado das parceiras Mart’nália e Zélia Duncan. Também com Zélia, Ana assina a inspirada “Antiga”, evocando sonoridades de tempos de outrora e valorizada pela participação precisa de Leila Pinheiro. Já “Batendo Perna” (composta com Jorge Agrião) transita entre a batida do maxixe e a levada do samba de gafieira, ratificando a pluralidade desse trabalho. Com uma elegância que remete à grife de Paulinho da Viola, “Coisas Simples”, de Cláudio Jorge e Elton Medeiros, é outra faixa que se destaca, contando ainda com o auxílio luxuoso de Martinho da Vila nos vocais.

Outros convidados são Moska (em “Almas Gêmeas”, de Luiz Tatit) e Oswaldo Cavalo (no medley que une a deliciosa “Caderneta” a “A Minha Nega”, ambas de Evandro Lima, Silvão Silva e Claudinho Guimarães). Fazem ainda parte do repertório do disco a melancólica “Crônica de uma Cidade Armada”, sambossa assinada por Celso Fonseca que retrata (com pesar) a violência carioca atual, a sutil “Estranho” (de Mário Lago Filho e Délcio Carvalho) que conta com a intervenção do bandolim de Nilze Carvalho, e a excelente e quase nordestina “E Vai Que Dá” (de Marceu Vieira e Tuninho Galante), pontuada pelo acordeão de Marcelo Caldi. O álbum termina em grande estilo com “Quer Amar Mamãe”, contagiante tema da lavra do já citado Martinho da Vila.

Ana Costa lançou um CD irrepreensível que merece ser conhecido por todos. A sugestão só pode mesmo ser uma: corra e ouça-o!

 

 

R E S E N H A     2

 

Cantor: JAIR RODRIGUES

CD: “FESTA PARA UM REI NEGRO”

Gravadora: UNIVERSAL

 

São setenta anos de vida e meio século de carreira. Para comemorar em grande estilo estas duas festivas e fechadas datas, o cantor Jair Rodrigues realizou, em fevereiro deste ano, um show especial que ocupou o espaço do Auditório do Ibirapuera, em São Paulo. Repleto de convidados, o trabalho foi devidamente registrado e acaba de chegar às lojas, através da gravadora Universal, nos formatos CD e DVD.

Jair é nome tarimbado da nossa música popular. Fez sua carreira apoiada na gravação de grandes sambas que, junto com a sua extroversão característica, o tornaram conhecido de norte a sul do país. Dono de uma alegria contagiante, ele se mostra, não obstante o passar dos anos, em boa forma vocal, o que se pode comprovar especialmente através das faixas que canta sozinho como, por exemplo, a valsa “Eu Sonhei Que Estavas Tão Linda” (de Lamartine Babo e Francisco Matoso), o samba “Orgulho de um Sambista” (de Gilson de Souza) e o medley que apropriadamente reúne os sucessos “O Importante é Ser Fevereiro” (de Wando e Nilo Amaro), “Triste Madrugada” (de Jorge Costa) e “Tristeza” (de Haroldo Lobo e Nilton de Souza).

Batizado de “Festa Para um Rei Negro” (canção de autoria de Zuzuca que fecha o disco unida ao samba de enredo “É Hoje”, de Didi e Mestrinho, este popularizado por registros anteriores de Caetano Veloso e Fernanda Abreu), o projeto tem logicamente um caráter revisionista, perpassando, assim, as várias fases da carreira de Jair. Há a parte que reverencia a sua participação em festivais de música (a obra-prima “Disparada” e a combalida “Pra Não Dizer Que Não Falei de Flores”, ambas de Geraldo Vandré, e a inspirada “Upa Neguinho”, de Edu Lobo e Gianfrancesco Guarnieri) e outra que flerta com a onda sertaneja (“Romaria”, de Renato Teixeira, e “Majestade o Sabiá”, de Roberta Miranda). Integram o repertório ainda aquele que se diz ter sido o primeiro rap nacional: “Deixa Isso Pra Lá” (de Alberto Paz e Edson Menezes) e a bonita “O Conde” (criação de Evaldo Gouveia e Jair Amorim). No terreno em que é mestre, o samba, Jair mergulha também em repertórios alheios, revisitando as mais que cantadas “Coisinha do Pai” (de Jorge Aragão e Almir Guineto) e “Não Deixe o Samba Morrer” (de Edson e Aloizio) e resgatando duas pérolas de Paulinho da Viola (“Coisas do Mundo Minha Nega” e “Foi um Rio Que Passou em Minha Vida”).

Acompanhado por uma banda coesa, formada por grandes músicos (da qual se destacam o saxofone e a flauta de Ubaldo Versolato e os afinados vocais a cargo de Luíza Maita – anotem esse nome! – e Rosana Galli) e com arranjos assinados pelo tecladista Marcelo Maita e pelo violonista Paulinho Dafilin, o trabalho, de fato, desce redondo. As participações especiais soam ora afetivas (os filhos Jair Oliveira e Luciana Mello), ora servem para credenciarem a obra de Jair junto às novas gerações (Max de Castro, Simoninha, Rodrigo Ramos, Rappin Hood e Pedro Mariano). Completam a vasta lista a dupla Chitãozinho e Xororó e os amigos de longa data Alcione e Jorge Aragão.

