Dilton Cândido S. Maynard
Departamento de História – UFS
Pesquisador Visitante UPE/FACEPE
Para aqueles que se interessam pelas relações entre o passado e o presente, a chegada da Web marca um novo tempo. Nele, como explicou o sociólogo espanhol Manuel Castells em seu livro “A Galáxia Internet” (2003), economias, atividades culturais, políticas governamentais, empreendimentos comerciais, procedimentos e políticas de saúde, passaram a ser pensadas a partir da sua inserção na web. Consequentemente, escreveu Castells, “ser excluído dessas redes é sofrer uma das formas mais danosas de exclusão em nossa economia e em nossa cultura”. Sendo assim, talvez valha a pena refletir sobre qual é o futuro da arte de preservar o passado.
Sim, falemos de uma arte. É como “artesãos” que alguns dos historiadores mais respeitados do século XX, a exemplo de Georges Duby (1919-1996), Jacques Le Goff e Marc Bloch (1886-1944), referem-se a si mesmos. E justamente por esta capacidade artesanal o historiador lida com um universo diversificado de fontes. No tempo presente, vivemos uma impressionante transformação. Em meio à avalanche de registros, a inevitável pergunta se apresenta: o que preservar? E, além disto, cabe questionar ainda: de quem são as palavras e os números da Internet? A memória corre o risco de ser privatizada?
Porque os novos tempos, estes tempos digitais, amplificaram a nossa capacidade de arquivar as coisas. Há pouco eram grandes as dificuldades para publicar um livro, torná-lo acessível, para editar uma revista e ter acesso às fontes. Como observa o historiador norte-americano Roy Rosenzweig, a Internet mudou este quadro de modo significativo. Em lugar de uma cultura da escassez, o historiador precisa aprender a lidar com a cultura da abundância. Dois exemplos podem ajudar a esclarecer isto.
Logo após a morte de Osama Bin Laden, em 2 de maio de 2011, os meios de comunicação do mundo inteiro repetiam incansavelmente a informação, promoveram debates, entrevistas, retrospectivas. Enquanto isto, nas redes sociais, o assunto ganhava espaço através de manifestações de não-especialistas, da gente comum, dos navegantes da cibermaré. Apareceram também detalhes, questionamentos e versões que distinguiam e desafiavam as informações transmitidas pela imprensa. A mais conhecida delas, provavelmente, foi a de um narrador que registrou os primeiros movimentos dos helicópteros norte-americanos perto da sua casa, sem nem imaginar que se tratava da caçada a Bin Laden. Em 01 de maio @ReallyVirtual, avatar de Sohaib Athar, um morador de Abbottabad, “twittou” uma série de pequenos informes sobre o ataque feito pelo Team Six à fortaleza do número um da Al-Qaeda. A partir dos relatos Athar, é possível encontrar impressões que distinguem dos registros quase uníssonos sobre a operação que executou Osama. Graças a relatos como os de Athar, é possível percorrer diferentes itinerários daqueles propostos pelos órgãos oficiais de informação ou jornais e redes de televisão tradicionais.
O episódio acima nos leva até outra comparação. Vejamos o caso do torpedeamento de navios em costas sergipanas, ocorrido muito tempo antes, em agosto de 1942. Entre os dias 15 e 17, o submarino alemão U-507 afundou navios mercantes brasileiros. A notícia, porém, não chegou imediatamente. Um dos principais jornais locais, o Correio de Aracaju, justificou-se assim em 18 de agosto: “em vista de necessitar a imprensa de autorização oficial para publicar notícias referentes ao torpedeamento de nossos navios, e porque essa autorização só chegou muito tarde, o ‘Correio’ não circulou ontem”.
Entre um episódio e outro temos diferenças importantes. Apenas no segundo caso há um centro irradiador da informação. A tal “cultura da abundância” é visível em acontecimentos como a morte de Bin Laden. Mais que isto, fica evidente que as modalidades comumente utilizadas, os recursos clássicos da prova histórica – a nota, a referência, a citação – se alteraram na textualidade eletrônica. Graças aos suportes digitais o leitor é colocado em posição de poder ler, caso assim deseje, os livros e textos que o historiador leu, os documentos que ele coletou e analisou.
Contudo, apesar de todo este potencial, os historiadores ainda estão distantes da Internet enquanto um objeto de estudo. Ela tem sido meio, não objeto. É como se somente a mensagem, não o meio, importassem. Mas, como escreveu Nicholas Carr, o meio importa. Afinal de contas, a experiência de ler em um computador ou Iphone é muito diferente de ler as mesmas palavras no já velho conhecido “word”. Que tal pensarmos mais sobre o assunto?
Por isto, quando se trata de uma pesquisa envolvendo a Internet, o historiador precisa ter em mente que a investigação certamente promoverá o contato com registros digitais como e-mails, home pages institucionais, e-books, e-library… Diante disto, como ele poderá lidar com um repertório tão diversificado de registros? De saída, duas orientações podem ser feitas. A primeira delas: é preciso ter clareza de que se enfrentará um desafiador oceano de informações efêmeras, uma característica peculiar à Net. Outra, mais pragmática, é a de que sendo o ciberespaço um terreno movediço, é urgente construir estratégias para pesquisá-lo.
Este texto compõe o acervo de produções bibliográficas dos projetos “Cibercultura & Intolerância: A Extrema Direita Sul-Americana na Internet (1996-2007)”, Edital FAPITEC/SE /FUNTEC/CNPq n° 04/2011 e “ Enciclopédia Eletrônica da Intolerância, dos Extremismos e das Ditaduras no Tempo Presente, apoiada pela FACEPE.