MUSIQUALIDADE, por Rubens Lisboa

M U S I Q U A L I D A D E

 

 

R E S E N H A     1

 

Cantor: JOÃO BOSCO

CD: “NÃO VOU PRO CÉU, MAS JÁ NÃO VIVO NO CHÃO”

Gravadora: MP,B / UNIVERSAL

 

Pouca gente sabe, mas um dos primeiros parceiros de João Bosco foi Vinicius de Moraes. Mineiro e advindo de uma família de músicos, desde os doze anos que João começou a tocar violão e foi justamente o Poetinha quem o incentivou a se mudar para o Rio de Janeiro. Já na Cidade Maravilhosa, o artista conheceu, em 1971, o letrista Aldir Blanc com quem, a partir dali, viria a compor várias músicas que hoje já fazem parte da história da nossa MPB, a exemplo de “O Bêbado e a Equilibrista”, “Falso Brilhante”, “Dois pra Lá, Dois pra Cá”, “Corsário” e “O Rancho da Goiabada”. Nos anos oitenta, por motivos até hoje não muito claros, a dupla rompeu a parceria, o que de certa forma forçou João a abrir o seu leque de colaboradores. Ao lado de alguns deles, chegou a compor outras grandes canções, como “Papel Machê” (com Capinam), “Odilê, Odilá” (com Martinho da Vila), “Desenho de Giz” (com Abel Silva) e “Memória da Pele” (com Wally Salomão). E mais recentemente (desde 1997), seu filho, Francisco Bosco, vem contribuindo também com ótimas letras que permeiam os trabalhos mais recentes de João, um violonista excepcional que sabe amoldar com destreza a sua voz, fazendo-a mais um instrumento.

A retomada de canções compostas ao lado de Aldir é, com certeza, o chamariz mais interessante para o novo CD de João, o qual acaba de chegar às lojas através de uma parceria entre as gravadoras MP,B e Universal. Intitulado “Não Vou pro Céu, Mas Já Não Vivo no Chão”, o disco traz doze faixas inéditas (quatro delas assinadas com Aldir), além de uma regravação, e comprova o que todo mundo já suspeitava: que uma das parcerias mais profícuas do nosso cancioneiro jamais deveria ter dado um tempo. E isso fica claro quando se ouve o belo samba “Navalha”, cuja letra faz uma associação entre as dores de uma paixão e o flagelo sofrido por Cristo na cruz (Cristo que morreu aos trinta e três anos, não por coincidência a idade que João tem de carreira). Mas os versos característicos de Aldir podem mesmo ser encontrados é na inspiradíssima e suingante “Sonho de Caramujo” que fecha com chave de ouro o disco.

Produzido pelo guitarrista Ricardo Silveira e por Francisco Bosco, o CD possui uma sonoridade suave e baixa os tons geralmente utilizados por João em seus trabalhos anteriores. E isso diz respeito tanto aos arranjos (concisos e de bases delicadas – o ponto alto é sempre o violão do artista que, sozinho com o seu instrumento, se basta em cinco faixas, o que se faz ressaltado no verso “Eu moro dentro da casca do meu violão”, explicitado no encarte) quanto ao canto. Nessa seara, João se faz agora salutarmente econômico no que tange ao uso de floreios vocais percussivos, outro cartão de visitas por ele muito utilizado até então.

Com o já citado filho Francisco, João criou cinco outras canções presentes no repertório. Delas, destacam-se a beleza de “Desnortes” (entoada em falsete), a pungência de “Alma Barroca” e a pegada afro de “Tanajura”. Há ainda duas parcerias medianas com Carlos Rennó e uma pequena obra-prima assinada ao lado do sambista Nei Lopes: trata-se da irreverente “Jimbo no Jazz”, canção que comprova a genialidade de ambos. Completa o set list uma releitura de “Ingenuidade”, tema de autoria de Serafim Adriano, coincidentemente revisitado por Caetano Veloso em seu recente disco “Zii e Zie”.  

João Bosco conseguiu realizar um álbum de fina elegância que figura entre os melhores de sua vasta discografia. Um lançamento que, de fato, merece ser conhecido pelos amantes da boa música e degustado com calma e atenção especial.

 

 

R E S E N H A     2

 

Cantor: NANDO REIS

CD: “DRÊS”

Gravadora: UNIVERSAL

 

Nando Reis, como todos sabem, começou sua carreira fazendo parte dos Titãs. Após algumas diferenças de entendimento com outros membros da banda, resolveu desenvolver carreira solo. Seu primeiro disco individual foi lançado em 1995 e, de lá para cá, ele vem compondo canções que se transformaram em sucessos radiofônicos, a exemplo de “ECT”, “Relicário”, “O Segundo Sol”, “Resposta” e “Espatódea”. Suas criações são frequentemente regravadas por outros intérpretes e, por um bom tempo, Nando chegou a ser o compositor preferido de divas como Marisa Monte e Cássia Eller.

