MUSIQUALIDADE, por Rubens Lisboa

R E S E N H A     1

 

Cantora: NÁ OZZETTI

CD: “BALANGANDÃS”

Gravadora: MCD

 

Formada em artes plásticas, a paulistana Ná Ozzetti conviveu com o canto desde cedo, posto que nascida em uma família de músicos (seu irmão, Dante Ozzetti, é um dos grandes violonistas da atualidade, além de compositor vigoroso). No final dos anos setenta, a artista iniciou sua carreira musical como integrante do grupo Rumo, tendo lançado seu primeiro disco solo em 1988, ganhando, em seguida, o Prêmio Sharp na categoria de cantora revelação.

Dona de irrepreensível apuro técnico e límpido fraseado, Ná é daquelas cantoras que impressiona os ouvintes pela forma tranquila como visita as canções, as quais, a dedo, escolhe para fazerem parte de seu seleto repertório.

Acaba de chegar às lojas, através da gravadora MCD, o novo trabalho da cantora. E ele também vem revestido de homenagem: é totalmente composto por canções pinçadas do repertório de Carmen Miranda (nossa Brazilian Bombshell

que, para quem não sabe, estaria completando este ano, se viva fosse, cem anos). Desde o ano passado que Ná vem realizando com sucesso o show “Balangandãs” e é dele que resultou o álbum recém-lançado, todo ele gravado em estúdio.

Quem conhece o perfil das duas cantoras, sabe das diferenças que saltam de imediato às vistas: enquanto Carmen sempre foi a extroversão em pessoa, a personalidade de Ná revela traços de uma grande timidez. Isso, ao invés de dificultar o trabalho, serviu-lhe, pois, de saudável contraponto, pois da vivacidade natural de Carmen, Ná soube extrair leveza e frescor próprios. Incorporando com maestria o espírito de cada uma das quinze canções escolhidas, ela o faz à sua forma, sem tentar copiar nem seguir o caminho já traçado. Ponto para ela que, assim, conseguiu fazer, de forma inteligente, um dos grandes discos do ano!

Acompanhada por uma banda enxuta e formada somente por “feras” (o já citado mano Dante ao violão, Mário Manga na guitarra e cello, Zé Alexandre Carvalho no contrabaixo e Sérgio Reze na bateria), Ná mostra-se inteiramente à vontade, brincando com as divisões de fraseado melódico já na faixa de abertura, a ótima “Imperador do Samba” (de Waldemar Silva). Os arranjos, simples e graciosos na medida certa, reproduzem o clima de alegria da maioria das canções. Surgem, no entanto, alguns momentos mais sisudos: é o caso de “Na Batucada da Vida” (de Ary Barroso e Luiz Peixoto), “Camisa Listada” (de Assis Valente) e “Adeus Batucada” (de Synval Silva).

Há temas bastante conhecidos por todos, como “Tico-Tico no Fubá” (de Zequinha de Abreu e Aloysio de Oliveira), “E o Mundo Não Se Acabou” (outra de Assis Valente), “Tic Tac do Meu coração” (de Alcyr Pires Vermelho e Walfrido Silva), e “Disseram Que Eu Voltei Americanizada” (de Vicente Paiva e Luiz Peixoto), mas Ná foi esperta o suficiente para contrabalançá-los com ótimos lados B da discografia de Carmen. Dessa seara pinçou “Ao Voltar do Samba” (outra de Synval), “O Samba e o Tango” (de Amado Régis) e “Chattanooga Choo-Choo” (de Mack Gordon e Harry Warren, em versão de Aloysio de Oliveira).

Os músicos participantes interagem com a cantora nos vocais de algumas faixas e isso termina resultando em alguns dos melhores momentos do álbum: a deliciosa “Touradas em Madri” (pérola de João de Barro e Alberto Ribeiro), a animada “Diz Que Tem” (outra de Vicente Paiva, agora ao lado de Hannibal Cruz) e a obra-prima “A Preta do Acarajé” (de Dorival Caymmi), em registro impecável.

Ná Ozzetti é cantora que cresce a cada lançamento. Seus discos são esperados com afinco pelos admiradores da música brasileira de qualidade e o novo CD merece, de fato, fazer parte de qualquer cedeteca que se preze. Corra e ouça!

