Musiqualidade, por Rubens Lisboa

M U S I Q U A L I D A D E

 

 

R E S E N H A     1

 

Cantora: MARLENE

CD/DVD: “A RAINHA E OS ARTISTAS DO RÁDIO”

Gravadora: INDEPENDENTE

 

Durante esse já considerável período em que estou à frente desta Musiqualidade, não me lembro de ter escrito antes na primeira pessoa. Diferentemente de alguns veículos da mídia, principalmente da sergipana, entendo que, quando se tem uma responsabilidade de chegar aos leitores de forma tão direta, há de se fazer da forma mais independente possível. Misturar as estações seria estar utilizando injustamente de um espaço que não deve ser visto como de interesse meu, mas de todos os que acompanham o que aqui se faz exposto.

Esta semana, no entanto, peço licença para começar a presente resenha de forma excepcional: é que, amante da música desde a pré-adolescência, não posso deixar de constar que a artista que me fez aflorar esse deslumbramento foi Marlene. À época, ela já não contava com a popularidade de décadas anteriores, mas sua figura esguia e majestosa se apresentado numa das edições do Projeto Seis e Meia (que deu origem ao Pixinguinha), então realizado semanalmente no palco do Teatro Atheneu, foi de uma importância única para mim. A força impressa nas interpretações da artista, espontânea e visceral, era arrebatadora (sua versão para “Geni e o Zepelim”, de Chico Buarque, chegava de fato a arrepiar os presentes) e, ali, pude constatar o que se chama de verdadeira vocação (tão diferente da falta de simancol hoje em dia em voga). Marlene nascera para aquilo, com o dom inato de fazer brotar as mais diversas emoções naqueles que tiveram o privilégio de assisti-la em cena nos seus tempos áureos de forma física e vocal. A hoje senhora foi a verdadeira precursora das grandes intérpretes da nossa música popular (e Maria Bethânia talvez seja o exemplo mais concreto disso). Antes dela, as cantoras nacionais caracterizavam-se, via de regra, por se entregar unicamente a canções de viés romântico, sem se arriscar em outras vertentes nem fazer uso de suas veias dramáticas.

Marlene nasceu Vitória Martino Bonaiutti, em São Paulo (SP), no dia 19 de novembro de 1924. Educada em um colégio batista, pegou emprestado o nome artístico em 1942 da grande atriz alemã Marlene Dietrich. Começou a carreira aos treze anos, escondida da família, no programa “Hora do Estudante”, da Rádio Bandeirantes e, três anos após, já cantava profissionalmente na Rádio Tupi. Ao se mudar para o Rio de Janeiro, foi trabalhar no lendário Cassino da Urna, sendo contratada, em seguida, pelas Rádios Mayrink Veiga, Globo e Nacional. Em 1949, foi eleita “Rainha do Rádio”, derrotando a favorita, Emilinha Borba, e criando uma rivalidade histórica entre os fãs-clubes das duas. Dez anos depois, a convite da cantora francesa Edith Piaf, tornou-se a primeira brasileira a se apresentar no Teatro Olympia de Paris. Durante a carreira, ela colecionou grandes sucessos, dentre os quais “Lata d´Água”, “Zé Marmita”, “Apito no Samba”, “Canção do Medo”, “E Tome Polca” e “Galope”. Já como atriz, participou de diversos filmes, novelas e peças (algumas delas musicais), excursionando por todo o Brasil e pelo exterior.

É essa artista ímpar da nossa MPB a principal homenageada no CD e DVD intitulados “A Rainha e os Artistas do Rádio”, projeto gravado em abril de 2007 no palco do auditório da já citada Rádio Nacional e que só recentemente chegou ao mercado em escala comercial. O vídeo é narrado pelo ator Gracindo Jr. e, costurado por imagens de arquivo e depoimentos, apresenta um apanhado geral da chamada “época de ouro do rádio”. Das dezesseis canções que fazem parte do repertório, metade é cantada por Marlene (que mostra impressionante vitalidade, embora o peso dos anos já lhe seja visível), dentre as quais merecem destaque “Meu Guri” e “Como uma Onda”. As outras oito surgem nas vozes de Ademilde Fonseca, Ellen de Lima, Carmélia Alves, Carminha Mascarenhas, Bob Nelson, Cris Delanno, Mariana Belém e Thaís Bonizzi.

