A Semana de Arte Moderna, ou os três dias poéticos e artísticos de fevereiro de 1922, em São Paulo, inspirou a que jovens estaduanos, distantes da criação e do consumo das artes, saíssem da penumbra em que viviam e mostrassem talento, com linguagens que expressavam uma vida simples, do interior, para um País que desconhecia seu povo e que viveu, por longa história, dividido entre brancos e negros, ricos e pobres, letrados e analfabetos. Foi Euclides da Cunha, com Os Sertões, quem primeiro mostrou o Brasil aos brasileiros. Um País de fé, em busca da santidade, preso a tradições religiosas, fiel como um devoto, que mesmo fustigado por um exército armado, não arredou pé de Canudos, nem negou, uma vez sequer, Antonio Conselheiro.
Marinetti divulgou seu Manifesto futurista, apresentando a vanguarda, que poetas e artistas brasileiros acataram com as adaptações necessárias, para que a expressão artística reproduzisse a alma nacional: nas cores, nas temáticas, nas formas, no sotaque que, pela primeira vez, era mostrado aos brasileiros. As obras de todos os envolvidos com a Semana de Arte Moderna e com o Modernismo, em geral, são bem um mostruário sincero, abundante, representativo de uma ruptura que seguiu adiante, modificando tudo o que já havia sido modificado, como um moto perpétuo, a expor sem fim sua força motriz.
Os jornais sergipanos, que abrigavam em suas redações jovens ligados no mundo, começaram a publicar textos explicativos, menos críticos e mais apaixonados, e poemas onde a forma fixa, a rima, a métrica, a estrofe, desapareciam, evaporadas pelo sopro do vento das vanguardas. De repente, não mais que poucos anos, e os poetas brasileiros estavam divididos entre os sonetos de Bilac, ou os poemas de Manoel Bandeira, para citar dois ícones da literatura poética brasileira.
Abelardo Romero, lagartense como o tio-avô Silvio Romero, publicou nos jornais de Estância, e em Aracaju, poemas em formas novas. Juntou-se a José Maria Fontes, outro que tanto era do jornal, quanto era da palavra intelectualizada, poética, e foram adiante, encarnando o Modernismo. Jackson da Silva Lima descreveu, apoiado em suas pesquisas e leituras, a Noite da Poesia Moderna, realizada, corajosamente, no palco do Cinema Guarany, do homem de comunicação e de outras travessuras Augusto Luz. Havia quem vibrasse, com aquelas sombras, por trás da cortina, recitando palavras sem rimas, sem metro, sem os apetrechos requeridos pela vigência da poesia grandiloqüente, que por séculos emocionou e fez chorar a amantes e espectadores.
Abelardo Romero teve seu Centenário de nascimento celebrado no ano passado, com uma Exposição escolar em Lagarto e com uma sessão pública na Biblioteca Epifânio Dória. Agora é a vez de José Maria Fontes, que no próximo dia 26 deste junho dos três santos, completar 100 anos de nascido. Não há, ao que se saiba, qualquer indicativo de evocação e de homenagem a este nome do jornalismo e da poesia sergipana, que quase não passou de um funcionário público, na área da saúde, não fosse a ousadia de ser poeta e de pela poesia mostrar-se capaz de assimilar o que de novo a linguagem poética oferecia. Sem negar o que produziu antes, poemas e sonetos de boa qualidade estética, José Maria Fontes avançou na direção do Modernismo, adotou os versos brancos e toda a carga simbólica que havia neles, ilustrou as redações com suas produções, publicou alguns poucos livros, e deixou, inéditos, muitos dos seus melhores poemas.
Lincoln de Souza, jornalista e funcionário público que conheceu a intimidade de muitos intelectuais sergipanos, quando andou por aqui, na década de 1930, escreveu sobre José Maria Fontes e arrazoou uma opinião fundada na leitura de textos, alguns dos quais publica, abonando o que diz sobre o autor. Eis alguns versos:
“Desceu do teto, sobre as nossas mãos
uma réstia de sol. Entre elas brilhou
e acendeu no teu dedo outro brilho maior.
E tu e eu, como instintivamente,
esquecemos o nosso gesto de carícia
a olhar a pequenina estrela em nossas mãos.”
Certamente o filho de José Maria Fontes, também jornalista, também poeta, Clarêncio Fontes não deixará que passe em branco, sem versos ou sem palavras, o Centenário do pai. Sergipe deve a José Maria Fontes pelo menos uma pequena frase: prazer em conhecê-lo.