MUSIQUALIDADE, por Rubens Lisboa

M U S I Q U A L I D A D E

 

 

R E S E N H A     1

 

Cantora: CEUMAR

CD: “MEU NOME”

Gravadora: INDEPENDENTE

 

Nascida em plena serra da Mantiqueira, a mineira Ceumar convive com a música desde a infância: seu pai foi cantor na juventude, chegando a ser conhecido na região como “a voz de veludo”, e sua mãe cantava diariamente enquanto tomava conta da casa e cuidava das três meninas da família (a cantora é a caçula). Iniciou-se ao piano, chegando ao violão na adolescência, o que lhe possibilitou a participação nos primeiros festivais de música. Mudou-se aos dezoito anos para Belo Horizonte, passando a descobrir a real dimensão que a música teria na sua vida, pois foi ali que iniciou os estudos de violão clássico e de canto. Mas foi quando aportou, em 1995, em São Paulo, que as coisas, de fato, começaram a deslanchar, tanto que cinco anos depois Ceumar lançava o seu primeiro disco, o elogiadíssimo “Dindinha”. No repertório já se vislumbrava uma artista antenada e inquieta que juntava, com uma precisão ímpar, canções de Itamar Assumpção, Zé Ramalho, Zeca Baleiro, Sinhô e Luiz Gonzaga. Quando, em 2002, lançou o segundo álbum, ela já tinha um grupo de colegas com quem trocava figurinhas. “Sempre Viva” trouxe ótimos temas assinados por Chico César, Kleber Albuquerque e Gero Camilo, entre outros. E, no meio de tudo, figurava a primeira canção da lavra de Ceumar (a bela “Avesso”, parceria com Alice Ruiz). Essa sementinha vingou, tanto que acaba de chegar às lojas o CD “Meu Nome”, no qual a artista mostra um trabalho totalmente autoral (a única exceção entre as vinte faixas é “Oiá”, de Sérgio Pererê), credenciando-se como uma compositora respeitável, diferentemente, inclusive, de várias outras cantoras que deveriam continuar apenas como intérpretes.

Antes de seguir na análise do novo disco, o quarto de sua carreira, convém destacar que ela também pôs no mercado, em 2006, o álbum “Achou!”, dividido com Dante Ozzetti, o qual surgiu no rastro do sucesso alcançado com a canção homônima, uma felicíssima parceria de Dante com Luiz Tatit, que alcançou o segundo lugar em um festival realizado pela TV Cultura.

Ceumar é, de fato, uma artista rara, dessas que comumente se cataloga como “completa”. Se até então já vinha sendo considerada uma das vozes mais bonitas da nossa MPB atual (seu fraseado límpido, sua afinação fora do comum e seu timbre único soam como dons divinos), “Meu Nome”, um lançamento independente, encampado pelo selo Circus Produções, vem consolidá-la também como uma autora de fina inspiração. Suas canções, várias delas assinadas em parceria com gente como Tata Fernandes, Etel Frota, Mathilda Kóvak e Estrela Ruiz Leminski, agregam o difícil binômio de possuírem uma qualidade acima da média e de se enraizarem facilmente no inconsciente dos ouvintes. As letras são delicadas e inteligentes em doses certas (vide “Reinvento”, “Dança” e “Planeta Coração”, esta feita para o filho Tiê) caindo, uma vez ou outra, num bom-humor contagiante (“Nariz de Palhaço” e “Maracatubarão”).

O disco recém-lançado (que já se consolida como um dos grandes lançamentos deste ano) conta com as participações especiais do já citado Pererê, nome emergente da música mineira, e de Yaniel Matos, grande pianista cubano. Gravado ao vivo durante quatro apresentações realizadas, em junho do ano passado, no Teatro Fecap, em São Paulo, o trabalho registrou uma artista perfeitamente à vontade com a platéia. Difícil se torna explicitar destaques em um álbum tão coeso, mas não dá para deixar de reconhecer que os melhores momentos ficam por conta de “Gira de Meninos” (já registrada anteriormente com sensibilidade pelo cantor Rubi), “Oração do Anjo”, “Jabuticaba Madura”, “Mochilinha de Porquês” e “Samba Pra Fabi” (composta em homenagem à grande sambista Fabiana Cozza).

