M U S I Q U A L I D A D E R E S E N H A 1 CD: “ALINE CALIXTO” O período áureo da nossa MPB ocorreu na década de setenta. Com o nosso cancioneiro dando as cartas nas programações das rádios (especialmente as FM’s), uma respeitável fatia era reservada para o samba. À época, uma disputa velada (mas bastante saudável) ocorria entre as cantoras Alcione, Beth Carvalho e Clara Nunes para ver quem lançava, anualmente, o melhor disco e quem realizava o melhor show. Nas duas décadas seguintes, soterrados pelos modismos primeiro do rock (no qual eclodiram bandas como Paralamas, RPM, Titãs e Barão Vermelho) e depois do pop-sertanejo (com o advento de duplas como Chitãozinho & Xororó, Leandro & Leonardo e Zezé di Camargo & Luciano), os lançamentos de álbuns de samba viraram raridade e intérpretes voltados para o nosso gênero musical mais genuíno tiveram que tirar leite de pedra para continuarem na ativa. Felizmente, desde a virada do século e muito impulsionado por um novo modismo (a vida é cíclica), qual seja a redescoberta do bairro carioca da Lapa (até hoje são Rio de Janeiro e Bahia os Estados que realmente têm o poder de determinar os ditames culturais brasileiros), o samba voltou a ser comemorado e, talvez, mais que isso, idolatrado. Ali, surgiram vários novos talentos, a exemplo de Teresa Cristina, Mariana Baltar, Dorina, Moyseis Marques, Ana Costa, Diogo Nogueira e outros que vêm conseguindo construir suas carreiras de forma equilibrada. A recepção da mídia lhes vem sendo muito legal, o que resulta numa aceitação considerável tanto pela parte da crítica especializada como pelo público em geral que, via de regra, vem lotando as apresentações desses artistas (e até outros que, inicialmente, surgiram mais voltados para a MPB tradicional – caso de Maria Rita, Roberta Sá e mais recentemente Mariana Aydar – aderiram de vez à força do samba em seus trabalhos mais recentes). Isso tudo é posto para contextualizar o aparecimento, no cenário musical, de mais uma cantora que, através do lançamento de seu primeiro (e homônimo) disco, tenta delimitar o seu espaço dentro do atual panteão nacional. Trata-se de Aline Calixto, uma carioca (criada praticamente em Minas Gerais) que, contratada pela gravadora Warner (a multinacional não iria mesmo ficar de fora desse boom), surge ancorada por uma produção de peso assinada pelo experiente Leandro Sapucahy. São treze faixas nas quais se pode conhecer uma cantora segura, de voz bem trabalhada e realmente apta a fazer bem o que lhe foi proposto. A verdade é que o timbre não lhe é particularmente característico, mas ela sabe compensar isso não calcando suas interpretações em nenhum nome já famoso. Aline mostra-se também como compositora ao assinar (ao lado de parceiros) três das faixas constantes do repertório (a melhor delas é a divertida “Cara de Jiló”). E se o samba mais delicado surge com a inspirada “Enfeitiçado” (de Affonsinho, um dos destaques do álbum), os melhores momentos ficam mesmo por conta de “Saber Ganhar” (divertida criação de Edu Krieger, compositor que, cada vez mais, vem se consolidando como um dos melhores da atualidade) e de “Tudo Que Sou” (bela parceria de Toninho Geraes e Toninho Nascimento). Do set list, fazem parte também músicas de grandes bambambãs do samba como Roque Ferreira (“Oxossi”), Mauro Diniz (“Retrato da Desilusão”) e Arlindo Cruz (“O Teu Amor Sou Eu”, parceria com Rogê). Ao final, fechando o disco e soando como um aval ao trabalho da cantora surgem as bonitas (e cansadas) vozes de Walter Alfaiate, Nelson Sargento, Wilson Moreira e Monarco em “Uma Só Voz” (outro tema assinado pelo já citado Edu Krieger). O CD inaugural de Aline Calixto mostra-se, de fato, como um ótimo cartão de visitas do trabalho da artista. Vale a pena conhecer! R E S E N H A 2 CD: “PÉTALA POR PÉTALA” O primeiro e bom disco de Vanessa Bumagny chegou ao mercado em 2003 e foi recebido com entusiasmo pelos antenados de plantão. Cantora de voz macia e afinada, já naquele