Parabéns a Jair Rodrigues e que sua carreira possa nos proporcionar outras boas surpresas!

 

 

 

N O V I D A D E S

 

·                    A gravadora Sony Music lança caixa contendo seis CDs de Milton Nascimento e traz, como bônus, um DVD com registro inédito ao vivo de show feito pelo artista no Montreux Jazz Festival, na Suíça. Falando em Bituca, o disco que ele gravou em 2007 na França ao lado dos irmãos Lionel Belmondo (saxofone e flauta) e Stéphane Belmondo (flugelhorn) também acaba de ser lançado em terras brasileiras pela gravadora Biscoito Fino. O repertório é composto, na sua maioria, por sucessos do próprio Milton que surgem embalados por refinada sinfonia jazzística. Novidade: ainda em 2009 deverá estar chegando ao mercado seu novo CD. A ideia é registrar várias canções inéditas que ele vem compondo ao lado de Ronaldo Bastos, Fernando Brant e Márcio Borges. A produção musical ficará sob a responsabilidade de Wagner Tiso.

 

·                     Também é através da gravadora Biscoito Fino que chega ao mercado o CD “Dolores Entre Amigos”, o qual registra gravações caseiras feitas por Dolores Duran na década de cinquenta, mas com uma qualidade sonora elogiável. Acompanhada por um extraordinário trio formado pelos violonistas Baden Powell e Manoel da Conceição e por Chiquinho do Acordeom, ela, em clima de jam session, empresta a sua bela e melodiosa voz a clássicos como “Over the Rainbow” (de Harold Arlen e E.Y. Harburg), “How High the Moon” (de Nancy Hamilton e Morgan Lewis), “Cry me a River” (de Arthur Hamilton), “Mocinho Bonito” (de Billy Blanco), “Neste Mesmo Lugar” (de Armando Cavalcanti e Klécius Caldas), “Hymne a l’Amour” (de Edith Piaf e Marguerite Monnot) e “Cheek to Cheek” (de Irving Berlin). Em faixas bônus, agora acompanhada pelo piano de Jaques Klein, Dolores interpreta “Praça Mauá” e “Eu sem Você” (ambas também de Billy Blanco). Imperdível!

 

·                    Balangandãs” é o apropriado título do CD que a cantora Ná Ozzetti está lançando com o repertório calcado em canções gravadas por Carmen Miranda. Estão presentes, entre outras: “Disseram que Eu Voltei Americanizada” (de Luiz Peixoto e Vicente Paiva), “O Samba e o Tango” (de Amado Régis), “Touradas em Madrid” (de João de Barro e Alberto Ribeiro), “Recenseamento” (de Assis Valente) e “Adeus Batucada” (de Synval Silva). É joia rara!

 

·                     Depois de cantar, como convidada especial, nos shows que Dionne Warwick realizou recentemente no Brasil, a baiana Gal Costa (que anda afastada do meio musical para se dedicar ao filho que adotou) confirma sua participação na faixa “Sorriso Lindo” que fará parte do próximo DVD do cantor conterrâneo Ricardo Chaves, o qual, para quem não, sabe, é seu primo.

 

·                     “De Cara pro Sol” é o título do primeiro CD da ótima cantora Cássia Maria. São doze faixas, todas elas de sua própria autoria, que mostram uma intérprete segura de voz potente e afinada, dona de um belíssimo timbre. A produção é independente, tem a direção musical do violonista Jardel Caetano e conta com as participações especiais de Mona Gadelha (“Solidão”), Regina Machado (“Santa”) e Consuelo de Paula (“Olho Santo”). A faixa de abertura (“Antimonogamia”) é de longe a melhor do repertório apresentado (trata-se de uma daquelas canções superbem elaboradas que pegam o ouvinte de primeira), mas há outros bons momentos (tais como “Escuro Canto”, “Dar um Tempo” e “Tá Bom Também”).

 

·                     O quinteto carioca Casuarina registrou show recentemente realizado na Fundição Progresso, no Rio de Janeiro, o qual será lançado em DVD que fará parte da nova série “MTV Apresenta”. Roberto Silva, Wilson Moreira e o grupo Moinho são os convidados do projeto, que será editado também no formato de CD.

 

·                     Incansável, Moska está terminando de aprontar seu novo CD que já tem título definido: “Muito Pouco”, belíssima canção de sua autoria gravada anteriormente por Maria Rita. O trabalho vai contar com a participação do grupo argentino Bajofondo na releitura da faixa-título e também na canção “Ainda”. Também para este ano o artista planeja a edição do disco que registra o show “Tem Moska no Samba”, realizado no ano passado na Lapa (RJ).

 

 

RUBENS LISBOA é compositor e cantor


Quaisquer críticas e/ou sugestões serão bem-vindas e poderão ser enviadas para o e-mail: rubens@infonet.com.br

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