Com uma sonoridade simples (urdido somente com violões, piano e um pouco de percussão), o CD ora em resenha se impõe pela beleza lúdica inebriada das sutilezas sonoras de Ceumar, uma artista que, conseguindo aliar simplicidade e sofisticação, se mostra perfeita entre as estrelas que povoam nossa constelação nacional. Corra e ouça, é imperdível!

 

 

R E S E N H A     2

 

Cantores: KLEITON & KLEDIR

CD: “AUTORRETRATO”

Gravadora: SOM LIVRE

 

O grupo Almôndegas foi o pontapé inicial para a carreira dos irmãos gaúchos Kleiton & Kledir que, a partir da segunda metade dos anos setenta, decidiram continuar na estrada, mas em forma de dupla. Ancorados em vários sucessos, dentre os quais “Maria Fumaça”, “Vira Virou” (registrado também pelo MPB-4), “Fonte da Saudade”, “Paixão”, “Deu Pra Ti”, “Nem Pensar” e “Tô Que Tô” (gravado originalmente pela cantora Simone), eles terminaram por se separar nos anos noventa, amargando um período de ostracismo, mas, depois de algumas tentativas, tentam voltar à tona através do lançamento do CD intitulado “Autorretrato”, produzido por Paul Ralphes e que acaba de chegar às lojas através da Som Livre (é mais um lançamento do pacote que visa à comemoração dos quarenta anos de fundação da gravadora, braço sonoro das Organizações Globo).

Trata-se de treze faixas inéditas de autoria de ambos que, não obstante conterem a identidade musical da dupla e suas influências trazidas do cancioneiro característico da região Sul do Brasil, receberam um tratamento sonoro mais adequado para se aproximarem do pop contemporâneo. Não que a música deles tenha parado no tempo. Eles continuam mostrando boas ideias, embora estas apenas esbocem, no presente trabalho, a criatividade de outrora. No entanto, com olhos e ouvidos abertos, encontram-se, sim, bons momentos no recém-lançado álbum, os quais, se forem bem divulgados, poderão resultar em rendosos frutos. Já na canção de abertura, “A Dança do Sol e da Lua”, a dupla se mostra afiada, concebendo uma faixa muito bem resolvida, mesmo com uma letra composta por apenas quatro versos.

Acostumados a alternar canções animadas recheadas de temas geralmente bem-humorados com outras de cunho eminentemente romântico, a dupla parece querer retornar à cartilha de outrora sem medo de comparações. É assim que canções como a animada “Polca Loca” e a direta “Tudo Eu” encaixam-se com perfeição no primeiro caso. Já os temas voltados para o coração encontram respaldo em “Estrela Cadente”, “Só Pra Te Ver” e “História de Amor” (esta com toda pinta de hit).

Dentre os destaques do repertório (que chega a soar irregular, mas termina, ao final, descendo redondo, muito pela competência da produção) estão a faixa-título (disparado, a melhor música do disco), a bonita “O Tempo Voa” e a mais calminha “Só Liguei”.

Há ainda uma (enfadonha) homenagem à terra natal (“Pelotas”), as medianas “Na Correnteza do Rio” e “Ao Sabor do Vento” e uma ode às mulheres na enumerativa e suingante “Eva” (canção que, no site oficial dos artistas, ganha o seu similar no masculino, “Adão”, ali contando com a participação do grupo feminino Chicas).

Com as vozes em ordem e muita vontade de voltar a emplacar, o novo CD de Kleiton & Kledir, mesmo sem ser um dos melhores de sua discografia, pode representar um passo importante nesse sentido. É ouvir e torcer!

