Nos 100 anos do Bom Sujeito.

Amanhã, 9 de abril, a família de Oviêdo Teixeira estará comemorando os cem anos do seu nascimento com a celebração de uma Missa em sua memória.

 

Oviêdo Teixeira, falecido em 2001, deixou uma lembrança que supera os limites do agasalho familiar estendendo-se por toda a sociedade sergipana e além fronteiras, pelo seu exemplo como profissional, empresário e cidadão.

 

Nada melhor, portanto, que reverenciar tudo isso na data que seria do seu aniversário com uma prece de alegria e agradecimento por sua vida.

 

Neste contexto de homenagem, ouso transcrever um artigo que publiquei quando ainda queimavam as candelas das suas exéquias. É uma nova oportunidade de relembrar o calor e o enternecimento daquela câmara ardente em que seu féretro recebia os encômios justos e verdadeiros.

 

Segue o texto:

 

O Rosebud do Sujeito

 

Os aficionados e estudiosos da arte cinematográfica colocam Cidadão Kane como um dos melhores filmes de todos os tempos.

 

Escrito, estrelado e dirigido por Orson Welles, o filme fala da vida de um célebre jornalista, digo, um grande empresário, dono de enorme cadeia de jornais, como o foram Randolph Hearst nos Estados Unidos e Assis Chateaubriand aqui no Brasil.

 

Se o Cidadão Kane foi concebido em cima da vida de Hearst, como muita gente o diz, o mote do filme se concentra na palavra Rosebud, pronunciada por Kane em seu último suspiro de vida. Quem é Rosebud? O que é Rosebud? Por que um grande homem como Kane, tão vitorioso, inteligente e poderoso pensaria em Rosebud no último suspiro de vida?

 

Esta reflexão surge sempre nos circunstantes que acompanham os últimos momentos de um moribundo qualquer.

 

Não creio ter sido diferente com Oviêdo Teixeira, o grande empresário sergipano, o bom amigo de todos, o nosso tão querido e bom Sujeito que nos deixou nestes vindos de julho.

 

Como todo homem, Oviêdo deixa o seu legado de realizações e saudades. Teria ele tido um Rosebud? Claro. Todos o temos.

 

Conheci Seu Oviêdo desde que me entendo como gente, afinal nasci na Rua de Pacatuba, a poucos metros da sua residência, e durante toda minha infância fui seu vizinho, sempre testemunhando o zelo com que ele e Dona Alda criavam seus filhos.

 

Lembro da Casa Teixeira e de seu proprietário atencioso, sempre um grande balconista, o melhor vendedor de tecidos da cidade.

 

Vejo também sua passagem na política partidária, acompanhando o filho José Carlos no MDB. Num momento em que tinham tudo a perder, os Teixeira assumiam em Sergipe a liderança oposicionista ao regime revolucionário, dando palanques e microfones às esquerdas esfaceladas. Desfraldava-se ampla bandeira na qual muitos se abrigariam e lograriam sucesso. Nunca tantos deveram a tão poucos. Para si mesmo, Oviêdo só conseguiria um mandato de Deputado Estadual. Os amigos que lhe eram tantos, talvez porque não o quisessem distante, ou porque rareiam mesmo nos tempos amargosos, não lhe concederiam o Senado da República.

 

Mas o bom Sujeito não nascera para a suja e desqualificada política partidária. Ali com certeza não estava o seu Rosebud. Não valia a pena o sacrifício de talento e patrimônio numa agremiação política ou na busca de fugazes mandatos eletivos. Melhor seria abandonar as siglas e facções, sempre mutiladoras de sonhos e de conceitos. Tornar-se universal e estender-se em todas as dimensões. Ser ator em todos os cenários, desempenhando o seu verdadeiro papel de Homem Político, no sentido aristotélico de promoção do bem comum de sua Polis. Assim, torna-se presença marcante em todos os segmentos da sociedade, manifestando sua opinião construtiva, sem a arrefecer diante dos pessimistas e descrentes, repelindo com o seu exemplo de vida os pregadores de misérias que ruminantemente vão e voltam nas vagas de cada plano econômico.

 

Oviêdo Teixeira falando a seus Companheiros do RotarY Club Aracaju em 14/04/1999.