Acaba de chegar às lojas, através da gravadora Universal, o seu mais novo álbum. Intitulado “Drês” (palavra por ele criada a partir da junção de “Dri”, apelido de uma ex-namorada, com o som do número “3”) e dirigido por ele e Carlos Pontual (o guitarrista da banda Os Infernais que o acompanha já há alguns anos e que traz, ainda, Alex Veley nos teclados, Felipe Cambraia no baixo e Diogo Gameiro na bateria), o disco apresenta doze canções inéditas, todas elas de autoria do próprio artista.

A surpresa maior fica por conta de que Nando, tido como um cantor de parcos recursos vocais, está cantando bem melhor. Nas entrevistas recentes, ele vem declarando ter abandonado as drogas. Isto talvez justifique o fato de sua voz estar mais límpida e possante. Já a sonoridade do CD é de puro rock (embora, no bojo, o Nando compositor continue um grande baladeiro), tanto que na contracapa há explícito o aviso: “Ouvir Alto”. Nesse caminho, os músicos contribuem e muito com uma pegada vitaminada, o que se torna facilmente constatável em canções como a faixa-título e “Mosaico Abstrato”. Em alguns momentos, há também a contribuição de Lincoln Olivetti, responsável por arranjos de cordas e sopros.

O som pesado emoldura, no entanto, letras que revelam um romantismo intrínseco à obra do autor. Na maioria delas, ressaltam-se histórias de amores vários, com seus questionamentos e desdobramentos, as paixões e os desejos deles advindos, tudo isso quase sempre de forma não muito direta. Aliás, o chamado psicodelismo é uma constante no cancioneiro de Nando que neste trabalho, mais do que nos outros, denota sua grife própria de compor, característica que tanto pode servir para o bem (pois o identifica de imediato em meio a tantos) como para o mal (pois as canções podem tender a se tornarem repetitivas).

O maior senão do novo álbum reside justamente por aí: na falta de uma grande canção que, de fato, empolgue. Decerto que Nando já mostrou ter tino para a coisa anteriormente (“Os Cegos do Castelo” e “Fiz o Que Pude” são somente dois exemplos de canções acima da média), mas é incontestável que a ausência de uma música que pegue o ouvinte médio (fã que é fã gosta de tudo o que o ídolo faz) termina por comprometer o resultado geral. Neste sentido, a faixa que mais se aproxima de um formato mais vocacionado a uma aceitação imediata é a bonita “Livre Como Um Deus”. Em outros momentos, o artista ora explicita saudades da mãe que já partiu (em “Conta”), ora homenageia (como já é um costume seu) mais uma de seus cinco filhos (agora é Sophia, em “Só Pra So”). Como plus, a cantora emergente Ana Cañas faz-se presente, como convidada especial, em “Pra Você Guardei o Amor”, num dueto razoavelmente interessante.

Num mercado atual bastante acomodado, vale pela coragem de ele ter se arriscado em um CD de inéditas. Mas a gente sabe que Nando Reis pode mais, muito mais…

 

 

N O V I D A D E S

 

 

·                     Tem show novo de Flávio Venturini neste dia 26 (quarta-feira, depois de amanhã) no Teatro Tobias Barreto, a partir das 21 horas. Quem gosta da boa música brasileira certamente vai estar por lá marcando presença…

 

·                     Definida a música de abertura de “Viver a Vida”, a próxima telenovela global das 21 horas: trata-se de “Sei Lá (A Vida Tem Sempre Razão)”, de Toquinho e Vinicius de Moraes. Quem tem mais de quarenta anos vai se lembrar que essa mesma canção foi o tema principal de “Nossa Filha Gabriela”, levada ao ar pela extinta TV Tupi entre os anos de 1971 e 1972, com Eva Wilma no papel principal.

 

·                     O sergipano DJ Dolores, há muito radicado em Recife, lança mais um trabalho, o qual chega às lojas através da gravadora Rob Digital. Trata-se do álbum “1 Real” que traz, nos vocais, as participações de Isaar, Maciel Salu, Mônica Feijó e Silvério Pessoa, todos eles militantes da cena indie pernambucana. Entre múltiplas programações e fortes influências nordestinas, surgem bons momentos como “J.P.S.”, “Tocando o Terror” e “Flying Horse”, este um inspirado tema instrumental.

