O Canto Daqui – São Cristóvão

Em 1977 a então Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro patrocinou um amplo levantamento das ocorrências de fatos folclóricos em Sergipe, preparando uma equipe que andou por todos os municípios e quase todos povoados, reunindo informações sobre a sobrevivência de grupos, de brincantes, de artistas e artesãos, que pudessem representar a lúdica sergipana, com sua variedade. O levantamento, decorrente do I Encontro Cultural de Laranjeiras, realizado em maio de 1976, surpreendeu Sergipe e o Brasil, porque foram identificados 220 grupos folclóricos no Estado.

Uma rápida visão sobre o universo do folclore sergipano mostrava a existência de 44 grupos de Zabumba, também conhecido como Esquenta Muié, Banda Cabaçal, Caceteira, em função no interior sergipano, com sua formação básica, de pífanos, caixa, como o modelo da Zabumba de João Chorão, de Lagarto, gravada em compact-disc duplo, em 1976, sob a direção do maestro Aloísio de Alencar Pinto e recentemente regravada em CD, pela FUNARTE, no Rio de Janeiro.

Chegança, Reisado, Guerreiro, Pastoril, Cacumbi, Batalhão de Bacamarteiros, Pisa Pólvora, Batucadas, Sambas de Aboio, de Coco, de Roda, Cavalhada, com corrida de argola, Dança de São Gonçalo, Maracatu, Taieira, Parafusos, Cangaceiros, dentre outras manifestações, muitas delas ainda hoje abrilhantando as festas religiosas e de largo que fazem o calendário de eventos de Sergipe. Um farto, rico e diversificado material do patrimônio imaterial que Sergipe vem guardando, fielmente, desde os tempos da colonização.

 

Ficou de fora, da pesquisa, a coleta de contos, de cantos, quadrinhas, romances, de dramatizações, outros folguedos existentes no território, guardados pelo povo, ou instrumentos devocionais, ligados a tradições de Santos Reis, São Benedito, Nossa Senhora do Rosário e outros vínculos antigos.

 

Trinta anos depois, muitos grupos foram extintos, quase sempre pela morte dos mestres, que são guardiões do conhecimento, ou pelo abandono, descaso, falta de respeito para com os grupos e seus brincantes. Enquanto não houve uma legislação que considere de relevante interesse a atividade dos grupos, respeite as atividades dos brincantes e proteja a sua participação no grupo e, ainda, assegure os benefícios de seguridade social, o folclore tal qual uma tênue chama vai aos poucos sendo apagada, impiedosamente extinta uma luz que já clareou a vida social dos sergipanos.


Os Encontros Culturais de Laranjeiras, ininterruptos desde 1976, concorreram para a valorização do folclore, além de ser, ele próprio, uma escola que expõe e debate sobre a temática da cultura popular, reescrevendo uma bibliografia que faz de Laranjeiras, e de Sergipe, uma referência singular. O Governo do Estado fez, ao longo de 30 anos, edição de livros, revistas, álbuns de xilogravura, Anais dos próprios Encontros, CDs, salvando da extinção grupos notáveis, como a Taieira, de Maria de Lourdes; o Reisado,de Lalinha; o São Gonçalo, da Mussuca, todos de Laranjeiras; a Chegança, de Paulo (recentemente falecido) e a Zabumba, de João Chorão, ambos de Lagarto; O Reisado, de Sabau, e o Lariô, ambos do Pirambu; o canto dos descendentes Xocó, os temas negros de Marizete, dentre outros materiais que circularam na escola e fora dela, como um aporte de conhecimento local, forma de desalienação cultural.

Foram poucas, contudo, as iniciativas dos municípios sergipanos. Dos grandes e financeiramente fortes, aos miúdos, fracos de receitas, a omissão predominou, enquanto vários grupos foram extintos, inapelavelmente desapareceram, deixando lacuna insanável e impreenchível, mesmo porque os estímulos estão sendo carreados para os grupos de imitação, ou de projeção, que tanto confundem o espectador, como concorre para liquidar com o folclore autêntico. O turismo, quase sempre, tem a ver com a morte dos grupos autênticos e o patrocínio de grupos de projeção, ou para-folclóricos.

 

São Cristóvão é uma exceção. Acaba de sair um CD – O Canto Daqui, primorosamente gravado, na Capitania do Som, de Irineu Fontes, com vozes e instrumentos  de vários grupos, como Caceteira, Chegança, Samba de Coco, Dança do Langa, Reisado, São Gonçalo e Taieira, cada um com seu mestre, demonstrando a força cultural do povo. Aplausos para os grupos, para o Prefeito Zezinho da Everest (José Correia Santos Neto), para as pessoas que seguram a onda em São Cristóvão, defendendo o patrimônio dos templos e casario e o bem imaterial, duas faces de uma mesma importância, com destaque para os organizadores da Fundação João Bebe Água, especialmente para Tiago Fragata, historiador da velha cidade, ex capital da Capitania e da Província de Sergipe.

Ouça algumas faixas do CD:

 

Reisado de Satú

Taieira



 

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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