Para uns, um homem de hábitos simples, para outros, uma das figuras mais expressivas da sociedade sergipana da sua época,
Dr. Machado |
alguns dizem que ele inaugurou a pediatria como especialidade em nossa terra, outros que praticava a medicina que serve aos doentes e nunca se serve deles… E todos estão certos, porque se referem a José Machado de Souza que, neste domingo, 22 de janeiro, vivo estivesse, estaria comemorando seu centenário de nascimento.
Cultivava atos simples sim, aos sábados, a visita ao cemitério Santa Isabel para visitar o mausoléu da família, onde estavam sepultados os seus pais e a querida filha Maria Anita, falecida precocemente. O pai da pediatria científica sergipana gostava também de ir à feira no Mercado Tales Ferraz, jogar conversa fora com os feirantes amigos e descascar laranjas, sentado num banco cativo. E praticava a medicina que, sendo técnica e conhecimento, era também um ato de solidariedade e afeto, nas palavras de Luiz Décourt, grande cardiologista brasileiro.
Esse era o pediatra José Machado de Souza, nascido em 22 de janeiro de 1912 em Aracaju, filho único de Gervásio Souza e Laura Machado de Souza e que começou a cursar medicina em Salvador, na faculdade primaz do Brasil, concluindo na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, em 1929. Retornando a Aracaju, instalou consultório pediátrico na antiga Rua João Pessoa, onde permaneceu por trinta anos. Depois transferiu o consultório para a Praça Fausto Cardoso, instalando-se em seguida e definitivamente na Avenida Barão de Maruim.
Em 1936, casou-se com Ana Barreto de Souza (Anita) e tiveram sete filhos: José, Maria, Carlos, Maria Anita, Renato, João (que se tornou pediatra como o pai) e Laura Maria. Machado permeou mais de cinco décadas da medicina sergipana como a mais destacada personalidade na pediatria, sendo diretor do Hospital infantil vinculado ao Hospital das Clínicas Dr. Augusto Cézar Leite por 43 anos, mas atuando também no Hospital Santa Isabel.
Formando um tripé de amizade profunda e sólida com Augusto Leite e Lauro Porto, ele teve atuação destacada, ao lado de Juliano Simões e Gileno Lima, para que o “velho” cirurgião pudesse retornar a sua antiga casa, o Hospital Santa Isabel, em 1962, para inaugurar o centro cirúrgico “Augusto Leite” e, dois anos depois, realizar uma laparotomia para retirada de um fibromioma, num ato que comemorava o cinquentenário da primeira cirurgia abdominal realizada em Sergipe, no Hospital Santa Isabel, no remoto ano de 1914.
Dr. Machado. Seu vozeirão, que assustava aos mais desavisados, era só comparado em tamanho à bondade de seu coração. Quando, ainda estudante de Medicina, eu chegava de manhã cedo ao pavilhão infantil do Hospital de Cirurgia, para os primeiros estudos práticos, deparava-me com aquela figura descomunal, desproporcional aos seus pequeninos pacientes, colocando grandes mãos em pequenos abdomes, muitos com baços e fígados aumentados em decorrência de verminoses e carências proteicas, mas com extrema delicadeza.
Dr. Machado foi um dos fundadores da Sociedade Médica de Sergipe, em 1937 e seu segundo presidente, por dois mandatos, de 1949 a 1951 e de 1954 a 1955. Foi professor fundador da Faculdade de Medicina de Sergipe e deu aulas de pediatria de 1964 a fevereiro de 1982. Entre outros cargos, foi vice-governador do Estado de 1955 a 1959, no governo Leandro Maciel. Voltou ao governo em 1979, como Secretário da Saúde no governo de Dr. Augusto Franco onde, entre outras realizações, fundou o Hemose, primeiro centro sistematizado de hemoterapia do estado de Sergipe. Faleceu em 1997, como consequência de uma acidente vascular cerebral, após exercer a profissão durante 53 anos.
Importante ressaltar que dois outros nomes marcaram a pediatria sergipana no mesmo período em que Dr. Machado praticava a sua clínica: Hyder Bezerra Gurgel e Paulo Freire de Carvalho, que também foram professores pioneiros da nossa Faculdade e comprometidos com a causa da criança, além de proprietários das primeiras clínicas privadas em nossa cidade para atendimento da criança. A história nos mostra que antes de Machado, outros médicos prestaram assistência à criança, como Augusto Leite, Lauro Hora, Silvio Santana e João Cardoso. Por sistematizar o atendimento pediátrico em função do ensino e dos novos conhecimentos da especialidade, ele é considerado por muitos como o pai da pediatria sergipana.
Vários outros pediatras se sucederam ao longo dessa história de abnegação e atenção à saúde da criança. Nomes como Jacy Meireles, Byron Ramos, Bráulio Abreu, Josefina Maranhão, Maridélia Guedes, Iracema Carneiro Leão, Simone Matos, Marília Ramos, Magali Dias de Carvalho, Antonio Paixão, José Augusto Lisboa, Stela Santana, Luciano Franco, Ana e João Lima, João Augusto Figueiredo, Maria das Graças Bomfim, Margarida Diniz (Margaridinha), Ricardo Gurgel, Cristina Garcia, Glória Tereza, Ângela Marinho, Andréia Diniz, Elizabete Paiva, entre outros. É para esses e para todos os pediatras, que na labuta diária do trabalho, onde quer que estejam, na capital e no interior, anonimamente, na maioria das vezes mal remunerados, mas todos imbuídos de uma nobre e dignificante missão, que é a de cuidar das nossas crianças, que aproveito também para prestar uma justa homenagem ao evocar a memória imorredoura de José Machado de Souza.
Lúcio Antonio Prado Dias, da Academia Sergipana de Medicina, do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe e da Associação Sergipana de Imprensa.