 

·                     Gravado ao vivo em estúdio do Rio de Janeiro em apenas um dia do último mês de fevereiro, o novo projeto do cantor Ritchie acaba de chegar às lojas em três formatos: CD, DVD e blu-ray (que é o vídeo em alta definição cotado para substituir o DVD nos próximos anos). Entre hits radiofônicos dos anos oitenta, a maioria deles assinados com Bernardo Vilhena (“Menina Veneno”, “Vôo de Coração”, “Pelo Interfone” e “A Vida Tem Dessas Coisas”) e lados B de sua discografia (“A Mulher Invisível”, “Nesse Avião”, “Loucura e Mágica” e “Lágrimas Demais”), surgem duas boas canções inéditas (“Cidade Tatuada”, parceria com Fausto Nilo, e “Outra Vez”, composta com Arnaldo Antunes). Ritchie continua com a voz em forma e os arranjos dos novos registros seguem basicamente os originais, com exceção da canção “Casanova” que ganha contornos mais sensuais. Do repertório constam também temas alheios já visitados pelo artista (“Shy Moon”, de Caetano Veloso, “Mercy Street”, de Peter Gabriel, e “Fala”, de Luhli e João Ricardo).

 

·                      Somente após percorrer 21 cidades com mais de 80 apresentações do show referente ao seu CD “Noites de Gala, Samba na Rua”, em que mergulhou na obra de Chico Buarque, foi que a cantora Mônica Salmaso achou que as canções já tinham adquirido outra dimensão e assim mereciam registro ao vivo. É esse álbum, gravado durante apresentação no Teatro Fecap, em São Paulo, que acaba de chegar às lojas através da gravadora Biscoito Fino. Acompanhada pelos excelentes músicos do grupo Pau Brasil, a cantora de voz macia e técnica irrepreensível mostra com elegância suas versões para obras-primas como “Construção”, “Basta um Dia”, “Morena dos Olhos d’Água”, “Partido Alto” e “Beatriz”.

 

·                     O artista homenageado no mais novo lançamento da série “Letra & Música” (o qual acaba de chegar ao mercado através do selo Discobertas de propriedade do pesquisador musical Marcelo Fróes) é Gonzaguinha. A compilação composta por onze faixas traz ótimos temas do inspirado compositor nas vozes de algumas das mais bonitas vozes femininas da nossa MPB. Entre as faixas estão “Gostoso” (com Fafá de Belém), “Feliz” (com Leila Pinheiro), “Diga Lá, Coração” (com Simone) e “Começaria Tudo Outra Vez” (com Marisa Gata Mansa).

 

·                     Este mês de agosto completam-se vinte anos da passagem do baiano Raul Seixas e, por isso mesmo, estão programadas algumas homenagens ao Maluco Beleza. Enquanto uma de suas filhas, a DJ Vivi Seixas, prepara um disco com remixes de sucessos do pai, o livro “O Baú do Raul Revirado”, escrito por Silvio Essinger, agora chega às lojas com uma versão em áudio narrada pelo vocalista do grupo Detonautas, Tico Santa Cruz. Também está sendo produzido o documentário “Raul Seixas – O Início, o Fim e o Meio”, dirigido por Evaldo Mocarzel e Walter Carvalho. Por fim, acabou de chegar às lojas, através do selo MZA Music, o projeto “20 Anos sem Raul” que contempla DVD (com documentário sobre a vida e a obra do roqueiro) e CD (que traz uma canção inédita intitulada “Gospel” que foi censurada em 1974).

 

·                    O show em homenagem a Wilson Simonal realizado semana retrasada na casa Vivo Rio, no Rio de Janeiro, foi devidamente registrado e se transformará em CD e DVD que aportarão nas lojas provavelmente no mês de outubro. Com a direção de Max de Castro e Wilson Simoninha, os dois filhos do artista, a apresentação contou com as estelares participações de Maria Rita, Fernanda Abreu, Mart’nália, Gilberto Gil e da banda Paralamas do Sucesso, entre vários outros.

 

·                    Cantor e compositor nascido na República do Congo, na África, mas atualmente radicado no Brasil, Lokua Kanza está gravando CD no Rio de Janeiro, o qual trará como destaque a canção “Vou Ver”, parceria dele com o mineiro Vander Lee, também convidado especial da faixa.

 

·                    No ano passado, Gerson King Combo, um dos nomes mais venerados do funk e do soul carioca, gravou show-baile realizado com a banda Supergroove no Rio de Janeiro. Este registro estará disponível, em breve, nos formatos CD e DVD os quais contarão com as participações de convidados como a cantora Andréa Dutra, o guitarrista Da Gama (ex-Cidade Negra) e o cantor Carlos Dafé.

 

 

RUBENS LISBOA é compositor e cantor


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