 

 

N O V I D A D E S

 

·                     Uma banda eminentemente sergipana que vem mostrando serviço é Rockassetes, já alguns anos tentando a sorte na capital paulista. Formado por João Melo (baixo) e pelos irmãos Bruno (voz e guitarra) e Léo Mattos (bateria), o trio acaba de lançar o ótimo CD “Sobre Garotas, Discos e Tênis Vermelho”. Trata-se de um trabalho independente muito bem acabado que tem tudo para agradar à galera mais jovem. Com um som pulsante e calcado no velho e bom roquenrol, os três rapazes mostram sua pegada pesada através de um repertório composto por quatorze faixas. O maior destaque é mesmo a hilária “Pipa”, mas há outros momentos a se ressaltar, como as faixas “SNE”, “A Garota do 10º Andar”, “As Flechas” e a nossa já conhecida “Uma Carta Para Tarsila”.

 

·                     Bastante produtiva, a cantora Ana Carolina já tem pronto um novo CD (intitulado “Nove”) que chegará às lojas no comecinho do próximo mês e que vai comemorar uma década de sua vitoriosa carreira fonográfica. Recheado de canções inéditas, o álbum foi produzido por Kassin, Alê Siqueira e Mario Caldato Jr. e vai trazer as já costumeiras parcerias da artista com Antonio Villeroy, a exemplo de “O Amor É Tudo”. A primeira faixa de trabalho escolhida pela gravadora Sony Music, no entanto, se intitula “Dentro”.

 

·                     Mesmo já tendo dado provas de que, ao vivo, sua afinação deixa a desejar, a cantora Myllena, suposta primeira revelação do quadro “Garagem do Faustão” (seu disco estava prontinho, gravado desde 2007), apresenta um bem acabado CD de estreia. No estúdio, sua voz soa potente e suas composições, embora não sejam exatamente um primor de inspiração, possuem arroubos criativos que podem garantir uma sobrevida à carreira recém impulsionada. É o caso, por exemplo, de “Não Há”, a melhor da safra autoral, superior inclusive a “Quando”, canção que já toca bastante nas rádios muito por conta de ter sido incluída, estrategicamente, na trilha sonora de telenovela global “Caras & Bocas”. Em geral, o caminho abraçado é o do pop romântico, mas sem ser piegas. Produzido por Marcelo Sussekind, o álbum é composto por onze faixas, cinco delas regravações. A que mais segue a gravação original é “Meu Plano” (de Lenine e Dudu Falcão, registrada anteriormente por Daniela Mercury). Nas demais, Myllena se arrisca ora no caminho mais popular (a bonita “É Ouro Pra Mim”, de Peninha, que ganha peso com o novo arranjo), ora no mais engajado (a descolada “Senhas”, de Adriana Calcanhotto). Há espaço ainda para o bom humor de Vander Lee (“Tô em Liquidação”) e para a visceralidade de Lulu Santos (“Apenas Mais Uma de Amor”, esta contando com a participação especial de Emmerson Nogueira).

 

·                     Sempre inquieta, Elza Soares encontra-se em estúdio, no Rio de Janeiro, gravando um CD totalmente voltado para o jazz. O repertório trará a voz possante da diva em standards como “Summertime”, “Strange Fruit” e “Cry me a River”.

 

·                     Em mais uma coletânea em que remixa sucessos da MPB, o DJ Zé Pedro põe-se a serviço de grandes intérpretes femininas. O CD “Essa Moça Tá Diferente” traz no repertório, entre outras, pérolas gravadas por Maysa (“Canto de Ossanha”), Nara Leão (“Mal-me-Quer”), Fafá de Belém (“Raça”), Mart’nália (“Cabide”), Elis Regina (“Trem Azul”) e Marisa Monte (“Infinito Particular”).

 

·                     Acaba de aportar no mercado o sexto título da série de coletâneas “Letra & Música”. Produzido por Marcelo Fróes para seu selo Discobertas, o volume é dedicado à obra de John Lennon. Dentre os destaques está o registro inédito de “Jealous Guy” feito por Zé Ramalho, além de “Because” (com MPB-4 e Quarteto em Cy), “Help” (com o grupo Demônios da Garoa), “Imagine” (com Paulo Ricardo), “In My Life” (com Rita Lee), “Norwegian Wood” (com Milton Nascimento e Beto Guedes) e “My Life” (com Leila Pinheiro).

 

 

RUBENS LISBOA é compositor e cantor


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