Ser alguém é uma mentira. Querer ser alguém, pior. Abrindo o site de amigos que morreram, fico a pensar: o que adianta ser alguém? O que é isso? Ser alguém. Quando você pergunta a uma criança o que ela quer ser quando crescer, sempre responde médico, astronauta, motorista de caminhão. A inocência turva nossa consciência. Na verdade, no Brasil ser alguém é ser ninguém. É uma ilusão. Amputam de você o principal: ser você mesmo. Pleno. Você todo. Inteiro. Completo. Único. Vasto. E dentro de tudo.
Quando alguém diz ele é doutor – ele não é nada. Quando alguém diz ele é escritor, publicou um monte de livros – ele não é nada. Quando alguém diz ela é mãe de nove filhos- ela não é nada. Ele é secretário de Estado – ele não é nada. Ninguém é nada. Quando se morre, menos ainda. Você vira site e sua morte fica lá, como se fosse hoje.
Ele formou-se. Tem doutorado. Ele não é nada do mesmo jeito. É menos que o cortador de cana que é obrigado pelo capataz a cortar uma tonelada. É nada. A mentira de que se é alguma coisa, acreditar nela como verdade absoluta – eu sou alguém. É balela. É irreal. Ninguém é nada.
Um país que faz um clip com Ana Maria Braga, endeusando, e eu pensei que ela tinha morrido, não pode ser nada. As pessoas viraram celebridades do nada. Só porque uma pessoa falou meu nome num programa nacional, todo mundo achou que eu estava rico e famoso. É ridículo! Até frentista de posto disse: que massa! Então não sou nada, nunca serei nada – como disse Fernando Pessoa. Ninguém é ninguém. Não adianta ser nada, criar nada.
Ontem morreu um dos mais geniais pintores do nosso tempo, Aldemir Martins. E nada. Uma nota na Folha de São Paulo, no Estadão, nos sites. E nada. Viver uma vida inteira dedicada a alguma coisa, a uma arte, a uma causa não vale nada. No fim, Sartre estava certo em “O Ser e o Nada”. “A Filosofia aparece a alguns como um meio homogêneo: os pensamentos nascem nele, morrem nele, os sistemas nele se edificam para nele desmoronar. Outros consideram-na como certa atitude cuja adoção estaria sempre ao alcance de nossa liberdade. Outros ainda, como um setor determinado da cultura. A nosso ver, a Filosofia não existe; sob qualquer forma que a consideremos, essa sombra da ciência, essa eminência parda da humanidade não passa de uma abstração hipostasiada.”
Vivemos uma era de desmonte. De mentiras. As universidades servem para quê? Para nada. Os jornais? Para nada. A vida, para nada. O amor. Para nada. A vida é apenas um rodapé no fim da página. Não sabemos o porquê de nada. A política. Para nada. A morte para nada. Julgamos está escrevendo a mais bela pagina da literatura, o mais investigativo texto do jornalismo – e que furo! – para quê? Para nada.