NA SURUBA DO VOVÔ BOUÇINHAS

 

Cartas do Apolônio 

 

Cascais, 23 de fevereiro de 2006

 

Caros amigos de Sergipe

 

O meu carnaval começou muito animado. Ontem fui com Zenóbia, minha ex-patroa sexagenária, prestigiar a SURUBA do vovô Bouçinhas.

Diferentemente da sem vergonhice que os senhores devem estar imaginando, SURUBA aqui em Portugal é uma festa das mais inocentes.

Trata-se tão somente de uma sigla para “Sessão Unificada para Reencontro de Usuários de Bebidas Alcoólicas”. È só juntar as iniciais e a farra está feita.

É verdade que nestas ocasiões se bebe muito vinho e dança-se a valer, mas a coisa pára por aí. Não há maiores saliências como no país do arrocha.

E assim foi na festa do vovô. Amigos e familiares alegremente reunidos em torno de uma farta mesa de comes e bebes.

O problema é que ando um tanto fora de forma em termos etílicos. Por isso, bastou tomar meia garrafa de vinho, para que eu começasse a chamar Jesus de Genésio, como se diz por aí.

Empolgado com a performance do sexagenário Mick Jagger no show de Copacabana, levantei-me da mesa e pus a dançar, saracoteando pra lá e pra cá feito um Michael Jackson da terceira idade ao som de um velho rock do ‘Mamas and The Papas’.

Zenóbia, como era de se esperar, me acompanhou nos maneios e siricoticos coreográficos. Logo todos os convidados fizeram uma roda em torno daquela exótica manifestação de bestialidade corporal e demência senil.

Por obra fortuita do destino, estava presente à festa, a jovem Alicinha Multimidia, DJ e apresentadora de tv, que enlouqueceu com a nossa performance e nos convidou para esticar a noite na boate Batidão, um dos seus locais de trabalho.  

Pejado de ufanias pelos elogios à minha desenvoltura coreográfica e com o ego nas alturas pela possibilidade de traçar a midiática moçoila, lá fui eu pagar o mico na tal casa noturna. A turma da terceira idade foi comigo.

Qual não foi a nossa surpresa ao ver a gente esquisita que estava dentro daquele enfumaçado ambiente. Góticos de casacos pretos, gente com ferros na testa e pingentes na boca, branquelas tatuadas e toda a sorte de malucos com aquele cheiro de canabis e olhar de peixe morto. Imaginem a surpresa deles ao desembarcar da comitiva que, ao todo, devia somar uns 650 anos. 

Passado o susto inicial, voltamos a beber e a nos soltar mais e mais. Ainda sob efeito dos tintos que tomara na casa do vovô, voltei a dar meu show de dança ao lado de Zenóbia, que desta vez roubou a cena.  

Todos queriam dançar ao lado daquela geriátrica senhora que balançava os braços num frenesi de dar inveja ao Jonh Travolta nos tempos da brilhantina.

Percebendo a gravidade da exótica situação, fui saindo de fininho até encontrar Alice atracada a um monte de rapazes e moças que faziam fila na porta dos banheiros.

Um tanto chocado com a apimentada cena, resolvi voltar sozinho para a festa do vovô à guisa de tomar a última garrafa. Qual nada, o velho já estava dormindo em frente à tv ligada em tela azul. Em suas mãos a capa de um DVD onde se lia ‘4 blondies for 7 blacks’. Já não se fazem mais SURUBAS como antigamente.    

 

 

Até semana que vem. 

 

Um abraço do

 

Apolônio Lisboa.  

 

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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