 

Quantas vezes nas nossas reuniões almoço do Rotary Clube de Aracaju, e agora sou seu Companheiro Rotariano, vimos Oviêdo transformar preocupações e desencantos em esperança, estímulo e motivação para enfrentar obstáculos? Sua palavra extinguia qualquer temor. Suas crenças não se curvavam a dúvidas e frustrações. Pregava o futuro afirmando a força e o vigor transformador do trabalho. Era realmente um apaixonado pela atividade mercantil. Nunca perdia a oportunidade de afirmar sua fé no comércio como força dinâmica do progresso material e social. Nunca se eximia de bem servir, afinal servir era o seu lema de vida.

 

Oviêdo foi o Rotariano por excelência. O Rotariano 100%, isto é, aquele que nunca faltara a uma das reuniões almoço, todas as quartas-feiras, chovesse ou fizesse sol, com saúde ou sem ela, por mais de cinco décadas, inclusive carregando moléstia inexorável nos últimos 15 anos.

 

Seria o Rotary o seu Rosebud?

 

Quando das comemorações de seus 90 anos de vida quis que o nosso Clube lhe conferisse a nossa maior comenda anual. Fiz por escrito extensa e abalizada exposição de motivos, tudo dentro do prazo e do figurino do Clube, afinal o ideal rotário de servir confundia-se com a vida do velho Companheiro. O Conselho Diretor pensou diferente,… e o Rotary saiu perdendo.

 

Quem ganhou foi a nossa esquecida Universidade Federal de Sergipe. Num gesto de grandeza, o saber e a cultura curvaram-se em reconhecimento do trabalho e da experiência, louvando este Self Made Man. Das mãos do Magnífico Reitor José Fernandes de Lima, o Bom Sujeito recebe comenda de mérito universitário. Era o reconhecimento do valor de um homem de poucas letras que se doutorara nas estradas da vida, exemplificando-se para muitos, fazendo-se professor de gerações.

 

Não sei qual foi o Rosebud de Oviêdo, muito menos se chegou a assistir Welles e o Cidadão Kane. Dos seus 90 anos ficará a mensagem que transcrevo da Coluna de Osmário por Yara Belchior: “É bom dizer palavras de estímulo e consideração uns aos outros, que a consideração é uma beleza. Todo mundo fica satisfeito, principalmente velho e criança. Menos eu, que não me engano com as coisas da vida”.

 

Assim, a vida não é esfinge e Rosebud não é incógnita.

 

Na fita, Rosebud é apenas uma palavra inscrita num velho móvel, um trenó talvez, um traste inútil do espólio do Cidadão Kane, colecionador de suvenir, que é queimado no final do filme.

 

Seria Rosebud desprovido de importância abrangente ou só existem valores individuais e específicos que no coletivo apenas servem como lenha queimada ao léu?

 

Se Rosebud é algo importante para uns e desprezível para outros, desconfio que o Rosebud de Oviêdo foi o Rotary Clube de Aracaju. O Rotary era muito importante para o velho Sujeito. Para outros, o Rotary assemelha-se ao trenó Rosebud que queima no inquietante final do filme de Welles.

 

No filme, Kane morre balbuciando Rosebud e todo enredo se inicia. Na vida como na arte, sentindo as forças e a inteligência se esvaírem, Oviêdo, rebelando-se contra os médicos, exige-lhes a imediata alta hospitalar, dirigindo-se ao Rotary Clube de Aracaju para despedir-se de seus Companheiros. Ali faria seu último discurso reafirmando suas crenças como homem portador de esperanças, retirando-se depois para o seu leito de morte, para recebê-la como mais uma dádiva da vida, afinal agora só queria reencontrar a sua Alda querida. No seu sepultamento Aracaju vê apoteose pouco vista. Toda sociedade sergipana se representa no enterro deste sergipano exemplar.

 

Após as homenagens lojistas e políticas, o Companheiro Carlos Magalhães discursou despedindo-se em nome dos Rotarianos.

 

Como a multidão no cemitério era muito grande e a potente voz de Magalhães não conseguia alcançar a todos, sabia-se apenas que alguém falava pelo Rotary.

 

E a palavra Rotary parecia soar desconhecida e questionadora como o Rosebud do cidadão Kane.

 

Naquela tarde o Rotary se apequenava, pois perdíamos um grande Companheiro.

 

Como Rosebud é apenas um item do espólio de um grande homem, do sentimento de perda e da saudade, consolemos a nossa tristeza repetindo a mensagem daqueles que lhe foram mais próximos, os funcionários da Cimavel: “Na estrada da vida esse Sujeito deixou muita bagagem”.

 

Gazeta de Sergipe, 7 de julho de 2001

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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