Marlene sempre foi (e continua sendo) nota dez! E esse projeto constata tal afirmação. Merece, pois, ser divulgado com eficiência para que as novas gerações possam reverenciar essa diva como realmente ela merece.

 

 

R E S E N H A     2

 

Cantor: FRANCIS HIME

CD: “O TEMPO DAS PALAVRAS… IMAGEM”
Gravadora: BISCOITO FINO

 

Francis Hime é compositor carioca que ficou mais conhecido durante a década de setenta quando criou várias belas canções ao lado de Chico Buarque, tais como “Trocando em Miúdos”, “Atrás da Porta” e “Vai Passar”. Começou a estudar piano clássico na infância no Conservatório Brasileiro de Música, tendo morado durante alguns anos na Suíça, aprimorando-se nesse instrumento. Foi durante os anos sessenta que ele começou a se envolver com música popular e teve seu talento inicialmente avalizado por Vinicius de Moraes, com quem compões algumas músicas, a exemplo de “Sem Mais Adeus”, “Anoiteceu” e “Samba de Maria”. Concomitantemente ao seu trabalho solo, no qual desenvolveu, ao longo do tempo, parcerias com nomes como Geraldo Carneiro, Paulo César Pinheiro e Olívia Hime (seus colaboradores mais constantes), Francis trabalhou também com trilhas para cinema e como arranjador.

Foi tentando unir esses dois lados, ou seja, o da música cantada com o da música instrumental, que o artista acaba de lançar, através da gravadora Biscoito Fino, um ótimo CD duplo. Intitulado “O Tempo das Palavras… Imagens”, o novo trabalho mostra, em um dos álbuns, a mais recente produção musical de Francis que se abre a novas parcerias com Joyce e Moska; no outro álbum são compilados temas executados por ele unicamente ao piano, os quais fizeram parte dos filmes “Dona Flor e Seus Dois Maridos”, “O Homem que Copiou o Mundo”, “A Estrela Sobe”, “Um Homem Célebre”, “A Noiva da Cidade”, “Lição de Amor”, “Marcados para Viver” e “Marília e Marina”.

Francis é um melodista que conhece o que faz. As músicas que ele compõe para pontuar as emoções das personagens de uma película e para acentuar as passagens das cenas são feitas com o intuito de desvendar, o mais que possível, as situações para o espectador, redesenhando-lhe as imagens. Aqui, os vinte e cinco temas que, nos registros originais, mereceram arranjos mais pomposos, foram reduzidos tão-somente ao seu piano característico (como, aliás, todos eles nasceram), mas nem por isso perderam o brilho próprio.

Quando se volta para as canções cantadas, no entanto, pelo formato exigido pelas mesmas, Francis tem que se adequar a um conceito mais fixo. Mesmo sabendo que

o tempo agora é outro, ele, inteligente, parece querer deixar claro que o das palavras se faz sempre sem limites. Assim, é que, aos setenta anos, ele mostra rara inspiração na construção de melodias que se encaixam com perfeição nos versos criados pelos parceiros. Em “Adrenalina”, o samba ligeiro que abre o CD, a eclética letra reúne Iemanjá e Platão, Iansã e Descartes com insuspeita propriedade. Em seguida, em clima camerístico, surge a suave “O Amor Perdido” e, ao final, a faixa-título resgata a beleza de uma valsa-rancho de primeira estirpe. Já “Existe um Céu”, gravada originalmente pela cantora Simone para a trilha da telenovela global “Paraíso Tropical” em 2007, ganha uma versão menos lânguida, transformando-se em um dos melhores momentos do disco, ao lado da comovente “O Sim Pelo Não” (composição antiga feita com Edu Lobo) e da contagiante homenagem “Pra Baden e Vinicius”. Sempre solícito quanto à participação de colegas em seus trabalhos, desta feita a única convidada é Mônica Salmaso, segura como de costume na boa valsa “Maré”.

Como cantor, é fato que Francis não chega a fazer feio, mas se torna inquestionável que é quando encontram intérpretes com maior potencial vocal que suas canções encontram seu porto seguro, o que não impede de reconhecer que o CD duplo ora em resenha merece um lugar de destaque na já vasta discografia do artista.