trabalho a artista se mostrou também uma compositora inspirada, assinando grande parte do repertório. Infelizmente, o trabalho ficou restrito a um público específico e, afora o eixo Rio-São Paulo, pouca gente conhece a cantora. Paulistana, Vanessa optou por abraçar a carreira musical quando morava nos Estados Unidos. Lá, cantando Mozart em um coral, foi realmente picada pelo bichinho das artes. Muito antes, no entanto, o desejo já lhe tinha surgido, muito pela admiração que sempre nutriu pelo cancioneiro de Luiz Gonzaga. E isso até hoje se reflete em seu trabalho pois, não obstante a roupagem pop contemporânea, há muita influência nordestina presente nele. De volta ao Brasil, ela chegou a trabalhar como atriz e a montar uma banda, participando, em seguida, como backing vocal, de shows de Chico César e Zeca Baleiro. Este, inclusive, é o responsável pela produção do segundo álbum de Vanessa, intitulado “Pétala por Pétala”, o qual acaba de ser lançado através da gravadora Universal. Acompanhada por uma banda homogênea que inclui nomes como Mauro Sanches (percussão), Lucas Vargas (teclado e acordeon), Zeca Loureiro (violão e guitarra) e Henrique Alves (baixo), além de músicos excepcionais que surgem, na ficha técnica, como convidados especiais, a exemplo de Guilherme Kastrup (percussão), Tuco Marcondes (violão e guitarra), Fernando Nunes (baixo), Lui Coimbra (violoncelo) e Silvinho Mazzuca Jr. (baixo acústico), ela conseguiu costurar, através de doze faixas, um ótimo painel de sua obra autoral (todas as faixas são assinadas por ela, algumas ao lado de parceiros). O CD tem propositalmente uma sonoridade clean. Tudo foi pensado para passar uma atmosfera etérea, que combinasse com a suavidade da voz de Vanessa (que lembra, em algumas passagens, outra Vanessa, a da Mata, e Marisa Monte, embora seja incontestável que ela já possui identidade própria). Para isso contribuem os arranjos, concebidos com o objetivo de que Vanessa brilhe. Superior ao disco de estreia, muito pelo profissionalismo que ressalta aos olhos, o ponto alto do novo álbum reside nas letras. Vanessa consegue ser sucinta e dizer muita coisa através de versos apropriados, dissecando o amor e suas ideias, mas não se perdendo em conceitos de modernidade. Isso se constata logo na faixa de abertura, a delicada “Flor” (de inspiração cabo-verdiana), um dos melhores momentos do trabalho. Com Baleiro ela assina “Blind Mask” (mediana, com letra em inglês) e “Ciúme Não Mata” (guarânia-mambo que pega na primeira audição) e ao lado do amigo Chico César ela divide os créditos da bonita faixa-título (gravada anteriormente pelo paraibano no seu disco “Respeitem Meus Cabelos, Brancos”, de 2002). Há ainda boas parcerias com Danilo Moraes (“Esquina do Encontro”) e Sidônio Muralha (“Roteiro”). Os melhores momentos do disco, contudo, ficam por conta do envolvente xote “Linha de Fogo” (que conta, nos vocais, com a participação especial de Dominguinhos) e da bem construída “Tambor”. Entre flertes com diversos ritmos (samba, forró, valsa, bossa nova, iê-iê-iê e tango), o que fica mesmo, ao final, é a constatação de que Vanessa Bumagny soube beber da vigorosa fonte da boa música popular brasileira. Massa! N O V I D A D E S · Chegará às lojas ainda este mês o aguardado novo CD de Simone. Intitulado “Na Veia”, trata-se de mais um lançamento de peso da gravadora Biscoito Fino que trará doze faixas sob a produção do baixista Rodolfo Stroeter. No repertório estão duas canções assinadas por Adriana Calcanhotto (“Certas Noites”, parceria com Dé Palmeira – que também comparece com “Bem Pra Você”, composta ao lado de Marina Lima – e “Definição da Moça”, melodia sobre poema de Ferreira Gullar) e outras duas de autoria de Erasmo Carlos (“Migalhas” e “Hóstia”, esta com Marcos Valle). E a própria Cigarra mostra sua verve criativa em tema criado com Hermínio Bello de Carvalho (“Vale a Pena Tentar”). Já as regravações ficam por conta de “Love” (de Paulo Padilha), “Geraldinos e