Novo Regime Fiscal e Retrocesso Social

Como já registramos aqui neste espaço da Infonet em diversas ocasiões, estamos vivendo uma conjuntura de enormes retrocessos, seja na seara política formal (com a ruptura democrática do golpe institucional em forma jurídica de impeachment), seja na esfera econômica (com grave crise internacional do capitalismo que abala os alicerces da economia nacional e atinge mais gravemente os mais pobres), seja na esfera dos direitos fundamentais econômicos e sociais e de políticas públicas voltadas para a redução das desigualdades, as quais vêm sofrendo sistemáticos e planejados ataques voltados à sua restrição e até mesmo extinção, legitimados pelo discurso oficial da necessidade de contenção de gastos e medidas de austeridade fiscal como panaceia de saída da crise.

Essas medidas de restrição dos direitos sociais já eram orientadas pelo Governo Dilma Rousseff que, antes mesmo de iniciar o seu segundo mandato, logo após as eleições de outubro de 2014, intensificou ações que contrariavam frontalmente a linha programática de sua campanha do segundo turno, quando prometera que não mexeria nos direitos sociais “nem que a vaca tossisse”.

Daí advieram a adoção de política macroeconômica orientada para o superávit primário e elevação das taxas de juros, redução de gastos com políticas públicas sociais, restrição de direitos previdenciários, gestação de uma nova reforma da previdência social, bem como significativa redução orçamentária da justiça do trabalho, com evidente viés de enfraquecimento da proteção jurisdicional dos trabalhadores contra o abuso do poder econômico e veto à realização de auditoria da dívida pública. Capítulo muito grave desse processo foi a aprovação, já em 2015, na Câmara dos Deputados, por partidos políticos então integrantes da base de apoio político-parlamentar do governo e apoio entusiasmado de partidos que então faziam oposição, do projeto de lei que autoriza a terceirização para a atividade-fim das empresas.

Na mesma marcha a insana ideia defendida na semana passada pela Confederação Nacional da Indústria de aumento da jornada semanal de trabalho para 60 (sessenta) horas, ideia estapafúrdia que nos faz temer o retrocesso ao século XIX em termos de total ausência de proteção social mínima.

Esse quadro de retrocessos sociais ganha agora mais uma ameaça brutal e concreta com a proposta de emenda à constituição que institui um novo regime fiscal para durar nos próximos vinte anos. É a proposta de emenda à constituição n° 241/2016, apresentada ao Congresso Nacional pelo Vice-Presidente no exercício do cargo de Presidente da República Michel Temer, que tem exposição de motivos subscrita pelos Ministros da Fazenda Henrique Meirelles e do Planejamento Dyogo Henrique de Oliveira, em que é assumida a linha ideológica do receituário neoliberal que levou à crise global de 2008 e cujos reflexos são sentidos no mundo inteiro até os dias de hoje: juros altos, austeridade fiscal, corte de gastos e de investimentos sociais, que resultam em benefícios exclusivos para o mercado financeiro.

Por essa proposta, apresentada sob o disfarce de controle de moralidade da elaboração do orçamento e estabilização das contas públicas, os investimentos públicos serão congelados – tomando como referência as despesas realizadas em 2016 – com atualização anual apenas pela variação do INPC, mediante a imposição de um limite de gastos individualizado por Poderes e órgãos.

Isso significa congelar por vinte anos os parcos investimentos sociais a serem realizados em 2016, enfraquecendo a necessária e obrigatória atuação do Estado em políticas públicas sociais e até mesmo limitando o planejamento econômico governamental, que deve ser voltado para o desenvolvimento nacional e redução das desigualdades sociais e regionais.

Nada mais significativo do viés dessa proposta é o seguinte trecho da exposição de motivos, que revela abertamente a gravíssima intenção de acabar com a obrigatoriedade constitucional dos gastos mínimos com educação e saúde:

“Um desafio que se precisa enfrentar é que, para sair do viés procíclico da despesa pública, é essencial alterarmos a regra de fixação do gasto mínimo em algumas áreas. Isso porque a Constituição estabelece que as despesas com saúde e educação devem ter um piso, fixado como proporção da receita fiscal. É preciso alterar esse sistema, justamente para evitar que nos momentos de forte expansão econômica seja obrigatório o aumento de gastos nessas áreas e, quando da reversão do ciclo econômico, os gastos tenham que desacelerar bruscamente. Esse tipo de vinculação cria problemas fiscais e é fonte de ineficiência na aplicação de recursos públicos”.

Não há outra alternativa para combater esse enorme retrocesso social: a luta, que deve ser contínua e constante, convergindo atuação social e manifestações públicas com política institucional, objetivando impedir a aprovação dessa malfadada PEC nº 241/2016, que representaria a definitiva derrocada da Constituição-Cidadã do Estado Social Democrático de Direito de 1988.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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