 

 

R E S E N H A     2

 

Cantor: JOÃO DONATO

CD: “DONATURAL”

Gravadora: BISCOITO FINO

 

Nascido no Acre, o músico e compositor João Donato fez-se despertar para a música desde a infância, apaixonando-se pelas teclas do piano e do acordeão. Ao mudar-se para o Rio de Janeiro nos anos quarenta, começou logo em seguida a tocar na noite, construindo, de pronto, grandes amizades com outros artistas então iniciantes, como João Gilberto, Johnny Alf, Luiz Bonfá e Tom Jobim. Alguns anos depois e por duas oportunidades, Donato chegou a morar nos Estados Unidos, o que lhe serviu para universalizar o seu som, o qual se caracteriza pela originalidade rítmica levada ao piano.

Criador de várias canções muito conhecidas por todas, mas infelizmente nem sempre a ele associadas (tais como: “Lugar Comum”, “Sambolero”, “Cadê Você?”, “Emoriô” e “Os Verbos do Amor”, entre outras), Donato é admirado por dez entre dez companheiros do meio musical. De personalidade afável, sempre esteve aberto às novas influências e isso se faz claramente constatável através do lançamento do álbum “Donatural” (esse título é um achado, gente!) que acaba de chegar às lojas via gravadora Biscoito Fino, no qual há a participação de vários artistas, dentre eles representantes da nova geração como Marcelo D2 e Marcelinho Da Lua (em “Balança” e “Lá Fora”, respectivamente).

Gravado ao vivo, há quatro anos, durante show realizado no Espaço Cultural Sérgio Porto, no Rio de Janeiro, o trabalho (que já saiu, tempos atrás, no formato DVD) serve também como um rico painel da obra de Donato que, se nunca teve uma voz talhada para o canto, sempre soube administrar isso doando suas mais belas criações para intérpretes vários que vão de Adriana Calcanhotto (“Naquela Estação”) a Gal Costa (“Flor de Maracujá”), passando por Nara Leão (“Nasci para Bailar”) e Nana Caymmi (“Até Quem Sabe”).

O repertório do recém-lançado disco condensa quatorze faixas, dentre as quais parcerias com gente do porte de Caetano Veloso (“A Rã”, que surge em versão instrumental), Martinho da Vila (“Gaiolas Abertas”) e Gilberto Gil (“A Paz” e “Bananeira”). Aliás, Gil é um dos convidados, sussurrando com voz cansada estas duas boas composições. Além desses, estão também presentes dois de seus mais freqüentes colaboradores: o irmão Lysias Ênio (“Vento no Canavial”, “E Muito Mais” e “Amazonas”) e Abel Silva (a obra-prima “Simples Carinho”). E até o nosso sergipano João Mello está lá com a deliciosa “Sambou, Sambou”.

Além dos já citados Gil, D2 e Da Lua, marcam presença também os irrepreensíveis Emílio Santiago, Leila Pinheiro, Joyce e Ângela Ro Ro, os quais conferem tintas saborosamente especiais a várias pérolas compostas pelo talento musical de João Donato. São melodias aparentemente simples, mas de harmonias bastante complexas. E, embora a maioria delas dê a impressão de que são fáceis de serem cantadas, possuem, na verdade, contornos melódicos intrincados, o que vem a exigir intérpretes atentos para não sucumbir diante de tais sinuosidades. Nada, no entanto, que venha atrapalhar a atenção do ouvinte médio que, em geral, sai cantarolando várias dessas canções assim que as ouve. Coisas de João Donato, definitivamente um artista ímpar que já tatuou com galhardia seu nome no panteão dos grandes que integram a nossa música popular brasileira.

 

 

N O V I D A D E S

 

 

·                     “Da Minha Vida Cuido Eu” é o título do primeiro CD solo da cantora Megh Stock. Produzido por Luciano Dragão, o trabalho é voltado para o pop, espaço no qual se sobressaem algumas baladas, dentre as quais “Sofá Emprestado” e “Mãos que Consertam”. Dentre os melhores momentos estão o rock “Personagens”, a indiana “Caderno de Riscos” e a mais calminha “Contra o Sol”. Merece ser conhecido muito pela artista que canta acima da média.

 

·                     Uma das apostas da gravadora Som Livre para este ano é o CD de estreia da cantora Maria Gadu. Paulista, a cantora vem colecionando elogios dos críticos e já tem uma música (“Shimbalaiê”) sendo executada por algumas rádios mais antenadas. É bom ficar de olhos e ouvidos bem abertos!