Arquibaldos” (de Gonzaguinha) e “Ame” (de Paulinho da Viola e Elton Medeiros). Completam a seleta lista “Na Minha Veia” (de Martinho da Vila e Zé Catimba) e “Pagando Pra Ver” (de Abel Silva e Raimundo Nonato de Oliveira). · O guitarrista Edgard Scandurra já tem pronto o seu primeiro disco solo intitulado “Amigos Invisíveis”, no qual reuniu alguns colegas, dentre os quais Fernanda Takai, Jorge Du Peixe, Guilherme Arantes, Bárbara Eugênia e Zélia Duncan. O projeto também contempla o DVD homônimo que comemora os vinte anos de carreira do artista. · Com a produção de Mário de Aratanha, o CD “Saudade do Cordão” que reúne os talentos do compositor e violonista Guinga e do clarinetista Paulo Sérgio Santos chegou recentemente ao mercado. No repertório há inéditas (a faixa-título e “Porto da Madama”) e regravações (“Nem Cais Nem Barco” e “Senhorinha”). A única faixa cantada é “Saci” que surge na voz de Lenine. · A gravadora Biscoito Fino põe nas lojas “Minha Cara”, o segundo trabalho de Mart’nália, lançado originalmente em 1997, anos antes da explosão da cantora no mercado fonográfico nacional. Produzido por Ivan Machado, o álbum é composto por uma dúzia de faixas, entre criações autorais (“Não Me Balança Mais”, parceria com Viviane Mosé, e “Calma”, feita ao lado de Arthur Maia, estão entre elas) e regravações de músicas bem conhecidas (“Pra Que Vou Recordar o Que Chorei”, de Carlos Dafé, “Conto de Areia”, de Toninho e Romildo, e “Coleção”, de Cassiano). Fica claro que, à época, a voz de Mart’nália era mais limpa e menos rouca, mas o fato é que ela, já ali, demonstrava seu talento inato. · Dona de uma das vozes mais afinadas do nosso cancioneiro, Joyce (que também sempre se mostrou uma ótima compositora a violonista) lança, também através da gravadora Biscoito Fino, o seu novo CD. Intitulado “Slow Music” e produzido pela artista ao lado do marido e baterista Tutty Moreno, o álbum teve sua concepção acalentada por ela durante uma década e versa, em suas letras, sobre reflexões a respeito do amor. Já no que tange à parte melódica, Joyce optou por arranjos concisos, onde as pausas e os silêncios pudessem se encaixar no conceito do trabalho. Pautado pela leveza, não é um dos melhores discos dela, mas o fato é que não se pode deixar de reconhecer grandes momentos, dentre eles as releituras perfeitas para “Samba do Grande Amor”, de Chico Buarque, e “Medo de Amar” (de Vinicius de Moraes). No repertório, há também temas em espanhol (“Esta Tarde Vi Llover”, de Armando Manzanero) e inglês (“But Beautiful”, de J. Burke e J. Van Heusen). Somente quatro das doze faixas são autorais: “Valsa do Pequeno Amor”, “Sobras da Partilha” (composta com Paulo César Pinheiro), “Convince Me” e a canção-título (ambas parcerias com a pianista norte-americana Robin Meloy Goldsby). · Depois da ótima receptividade obtida com o CD de estreia e especialmente com a canção “Esnoba” (que se transformou em hit instantâneo), o trio Moinho (formado por Emanuelle Araújo nos vocais, LanLan na percussão e Toni Costa na guitarra) acaba de gravar seu primeiro DVD em apresentação realizada no Circo Voador, na Lapa (RJ). Em breve, nas lojas! · O grupo Mombojó encontra-se em estúdio gravando as canções que farão parte de “Amigo do Tempo”, o terceiro CD da carreira. Com produção dividida entre Kassin e Pupilo, o novo trabalho terá caráter eminentemente inédito. · Embora de forma tardia (já que o filme que lhe deu origem foi lançado em 2007), chegou recentemente às lojas o CD contendo a trilha sonora de “Noel – Poeta da Vila”. Produzido por Arto Lindsay, o disco contém vinte e nove músicas em gravações inéditas de nomes como o também ator Rafael Raposo (“Pela Décima Vez”), Otto (“Tenho Raiva de Quem Sabe”), Carol Bezerra (“Feitiço da Vila”) e Wilson das Neves (“Último Desejo”). RUBENS LISBOA é compositor e cantor
Cantora: ALINE CALIXTO Gravadora: WARNER
Cantora: VANESSA BUMAGNY Gravadora: UNIVERSAL
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