Novidade após 50 anos

O ano da graça de 2014 coincide efemérides redondas que devem ser lembradas pela importância histórica que guardam para os brasileiros. Há 20 anos foi lançado o Plano Real, que finalmente estabilizaria a moeda brasileira e garantiria a eleição para presidente da República do sociólogo Fernando Henrique Cardoso.

Também há 20 anos morria o ídolo Ayrton Senna e o maestro Antonio Carlos Jobim, e o Brasil conseguia o tão sonhado tetracampeonato no futebol, vencendo a Copa dos Estados Unidos após 24 anos do tricampeonato de 70.

E 1984, há 30 anos, foi o ano das Diretas-Já. A Emenda Dante de Oliveira defendendo as eleições diretas foi derrotada no Congresso, mas a memorável campanha simbolizou a pá de cal que sepultaria a ditadura militar no ano seguinte, após 21 anos do regime de exceção.

Mas a efeméride mais importante, sem dúvida, são os 50 anos de instalação da ditadura militar, algo terrivelmente importante e definidor dos rumos que tomaria a história do Brasil. O dia 31 de março de 1964 já não é comemorado pelas forças armadas, mas a data não deve ser esquecida, por tudo de ruim que representou nas nossas vidas.

Em nome do Estado, torturou-se, matou-se e deram-se sumiços a vidas que jamais soubemos do seu paradeiro. E pronto, devemos enterrar definitivamente o passado agora que o Exército decidiu não mais comemorar data tão funesta?
Só os clubes Militar, Naval e Aeronáutico ainda timidamente homenageiam “os integrantes das Forças Armadas da época que, com sua pronta ação, impediram a tomada do poder e sua entrega a um regime ditatorial indesejado pela Nação Brasileira”.

E o saldo para o país em nome de todo esse zelo foi mais de 200 mortos, cerca de 150 desaparecidos, milhares de traumatizados física e psicologicamente, uma nação indelevelmente marcada inclusive pelo atraso na economia, a despeito do decantado desenvolvimentismo dos anos 70.

Aguardando o desfecho da Comissão da Verdade, o Brasil ainda está em dívida com a sociedade e atrasado inclusive em relação aos vizinhos da América do Sul quanto à retirada dos esqueletos do armário.

Em outros países, suas comissões esclareceram casos de violação de direitos humanos, tais como tortura, mortes, desaparecimentos forçados e ocultação de cadáveres. Houve até condenações. Jorge Rafael Videla, o mais importante general ditador argentino, morreu na cadeia no ano passado.

Mas para a sorte da história aquele período está sempre a revelar fatos novos, ou pelo menos a confirmá-los. Agora mesmo uma revelação feita pelo jornalista Elio Gaspari põe luz sobre o entendimento da participação americana no golpe militar de 64.

Segundo o autor de "A Ditadura Envergonhada" e outros três densos volumes sobre o período militar, semanas antes de ser assassinado no Texas, em novembro de 1963, o presidente americano John Kennedy indagou em reunião na Casa Branca se os Estados Unidos poderiam intervir militarmente no Brasil para depor o presidente João Goulart.

A pergunta de Kennedy, feita ao embaixador americano no país, Lincoln Gordon, é reveladora de como os EUA cogitavam uma ação armada para ajudar os golpistas a derrubar o presidente brasileiro. A ação, contudo, acabou sendo desnecessária: bastou o apoio diplomático norte-americano para tornar bem-sucedida a conspiração que derrubou o governo de João Goulart entre 31 de março e 1º de abril de 1964, instaurando uma ditadura militar que duraria 21 anos.

A indagação de Kennedy, documentada em uma gravação realizada pelo próprio americano, foi revelada pelo site "Arquivos da Ditadura" (www.arquivosdaditadura.com.br), que foi ao ar com documentos sobre o período reunidos ao longo de décadas pelo jornalista Elio Gaspari, colunista da Folha da S. Paulo.

A informação é uma das novidades da reedição de "A Ditadura Envergonhada", primeiro volume da série de Gaspari. Ao contrário do que muitos pensavam, a posição americana em relação ao golpe brasileiro foi definida por Kennedy, e não por seu sucessor, Lyndon Johnson, que prontamente reconheceu o governo golpista em 1964.

Em reunião realizada na Casa Branca nos dias 7 e 8 de outubro de 1963, John Kennedy e seus principais assessores discutiram o futuro de Brasil e Vietnã. Sobre a mesa, a possibilidade de golpes de Estado nos dois países. No dia 7, Kennedy conversou longamente sobre a situação brasileira com o embaixador Lincoln Gordon, que servia no Brasil desde 1961 e era um frequente interlocutor dos conspiradores.

Após ouvir do embaixador sobre o cenário no Brasil, Kennedy o indaga: "Você vê a situação indo para onde deveria, acha aconselhável que façamos uma intervenção militar?". O embaixador afirma que eles trabalhavam com um cenário de intervenção caso Jango desse uma guinada à esquerda.

Quarenta e seis dias após a reunião, Kennedy seria assassinado a tiros em Dallas, Texas. Assumiria o vice Lyndon Johnson, que apenas seguiu com o roteiro já definido pelo antecessor. Como se sabe, a intervenção americana não foi necessária. Os EUA fizeram a operação "Brother Sam", em que disponibilizou apoio logístico para o caso de guerra civil.

O site "Arquivos da Ditadura" foi elaborado pela editora Intrínseca, que a partir de fevereiro relançará os quatro livros que Gaspari escreveu até agora sobre o período. Os documentos foram usados pelo jornalista para escrever os livros. É a primeira vez que esse arquivo é disponibilizado na internet. (Com informações da Folha de S. Paulo)

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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