MUSIQUALIDADE, por Rubens Lisboa

M U S I Q U A L I D A D E

 

 

R E S E N H A     1

 

Cantoras: VÁRIAS

CD: “ELAS CANTAM ROBERTO CARLOS”

Gravadora: SONY MUSIC

 

No ano em que Roberto Carlos completa meio século de carreira, um dos espetáculos mais anunciados dentre os vários realizados foi, sem sombra de dúvida, o que aconteceu no dia 26 de maio no Teatro Municipal de São Paulo. Ali, sob o título de “Elas Cantam Roberto Carlos” (o qual, com a sua dubiedade, serviu muito bem para abraçar ambos os sentidos) se reuniram vinte das nossas maiores cantoras, além da apresentadora Hebe Camargo (que começou sua carreira como cantora) e da atriz Marília Pêra (que já se apresentou em diversos musicais também como cantora). Esse evento logicamente foi registrado e acaba de chegar às lojas, através da Sony Music (a gravadora de toda uma vida do Rei) em CD duplo (o DVD deverá aportar no mercado em novembro próximo).

Por motivos não bem explicados ficaram de fora algumas de nossas maiores divas como, por exemplo, Maria Bethânia, Gal Costa, Simone, Marisa Monte e Maria Rita. Decerto que não haveria espaço para todas as intérpretes que se dizem fãs de Roberto, mas a ausência dessas artistas supracitadas comprometeu o resultado, até porque, como nome maior da nossa música, Roberto merecia, sim, tais estelares adesões.

Isto posto, chega-se ao produto como um todo e o resultado soa abaixo do razoável. É que poucas das artistas selecionadas se encontravam, de fato, num dia iluminado e não precisa ser um ouvinte exigente para chegar a essa conclusão.

É claro que nervosismos e choques de ego devem ter contribuído. Entende-se como normal que cada uma delas quisesse se destacar em meio às demais e quem canta sabe como é difícil apurar a garganta com a apresentação de apenas uma música, por mais exercícios vocais que se tenha feito antes de subir ao palco.

Mas o fato é que, com arranjos assinados por Tutuca Borba, Alexandre Vargas, Renato Fonseca, Cristóvão Bastos e Eduardo Lages e tendo à disposição uma pena de músicos de qualidade, o que se constata é uma série de equívocos que vão desde a escolha do repertório (que correu frouxa) até a pouca intimidade de algumas das convidadas com a emoção que a canção lhe pedia. Torna-se injustificável, por exemplo, que, com tantas músicas de sucesso compostas por Roberto e seu parceiro de sempre (Erasmo Carlos) e sendo o show uma homenagem explícita a ele, cinco das canções escolhidas não tenham sido de sua autoria, mesmo que elas tenham se transformado em grandes sucessos na sua voz (“Canzone Per Te”, “Nossa Canção”, “Como Dois e Dois”, “Força Estranha” e “Falando Sério”).

Assim, entre várias derrapadas, quem termina surpreendendo mesmo é Hebe Camargo que, embora levemente empostada, mostrou-se adequada em “Você Não Sabe”. Outra que se saiu legal foi Nana Caymmi, à vontade em seu arranjo novelístico de “Não Se Esqueça de Mim”. Já o dueto da mamãe Zizi Possi com a filhota Luiza soou apenas correto, assim a releitura da primeira para “Proposta”. E Ana Carolina, talvez a mais aplaudida, soltou o seu vozeirão, mas sem os excessos de costume. Ponto pra ela! O mesmo não aconteceu com Cláudia Leite, fora do sentimento necessário para uma canção que fala de desilusão amorosa. As conterrâneas Ivete Sangalo e Daniela Mercury saíram-se um pouquinho melhor: enquanto a primeira sussurrou “Olha” (com pequenos tropeços na letra), a segunda quis ser o momento animado da noite e quase que desandou (a faixa só começa a se encaixar lá pela metade). Deslocada é o adjetivo que qualifica a participação da cantora lírica Celine Imbert, cujo timbre não é exatamente talhado para o canto popular. Tão infeliz quanto aparece Sandy com sua vozinha de eterna adolescente, mostrando que pouco amadureceu e que vai ser difícil emplacar carreira solo na fase adulta. Discreta, Rosemary conseguiu passar tão batida quanto a sua colega de Jovem Guarda, a também sempre loura Wanderléa. Melhor sorte tiveram Alcione e Fafá de Belém que não se deixaram sucumbir por convenções harmônicas burocráticas. E se Paula Toller não conseguiu dar a exata vazão para “As Curvas da Estrada de Santos” (realmente uma canção complexa), Marina Lima até que tentou arriscar-se por um caminho moderninho, mas sua voz fora de forma resultou em momento constrangedor. Munida apenas com seu violão, Adriana Calcanhotto foi outra que não empolgou, o que só não aconteceu de todo com Mart’nália porque, na sua praia (o samba), ela soube desenvolver com suingue um tema menor de Roberto. Completou a apresentação uma Marília Pêra esgoelada, num tom desconfortavelmente alto (será que ninguém ouviu isso?), alterando-se nos versos falados e cantados de “120, 150, 200 km por Hora”.

