Poderíamos passar um natal totalmente diferente. Mas escolhemos nossa família, mesa farta, todos sãos e salvos. Aquela manjedoura de Belém nem de longe pode existir. Nós escolhemos o natal da TV de plasma , do cinema, das revistas, das lojas. Este o é natal que saboreamos todos os anos. Trocamos presentes, rimos com os amigos e parentes, e estão todos eles ali, indiferentes a nós mesmos, porque a nossa dor não sai no jornal.
Não importa se você participou do mãos amigas, do criança sem esperança, da ONG da Xuxa, se mandou um envelope com dinheiro, para aquele parente que você roubou um dia a casa da herança. Não importa mesmo se você comprou uma cesta básica, ligou dando um toque a cobrar pro inimigo com medo, e ele(o pior!) respondeu ao toque e você pensou que ele te perdoou porque é natal.
A verdade é que daqui a pouco é 2013, você vai continuar no mesmo país, pagando por uma saúde que não existe, por sexo que não existe, por filhos que não existem, por vida que não existe. Mas é natal. A mesa farta, com iguarias e chandons nos faz acreditar que conseguimos um patamar de brilho, de poder estourar o espumante e dizer: venci! E aí você olha pro lado e vê seu irmão com a terceira mulher e já pagando pensão pras últimas duas. Olha para a mamãe e vê que ninguém comprou nada diferente do que o tecido para ela fazer uma blusa, ou uma panela teflon para ela fazer o mingau do bebê ou ainda aquela lavadoura de roupa, para lavar as roupas encardidas dos netinhos.
Mas mesmo assim, é natal. Dilma deve estar de vermelho prenunciando o “Brasil carinhoso” e Tim Maia deve estar rindo, do outro lado de Cascadura, dizendo “que babacas este povo de merda!” Mas é natal mesmo assim. Coraisinhos, fitas douradas, carros na porta das nossas casas e o tablet com facebook a postos, além do instagram com as fotos de uma gente muito feliz.
Por um minuto vamos pensar que não fracassamos, não devemos nada a ninguém, que todos estão vivos à volta, a única pessoa que morreu foi a filha que se matou, mas diremos: “ela quis assim, foi melhor para a família, tirar uma louca suicida de nossas mesas.” E a noite vai seguir não com jingle Bell, mas com o rei cantando “eu sou o cara”, porque ele tem todo dinheiro do mundo para dormir com a mulher que quiser e você não pode ficar triste porque não nasceu com a cara do Jesus Luz e por isso não comeu a Madonna. Mesmo assim, vamos dar mais dinheiro a ele(ao Roberto) , vamos aceitar a Semana do Jô na GNT(um xarope!) e Marília Gabriela apresentando tudo que é programa, menos o “Roda Viva” agora, porque não existe jornalistas mais neste país.
É natal e vamos ver Jimie Oliver, Nigella e Troisgros ensinando a fazer um pannetoni integral. É pra morrer de rir. Vamos assistir repetidas vezes as propagandas do Itau, Bradesco e Banco do Brasil(é só você ter tido câncer e ter namorado a Marília Gabriela) que te pagam um cachê bem gordo para você continuar fazendo papel de bobo na novela! Mas mesmo assim será sempre natal: mesas postas, gloss, GNT fashion, árvores de natal em lad, viagens ao exterior em 10 vezes no cartão e muita, muita paciência pra responder se você quer o CPF nota.
Afora isso, nós vamos fingir que somos bons. Vamos reenrolar os pannetonis que nos enviaram, o perfume do Boticário e o vinho cabernet sauvignon e vamos pedir ao motorista para entregar com um cartão desejando prosperidade a quem odiamos na verdade. Vamos também fingir que somos religiosos, iremos à missa do galo, vamos substituir Ivete e Faustão pela fala do papa direto do Vaticano, iremos ao culto evangélico cumprir a corrente da prosperidade e depois vamos jejuar até que dê meia noite e devoremos o peru inteiro. Tudo, porque nos ensinaram que é natal.
Depois do ritual, nos lembraremos das tragédias. Dos tsunamis internos, de amigos que foram presos, do crack que substituiu a boneca barbie e vamos acender uma vela amarela para Iemanjá nos ajudar a carregar o fardo. Mas em fração de segundos, vamos nos esquecer das mazelas. Natal não combina com isso. Lembrar que moramos no Brasil,nem pensar. Acreditar que você vai se aposentar e logo depois morrer muito menos, e que você vai levar um chifre assim que descobrirem que o Viagra não faz mais efeito, nada disso. “Tá tudo muito bom, tá tudo muito bem, batatas fritas.”
Quando você menos esperar já é dia de voltar ao batente. Salário no fim do mês, prestação do carro e da escola dos filhos, médico para controlar as taxas de colesterol e crédito no celular e foto no instagram para provar que você pode teve o natal digno de inveja. Como se não bastasse, você vai agora, mesmo atrasado, abrir os presentes. Nenhum livro de Joyce, Truman Capote nem pensar e num pacote que ficou embaixo de todos, um DVD de Roberto Carlos,dizendo que você é o cara, mesmo com todos os dedos da mão.
Mas o melhor está por vir. Acreditando ser a última coca-cola do deserto você vai receber uma garrafa com o seu nome na embalagem. Vai pensar que é uma homenagem a você e vai gritar: “filhinho venha ver papai na coca.” O filho correndo vai dizer: papi o senhor vai ser vovô, a mãezinha já atrás grita:” vou ser vovó. O nosso natal vai ter mais gente.” Oba! Só não se esqueça para tudo sair correto, de fazer um prato com todos os quitutes pro porteiro do prédio.
Esta é receita de um natal porreta. Êta mundo cão!