Flávia de Sá Pedreira
Professora do Departamento de História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
A produção historiográfica sobre a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) é ampla e muito diversificada, suscitando debates/embates teóricos, metodológicos e ideológicos, desde o seu desfecho até a atualidade. É preciso reiterar que não existe ponto final na história, na medida em que o passado é revisitado a cada geração de pesquisadores. E, muitas vezes, o próprio autor de uma determinada obra, com o passar do tempo, pode vir a fazer-lhe alterações que permitam diferentes interpretações.
Ao lado de exaustivas pesquisas em arquivos, faz-se oportuna a inclusão de entrevistas orais com aqueles que vivenciaram a época e/ou seus descendentes, trazendo à tona um verdadeiro exercício de memória que muito tem a esclarecer sobre fatos e personagens envolvidos. Alguns de nossos valorosos entrevistados já se foram, mas seus relatos ficaram como testemunhos imprescindíveis ao preenchimento de lacunas na documentação escrita do período. Da mesma forma, os registros fotográficos, fílmicos – de documentários a obras de ficção – revelaram-se como importantes fontes de pesquisa histórica.
Tendo participado em outras publicações sobre essa temática, referindo-me à história do cotidiano na cidade de Natal-RN, que no período da guerra ficou internacionalmente conhecida pelo epíteto de “Trampolim da Vitória”, tomei a iniciativa de convidar alguns colegas historiadores para juntos podermos divulgar nossos trabalhos, enfatizando a importante participação de todas as capitais do Nordeste brasileiro no conflito mundial.
A indiscutível posição geográfica estratégica desta região do país muito contribuiu para o desfecho vitorioso dos países Aliados. A discussão sobre a necessidade de se construir bases aéreas norte-americanas aqui demorou cerca de três anos, com intensas negociações entre os governos brasileiro e estadunidense. Com a instalação das bases, a partir de dezembro de 1941, o contato entre a população local e os estrangeiros fez-se de forma nem sempre harmoniosa, passando de uma convivência inicialmente cordial à confrontação explícita, principalmente na fase de racionamento em prol do “esforço de guerra”.
Esperamos que o leitor consiga vislumbrar, nesta coletânea, um quadro bastante diversificado dos aspectos de experiência urbana de cada capital nordestina, nos anos em que vivenciaram os transtornos e mudanças oriundos de seu envolvimento forçado na situação de guerra. Dos dias e noites marcados por desavenças pela demarcação de espaços identitários entre “os da terra” e os recém-chegados estrangeiros; passando por episódios de espionagem; de censura a programas radiofônicos; de interrupções nas publicações jornalísticas; de náufragos e sobreviventes dos navios bombardeados na costa brasileira; de perseguições a indivíduos de nacionalidade não aliadas; de encarecimento do custo de vida; dos exercícios de defesa anti-aérea; da atuação da Força Expedicionária Brasileira (FEB); dos debates acalorados entre intelectuais e autoridades civis, militares e religiosas sobre a proibição dos festejos carnavalescos; das tentativas de doutrinação nas escolas; dos bailes for all e apresentação de orquestras e filmes norte-americanos em praças públicas; além da proliferação de propagandas em prol do consumo de artigos do American way of life e de uma suposta “entrada na modernidade”; entre outros acontecimentos.
Um período tão rico da nossa história, que muitas vezes é negligenciado por se pensar que a guerra foi bem longe daqui… Ledo engano, pois se o front ocorreu do outro lado do Oceano, aqui também se fez presente, atingindo as mentes e os corações tupiniquins, especialmente os que habitavam esta região do país.
Para saber mais:
PEDREIRA, Flávia de Sá (Org.). Nordeste do Brasil na II Guerra Mundial. São Paulo: LCTE, 2019.