Ao final, o Rei, emocionado, canta… “Emoções” (claro!) e, ao lado de suas “meninas”, entoa o hino “Como É Grande o Meu Amor Por Você”. O material que saiu em CD omitiu três números do espetáculo: “Esqueça” (o dueto que reuniu Daniela Mercury com Wanderléa), “Esqueça” (uma das músicas cantada por Ivete Sangalo) e o outro número coletivo (“É Preciso Saber Viver”).

Como (novamente e mais uma vez) Roberto já informou que o aguardado CD de inéditas vai ficar para 2010 (será?), seus fãs natalinos vão ter que se contentar com esse “Elas Cantam” e com o produto (CD e DVD) que resultará do show realizado no Maracanã repleto de músicas batidas e imagens pluviais. Assim, é mole…

 

 

R E S E N H A     2

 

Cantora: ANA CAÑAS

CD: “HEIN?”

Gravadora: SONY MUSIC

 

Quando lançou, em 2007, o seu primeiro CD (“Amor e Caos”), a cantora Ana Cañas foi apresentada pela mídia como uma grande revelação. Ancorada pela realização de bem sucedidas apresentações em São Paulo (cuja atmosfera jazzística imperava), ela se tornou a grande aposta da gravadora Sony Music para aquele ano mas, mesmo com música incluída em trilha de novela (a regravação de “Coração Vagabundo”, de Caetano Veloso, para “Beleza Pura”), o disco passou quase que despercebido pelo público em geral, muito por conta do repertório que, embora aglutinasse canções de Bob Dylan (“Rainy Day Women”) e Jorge Mautner (“Super Mulher), era majoritariamente composto por canções autorais, muitas delas ainda carecendo de identidade.

Chegou recentemente às lojas o novo CD de Ana (intitulado “Hein?”) e este vem novamente envolto por considerável estratégia de marketing. A maior delas é certamente a inclusão da música “Esconderijo” (uma das mais calmas e também das mais bonitas do trabalho) na trilha sonora da telenovela global “Viver a Vida”. É canção que tem tudo para se transformar num dos hits de 2009, até porque segue fórmula já testada com sucesso por Vanessa da Mata: interpretação adocicada em tema palatável que fala de amor e solidão.

Ana de fato canta bem e isso é inegável. Transita com segurança desde canções mais simples até outras que exigem maior potência vocal. Afinada, possui um belo timbre e fica claro desde uma primeira audição que, se ela se concentrasse mais no lado de intérprete do que no de compositora, certamente teria muito mais a oferecer. No recém-lançado álbum (composto por uma dúzia de faixas), ela assina a autoria (na maioria das vezes ao lado de parceiros) de onze delas (não por acaso as inéditas). Apenas “Chucky Berry Fields Forever”, revisitada de maneira apropriada, é da lavra setentista de Gilberto Gil.

Diferentemente do disco de estreia em que se denotou uma linhagem voltada para o que se convencionou chamar de MPB, o atual CD reveste-se de um espírito roqueiro que, à primeira intenção, soa meio Pitty. Após reiteradas audições, essa impressão inicial vai se dissipando, mas não se pode deixar de ressaltar que parece estranho, já num segundo trabalho, uma mudança de rota tão abrupta. Muito dessa guinada parece ser fruto da mão de Liminha na produção. Experiente, foi ele quem soube liquidificar os elementos presentes no primeiro CD da já citada Vanessa da Mata (mas que também não obteve, de imediato, o êxito esperado) e formatá-los numa roupagem mais moderna. A gravadora o arregimenta novamente na esperança de que agora venha a acontecer o mesmo com Ana (ele, inclusive, assina em parceria com a artista oito das canções presentes). Outro colaborador que aparece em várias parcerias (cinco, para ser exato) é Arnaldo Antunes, mas sua grife aqui não parece aflorar, dando a impressão de que foi requisitado apenas para aparar arestas.