 

·                     Fosse somente pela canção “Amor Escondido”, pérola da lavra da (ainda) desconhecida Janaína Pereira, já valeria a pena conhecer o segundo e ótimo CD da cantora Bruna Caram. Intitulado “Feriado Pessoal” (sabiamente a única música autoral presente entre as doze faixas do repertório) e produzido por Alexandre Fontanetti, é um disco que causa uma alegre surpresa, haja vista o incontestável salto qualitativo dado com relação ao trabalho de estreia. Cantora de timbre bonito, Bruna soube pinçar canções (a maioria inéditas) que lhe permitiram mostrar o seu bom gosto musical. Dentre as melhores faixas (além das duas já citadas) estão “Nascer de Novo” (de Dani Black), “Fim de Tarde” (de Juca Novaes e Eduardo Santhana) e “Gargalhadas” (de Pedro Altério e Pedro Viáfora). Também bastante apropriada foi a escolha das três regravações: “Gatas Extraordinárias” (de Caetano Veloso, que ficou conhecida na voz de Cássia Eller), “Cuide-se Bem” (de Guilherme Arantes) e “Quem Sabe Isto Quer Dizer Amor” (de Lô Borges e Márcio Borges, registrada originalmente por Milton Nascimento). Muito legal mesmo!

 

·                     Em comemoração aos trinta anos de carreira de Elba Ramalho, a gravadora Universal repõe em catálogo quatro dos melhores títulos da cantora: “Alegria” (1982), “Coração Brasileiro” (1983), “Do Jeito que a Gente Gosta” (1983) e “Fogo na Mistura” (1984). Louvável iniciativa, mas bem que poderiam ser relançados todos os discos da paraibana que fazem parte do acervo da multinacional. Fica a sugestão…

 

·                     O novo projeto do cantor Ritchie (intitulado “Outra Vez – Ao Vivo no Estúdio”) será o primeiro lançado no Brasil também no formato de blu-ray, o vídeo de alta definição que deverá substituir o DVD em muito pouco tempo. O cineasta Paulo Henrique Fontenelle é o responsável pela direção das imagens captadas ao vivo no estúdio. O repertório trará alguns hits de sua carreira, mas apresentará duas canções inéditas: “Outra Vez” (primeira parceria do artista com Arnaldo Antunes) e “Cidade Tatuada” (dele com Fausto Nilo).

 

·                     Chega, enfim, às lojas o primeiro e aguardado CD solo de Toni Garrido, ex-vocalista da banda de reggae Cidade Negra. O trabalho, ansiado há muito pelo artista, tem seu eixo voltado para a chamada black music e surge recheado de groovies funkeados e programações eletrônicas. Intitulado “Todo Meu Canto” e com a produção assinada por ele ao lado de Liminha, trata-se de um disco praticamente autoral que, infelizmente, não chega a descer redondo, muito por conta das letras que soam, em sua maioria, pouco inspiradas. Garrido é cantor de potência vocal comprovada e possui inegável carisma, mas precisa centrar seu potencial em canções mais bem construídas. A primeira metade do álbum (composto por treze faixas) é nitidamente superior ao restante. Os destaques ficam por conta de “Fim de Semana Good Time” (parceria do artista com Roger Negão e MC Sapão, convidado da faixa), “Inocente ou Culpado” (de Leleo) e “Minhas Lágrimas” (outra de Garrido, agora ao lado de Dhuvi Luvio, emoldurada por um belo arranjo de cordas a cargo de Jaques Morelenbaum). Mas são as três regravações que possuem, de fato, maiores chances radiofônicas (“Perfume da Nega”, de Gabriel Moura, Valmir Ribeiro e Alexandre Carola, “Tudo que Você Podia Ser”, de Lô Borges e Márcio Borges, e “Me Libertei”, de Tony Tornado e Frankie).

 

·                     Alcione está prestes a lançar mais um CD de canções inéditas que chegará às lojas através da gravadora Indie Records. Intitulado “Acesa”, o novo trabalho da Marrom trará músicas assinadas por Roque Ferreira, Serginho Meriti, Paulo César Feital e Telma Tavares.

 

·                     A cantora Verônica Ferriani está a toda! Depois da boa aceitação de seu primeiro CD (que foi lançado no comecinho deste ano), estará em breve chegando às lojas um álbum em que a bela morena divide os créditos com o violonista Chico Saraiva e que traz, no repertório, treze inéditas parcerias dele com o letrista Mauro Aguiar. Há as participações de Chico César, Marcelo Pretto, Toninho Ferragutti e Carlos Malta. Deve vir coisa boa por aí…

 

 

RUBENS LISBOA é compositor e cantor

Quaisquer críticas e/ou sugestões serão bem-vindas e poderão ser enviadas para o e-mail: rubens@infonet.com.br

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