O Banquete do Sr. Smith

O nome dele é pomposo, coisa de inglês mesmo, mas, sua alegria é de brasileiro. Se a primeira regra de uma boa festa é reunir tipos diferentes, o Sr. Smith tem a receita infalível para uma celebração virar um verdadeiro acontecimento. Um dia, sem querer eu passei o olhar numa de suas muitas listas de convidados e constatei que para uma festa virar sucesso de público (e comentários posteriores) é preciso uma matemática de vida.

Em resumo, é imprescindível para uma festa: um ex-casal (recém-separado, de preferência), dois pares de gays (pseudo-intelectuais, caso tenha um intelectual vale também), uma blogueira de moda decadente, uma apresentadora de TV recém-lançada, uns quatro jornalistas (diferentes áreas, por favor), um semianalfabeto de corpo malhado, uma ciumenta incorrigível, duas dúzias de roqueiros, apenas um adepto do Axé Music (pra causar um transtorno), três-xiitas-dependentes-politicamente-de-algum-partido-do-momento, uma esfomeada, uns três professores-chatérrimos da UFS, um economista (que ainda acha que pode salvar alguma coisa no Brasil) e dois mentirosos compulsivos. Artistas plásticos sempre terão acesso livre, porém, que tragam sua bebida – pois chegam sempre primeiro que todo mundo com as mãos vazias, mas são os últimos a deixar a festa, sempre trôpegos. São PhDs em beber a cerveja alheia.

Calma que ainda não acabou a fórmula do sucesso das festas do Sr. Smith! Ele ainda possui uma programação de convidados feita por hora. Nunca vi algo tão moderno assim! Quando a festa tiver em sua primeira meia hora inicial, Sr. Smith recomenda tirar da gaveta a ‘agenda-dos-problemáticos’. Aí é que o bicho pega… Ligar no ato para os cafajestes (os tipos que fodem em pé atrás da porta da cozinha), e não vá esquecer de chamar a biba-fofoqueira-odiada-por-todos (sem ela não existirá motivo para desejar a morte de ninguém). Quando a bebida começar a fazer a cabeça da moçada (cerca de duas horas após abertos os trabalhos) comece a chamar os que fazem a linha rico-que-só-chega-por-último: são sempre opinativos, possuem dinheiro, mas não sabem lidar com os sentimentos. Ah e é preciso convidar um amigo evangélico (pra que ele conheça a vida real antes de chegar ao inferno propriamente dito).

Importantíssimo: Não vá esquecer de convidar os politicamente corretos: vegetarianos (mesmo que todos os pratos servidos possuam carne, vale mentir e falar que o patê de erva só levou planta quando na verdade alguns corações de galinha foram triturados no meio). Entre os chatos do deixa-disso são imprescindíveis os que não andam motorizados (adoram bikes), os maratonistas que não bebem nada (mas curtem uma erva às escondidas, claro), os não fumantes (de preferência os que deixaram de fumar poucos dias antes – é imprescindível colocá-los sentados entre os fumantes compulsivos – um tumulto com a psique alheia sempre cai bem). É preciso ter umas duas mulheres em processo de regime/redução de estômago (pra que elas sintam desejo pela mesa farta de doces). Vale (e muito) ter a presença de uma modelo, nem que seja de décadas passadas, porém, bem botoxeada (são as melhores).

Quando acha que todo mundo está focado em seus respectivos celulares, o Sr. Smith tem uma técnica eficaz: desligar o aparelho de wi-fi da casa (isto sempre causa uma confusão no ambiente). Se a coisa não melhorar, ele propõe apelar para um blackout (quem não tem coragem pra encarar a vida, adora um escuro proposital para apalpar, roubar, injetar ou até mesmo sumir). Vixe, que loucura!

Não existe livro de etiqueta que possa configurar uma festa na casa do Sr. Smith. Lá pode ser um curral de touros insanos, mas também um templo de anjos declamando os poetas mais conhecidos. Um capítulo extra é a linguagem do Sr. Smith. Não existe lugar no mundo onde o anfitrião fale uma língua especial pra dizer que ama seus convidados. O Sr. Smith tem dialeto próprio, o conhecidíssimo e desconhecidíssimo “Nhã-Nhã-Nhã”. Quando gosta de algo, o Sr. Smith diz: ‘‘Nhã-Nhã-Nhã”, mas quando não gosta de alguma coisa, todos ouvem seu “Nhã-Nhã-Nhã”, num tom mais grave.

O Sr. Smith é um lorde perdido numa selva de ingratos. Já contei que o hobbie do Sr. Smith é cozinhar? Depois que ele teve cinco paradas cardíacas, os médicos “aconselharam” que o Sr. Smith não deve mais consumir nada industrializado. Por esse motivo, ele coleciona ingredientes frescos e amigos variados – quando misturados, o sabor é sempre marcante (vide as fotografias que o Sr. Smith sai tirando no decorrer dos dias que perduram suas próprias festas). Falei dias? Sim, dias!

As comemorações no Sr. Smith começam sempre toda quarta-feira e podem durar até a segunda-feira seguinte. O Sr. Smith só precisa das terças para abastecer suas cinco geladeiras (sim, ele tem cinco geladeiras funcionando ao mesmo tempo), mas se chover numa terça-feira o Sr. Smith reúne umas trinta pessoas para um carteado rápido (entre as 20h e lá vai cacetada com o dia amanhecendo). Na Mansão-super-pé-no-chão-do-Sr-Smith o dia amanhece logo. Cada festa é um romance escrito para não ter fim, porque as histórias-estórias contadas lá se multiplicam como coelhos selvagens.

Festa boa no Sr. Smith tem que ter no mínimo: duas brigas de faca, o fim de uma amizade eterna, um roubo de chapéu, uma tupperware surrupiada transbordando comida, um sofá que passou pela intervenção artística de algum lunático, breve pocket show com alguma cantora-new-lésbica, três desafetos (que serão vingados na próxima festa), um aniversário celebrado tardiamente, alguém alimentando a pitbull do Sr. Smith com algo indevido, lembranças de um carnaval passado, um pileque de dar vexame em cima da mesa, um empréstimo de livro (que jamais será devolvido), troca de CD e DVD a cada dois minutos no som (soube que o Sr. Smith vai contratar um DJ permanente de quarta a segunda tocando hits da Pan, mas também alimentando as almas-empoeiradas que passam por lá).

Para um simples mortal reunir tantos tipos citados para uma festa seria algo inviável, não para o Sr. Smith. Ele sempre consegue olhos, bocas e corações para despejar o amor que carrega em seus 1,95 de altura e de coração. Se você nunca viu um coração de 1,95 de altura vagando por aí, é porque certamente nunca recebeu um convite do Sr. Smith!

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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