A mediana faixa “Na Multidão” já toca em algumas rádios mais segmentadas e não é a toa que a imagem de Ana, no estilo Amy Winehouse, vem sendo trabalhada nos recentes shows de lançamento (o mundo do showbizz não pode brincar e há muitos interesses por trás de um lançamento desse quilate). No entanto, há momentos mais bem resolvidos, como é o caso do rock possante “Gira”, da balada “Aquário” e do reggae “Problema Tudo Bem”.

Ana Canãs tem talento e carisma suficientes para deslanchar. O imponderável, contudo, é que deverá definir a sua história musical, até agora sem uma linha condutora definida. Na torcida por ela, acompanhemos!

 

 

N O V I D A D E S

 

 

·                     Chega ao mercado pelo selo CPC/Umes o novo CD de Ana de Hollanda, a irmã menos conhecida de Chico, intitulado “Só na Canção”. Após dois álbuns eminentemente como intérprete, a artista assume desta vez por inteiro o seu lado de compositora. Todas as quatorze faixas são de autoria dela própria ao lado de diversos parceiros (a única que ela assina sozinha é “Choro por um Silêncio”), tais como Jards Macalé, Novelli e Nivaldo Ornelas. Ana possui voz doce e pequena e seu canto faz parte da escola inteligente abraçada por Nara Leão. No entanto, a sinceridade musical aflora através de canções de delicadeza ímpar. Dificilmente terão execução maciça nas rádios, ávidas por temas de assimilação mais imediata, mas não se pode deixar de reconhecer a qualidade dos sambas, baladas e boleros que compõem o repertório. Produzido por Maurício Carrilho e com os arranjos assinados pelo competente Helvius Vilela, o disco tem como destaques as faixas “Estrada da Vida”, “Minha Criança” e “Tropeço”. Mas o melhor momento fica mesmo com a bonita “Jogos de Azar”, que conta com a participação especial, nos vocais, de sua co-autora, a sempre inspirada Lucina.

 

·                     A cantora Karla Sabah prepara um novo CD em que a maioria das canções são poemas de sua autoria musicados por gente como Rildo Hora e Perinho Santana.

 

·                     Com produção assinada por Victor Biglione chegou recentemente ao mercado o CD “Corda com Bala”, no qual o violonista Marcel Powell (filho de Baden) se une ao baterista Sandro Araújo e ao baixista André Neiva para apresentar belos temas instrumentais, sejam eles inéditos ou regravações de músicas conhecidas, tais como “Cry me a River”, “Incompatibilidade de Gênios” e “O Morro Não Tem Vez”. E falando em Baden Powell, a gravadora Biscoito Fino acaba de reeditar em CD o disco “Ao Vivo no Teatro Santa Rosa”, lançado originalmente pela gravadora Elenco em 1966 sob a produção de Aloysio de Oliveira. Contando com a presença iluminada de Oscar Castro Neves ao piano, o repertório contempla temas autorais (a exemplo de “Berimbau” e “Consolação”) e traz como curiosidade a inclusão do “Prelúdio em Ré Menor”, de Bach.

 

·                     O projeto da gravadora Sony Music “Um Barzinho, um Violão” ganha agora, em dois volumes, contornos sertanejos. Nas lojas ainda este mês, o time de artistas convidados conta, entre outros, com as presenças de Zeca Pagodinho, Fafá de Belém e Chitãozinho & Xororó.

 

·                     Geraldo Azevedo acaba de lançar o DVD “Uma Geral do Azevedo”, através do qual apresenta, no repertório, um panorama de sua carreira. Registrado durante show realizado em novembro do ano passado no Circo Voador (RJ), o trabalho resgata, entre outras, as canções “Dia Branco”, “Táxi Lunar”, “Bicho de Sete Cabeças”, “Caravana” e “Canta Coração”. Entre as inéditas, há o xote “É Minha Vida” e o frevo “É o Frevo, É Brasil”. Bem legal!

 

 

RUBENS LISBOA é compositor e cantor


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