 

 

N O V I D A D E S

 

·                     O que uma marcha e um samba (o ótimo “Anhanguera”) podem estar fazendo no meio do trabalho de uma banda paulistana onde o som característico é o rock psicodélico? Quem escutar “Chorume”, o recém-lançado segundo CD da banda paulista Numismata pode encontrar a resposta. Mas a verdade é que são essas duas canções (estranhas no ninho) que se destacam no álbum independente que mostra o talento de cinco rapazes (Adalberto Rabelo Filho e André Vilela nas guitarras, Carlos H no baixo, Felipe Veiga na bateria e Piero Damiani no piano e voz) que lutam por um lugar ao Sol. Com dez faixas (uma delas, o mambo instrumental “Fernando”), a banda se consolida como uma promissora esperança no mercado musical nacional, contando com o aval de Luiz Melodia, Carlos Fernando e Maria Alcina, os convidados especiais das faixas “Prejuízo”, “Viralatas” e “A Vida Como Ela É”, respectivamente. Outros bons momentos ficam por conta de “Todo o Céu e Essas Pequenas Coisas”, “O Inferno e um Pouco Mais” e “A Passos Largos”, esta adornada por um naipe de cordas.

 

·                     Acaba de chegar às lojas, através da gravadora Universal, a caixa “Salve, Jorge!”, contendo os treze discos gravados por Jorge Ben Jor para a Philips entre 1963 e 1976 e mais um CD, duplo, com gravações raras ou avulsas.

 

·                     Rodrigo Vellozo é filho de Benito di Paula e, tal qual o pai, compõe e canta. O jovem está lançando o seu primeiro CD que chega às lojas através da gravadora Atração. Composto por quatorze faixas e intitulado “Samba de Câmara”, o trabalho apresenta um artista talentoso e versátil que só peca por abrir desnecessariamente o leque do repertório. Rodrigo canta muito bem com uma emoção toda própria, longe do estilo do pai, e se mostra especialmente à vontade nas faixas “Aconteceu”, “Marcas do Passado” (ambas de sua própria autoria) e “Nunca Desista do Seu Amor” (belo tema do xará Rodrigo Santos). Os arranjos (bem elaborados) justificam o título do álbum quando enxertam ao samba instrumentos como o piano e o violoncelo. Outros bons momentos ficam por conta de “Dente no Dente” (de Jards Macalé e Torquato Neto), “Samba Erudito” (de Paulo Vanzolini) e “Não Precisa Muita Coisa” (parceria de Benito com Adoniran Barbosa).

 

·                     A cantora pernambucana Ana Diniz em breve estará lançando o seu segundo CD. Intitulado “Onde Eu Canto, Um Galo Canta”, o trabalho terá como um dos destaques do repertório a regravação do belo tema “Olinda”, de Alceu Valença.

 

·                     Ricardo Teté está pondo nas lojas o seu primeiro CD solo, depois de estrear no mercado fonográfico em 2007, ao lado de Danilo Moraes, com o álbum “A Torcida Grita”. Trata-se de um lançamento independente, produzido por David Linx e composto por uma dúzia de faixas, entre elas duas versões (“Rimas” e “Il Ne Faut Pas Briser Un Rève”) e duas regravações (“Tristeza Pé no Chão” e “She’s a Fish”). Ricardo costura um painel que mostra as várias influências que sedimentaram sua obra autoral, dentre elas o samba, presente já na faixa-título. Embora a voz do artista não seja particularmente especial, ela soa agradável especialmente em “Relativismo” e “Depois do Carnaval”, dois dos melhores momentos do disco. Nada, porém, que supere a irresistível “Beijo Roubado”, indubitavelmente o ponto alto desse bem-vindo trabalho.

 

·                     Em fase de crescente prestígio, Seu Jorge nem bem pôs nas lojas o álbum “América Brasil, o CD ao vivo” (que reúne, no repertório, sucessos como “São Gonça”, “Trabalhador”, “Mina do Condomínio”, “Carolina” e “Burguesinha”) e já se prepara para o lançamento de seu próximo disco no começo de 2010, o qual trará releituras para canções que ficaram famosas nas vozes de Tim Maia (“Cristina”), Jorge Ben Jor (“Errare Humanum Est”) e Michael Jackson (“Rock with You”). O álbum foi gravado com a banda Almaz que possui, na sua formação, dois integrantes do grupo Nação Zumbi (o guitarrista Lúcio Maia e o baterista Pupillo) e leva a assinatura de Mario Caldato na produção.

 

 

RUBENS LISBOA é compositor e cantor


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