Advogados estão indignados com o súbito desabafo de um juiz do trabalho que, nos autos, sentenciou: o Brasil é uma “merdocracia neoliberal neofascista”. Para eles, um horror!
Os preclaros causídicos protocolaram uma representação junto aos homens das togas engomadas do Conselho Nacional de Justiça pedindo punição disciplinar, incluindo aposentadoria compulsória, para o juiz Jerônimo Azambuja Franco Neto, da 18ª Vara do Trabalho de São Paulo. Foi ele o autor da alegada ofensa à moralidade da justiça.
Ache quem quiser que a sua fundamentação exala um pessoal posicionamento político, mas não tirem a razão do homem. Afinal, qual tolerante cristão em sã consciência e indignação não tem extrapolado e manifestado seu protesto político diante do tipo de governo que desgraçadamente nos governa? Desvio de finalidade e quebra de decoro uma pindoba!
“O ser humano Weintraub no cargo de ministro da Educação escreve ‘imprecionante’. O ser humano Moro no cargo de Ministro da Justiça foi chamado de ‘juizeco fascista’ e abominável pela neta do coronel Alexandrino [o herói da FEB]. O ser humano Guedes no cargo de Ministro da Economia ameaça com AI-5 (perseguição, desaparecimentos, torturas, assassinatos) e disse que ‘gostaria de vender tudo’. O ser humano Damares no cargo de Ministro da Família defende ‘abstinência sexual como política pública’. O ser humano Bolsonaro no cargo de Presidente da República é acusado de ‘incitação ao genocídio indígena’ no Tribunal Penal Internacional”, escreveu o meritíssimo na sua polêmica sentença.
E arrematou, corajoso: “Eles não estão aí de graça. Há bilionários e asseclas por trás de sabujos em golpes de estado promovidos em guerra híbrida, como no desvirtuamento da mecânica jurídica em um verdadeiro mecanismo neofascista.” Vixe!
Pois vamos aos termos. Que o governo é neoliberal, disso não há dúvida e é até um elogio. Que é neofascista, também já ficou mais do que evidente, desde a confirmação de práticas reiteradamente fascistas e agora até nazistas.
O ex-secretário da Cultura, elogiado pelo próprio Bolsonaro horas antes da sua demissão, plagiava ninguém menos que Joseph Goebbels, ministro da propaganda nazista, cuja pregação foi fundamental para a ascensão e fortalecimento do regime imposto por Hitler ao povo alemão, de massacre às minorias.
Vejamos o que disse o próprio Bolsonaro na campanha eleitoral, ipsis litteris: “Vamos fazer o Brasil para as maiorias. As minorias têm que se curvar às maiorias. As leis devem existir para defender as maiorias. As minorias se adequam, ou simplesmente desaparecem.” É discurso fascista ou não é?
O seu repertório autoritário é extenso: vai da apologia à tortura e à ditadura a ameaça ao Congresso e ao STF, passando por intimidação da imprensa e dos que pensam diferente, insulto, injúria e humilhação de quilombolas para uma plateia de judeus no Clube Hebraica, perseguição aos índios, invocação ao assassinato de políticos de esquerda (“vamos fuzilar a petralhada”) etc.
Chamar isso de neofascismo é prato pequeno. E tudo sob o olhar complacente de autoridades e de uma imprensa que simplesmente naturalizam toda barbaridade que emana desse governo. Ignoram até que racismo e apologia ao nazismo são crimes (Lei nº 7716/89, atualizada pela Lei nº 9459/97).
E a merdocracia? Ora, se não estamos numa ditadura, mas vivemos uma frágil democracia, se não estamos numa autocracia, nem numa monarquia e muito menos numa anarquia, que melhor definição para a nossa republicana e malcheirosa forma de governo senão a merdocracia? O doutor Azambuja foi muito feliz na sua definição.
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P.S. A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho divulgou a seguinte nota: “Em relação a essa decisão, ou qualquer outra decisão de juiz do Trabalho, independentemente do nível da polêmica que venha causar, a Anamatra não julga os julgamentos dos magistrados. Não é papel da Anamatra. Na verdade, a entidade acompanha com bastante preocupação toda a repercussão dessa decisão, os inúmeros compartilhamentos, e observa com cautela, porque é representativa da polarização que hoje toma conta de toda a sociedade brasileira. O Judiciário não é infenso a esse sentimento de polarização. A nossa preocupação é em como essa decisão canalizou a polarização que está presente na sociedade brasileira, nos diversos segmentos. O decréscimo dos direitos sociais, e o modo como vêm sendo tratados como direitos de bagatela, acaba repercutindo, às vezes, no modo como o juiz procura – dentro da sua decisão – mostrar qual é macroestrutura que ele compreendeu e que acredita tenha conexão com o caso concreto que julga. A Anamatra tem posição muito clara: a de que defenderá o direito do magistrado à ampla defesa e ao contraditório em qualquer procedimento disciplinar.”