A figura do senador Júlio César Leite serviu a que o seu neto, advogado e jornalista Ricardo Leite revistasse os álbuns de família e as páginas da história, construindo uma biografia política, sublinhada pela admiração, a começar pelo título do livro: Júlio Leite, o chefe invisível (Aracaju: Instituto Tancredo Neves/Banese, 2004). É um livro sincero, algumas vezes apaixonado, que ocupa lugar destacado na história política e republicana de Sergipe, revelando o seu autor como um pesquisador consciente do objeto de suas pesquisas. Capa do livro Júlio Leite, o chefe invisível
Poucos são os personagens sergipanos que têm biógrafos. Homens como os generais Manuel Priscialino de Oliveira Valadão, José de Siqueira Menezes, José Joaquim Pereira Lobo, José Calasans, Augusto Maynard Gomes, como os médicos Felisbelo Freire, Rodrigues Dória, os bacharéis como Martinho Garcez, Ciro de Azevedo, que tiveram papéis destacados na política e na administração pública do Estado, são personagens que estão a espera de quem possa biografá-los, no contexto dos cenários de suas épocas.
Os políticos, em sua grande maioria, passam nas páginas dos livros com citações, mesmo porque são poucos os autores que trabalham com a análise dos fatos, com a compreensão do fenômeno político. Os livros de Ibarê Dantas são praticamente únicos e cobrem décadas importantes, nas quais surgiram movimentos, como é exemplo a década de 1920 com as revoltas tenentistas. O último livro de Ibarê Dantas historia a República, detalhando o itinerário prático decorrente dos ideais republicanos, passando em revista as administrações, abarcando longo período, chegando a resenhar a dupla gestão do governador Albano Franco, o que dá precisa atualidade ao livro recentemente lançado.
Ricardo Leite cumpre, então, um papel de historiador ao focar suas pesquisas e análises no senador Júlio Leite (1896-1990), bacharel pela Faculdade Livre de Direito do Rio de Janeiro, com curso na Escola Superior de Guerra, Delegado, Chefe de Polícia, Inspetor Escolar, Secretário – Geral do Estado de Sergipe, banqueiro do Banco Mercantil Sergipense,( casa fundada em 1924, tendo como companheiros o Coronel Gonçalo Rollemberg do Prado, seu sogro, e Moacir Rabelo Leite) , industrial da Fábrica Santa Cruz, (de propriedade da Companhia Industrial de Estância, fundada pelo comendador João de Souza Sobrinho, e mais tarde adquirida pelo coronel Gonçalo Rollemberg do Prado) e, ainda, da Fábrica Senhor do Bonfim, (de propriedade da Empresa Industrial Estanciana, que organizou com Constâncio Vieira, que também possuía as fazendas Limeira e Peripery, onde criavam gado Zebu, e as fábricas de descaroçar algodão Modelo e Sulina, respectivamente em Riachão e em Boquim), integrante do Partido Republicano, organizado em 1945, quando da redemocratização do País, e que em Sergipe foi herdeiro da velha União Republicana, liderada pelo médico Augusto Leite, irmão do biografado.
que obteve 38.258 votos. Cumpridos 8 anos, voltou a disputar a cadeira de senador, em 1958, perdendo-a para Heribaldo Vieira, da UDN, por pouco mais de 3 mil votos. Na eleição seguinte, em 1962, conquista novo mandato para o Senado, tendo a outra vaga ocupada pelo seu sobrinho Leite Neto.
Nos 16 anos que passou no Senado Federal Júlio Leite soube ser um bom representante do Estado, muito embora sua imagem estivesse sempre associada as articulações políticas, onde parecia estar mais à vontade para exercer seu papel de líder, que dividiu com Armando Rollemberg e com outras lideranças setoriais do Partido Republicano. Ricardo Leite selecionou discursos do segundo mandato, deixando de listar os temas tratados entre 1951 e 1959, fase de efervescência política, que cobre o fim da Era Vargas e o Governo de Planos e Metas do presidente Juscelino.
Muito justamente, o autor destaca a presença de Júlio Leite na Estância, dirigindo a Fábrica de Tecidos e concorrendo com sua visão social para a harmonia entre o capital e o trabalho, certamente influenciado pelas ações vanguardistas do Dr. Thales Ferraz, ao dirigir a Fábrica Sergipe Industrial, a primeira de Sergipe, de propriedade da família Cruz, instalada em Aracaju. Ainda hoje é possível verificar os equipamentos sociais, desportivos e culturais das Fábricas Santa Cruz e Senhor do Bonfim.
Igrejas, residências para os funcionários graduados e vilas operárias, gabinete dentário, Salão de Diversões, Teatro e Centro Recreativo fazem lembrar o Parque Sergipe Industrial, montado em 1913, pela visão de Thales Ferraz, o mais completo complexo de lazer que já teve a capital sergipana, ponto de atração de famílias inteiras e de jovens aracajuanos, ávidos por diversão. Thales Ferraz, que não foi político, é um personagem a espera de um biógrafo, não somente pelo Parque, mas pelas revolucionárias atitudes sociais.
Júlio Leite, o chefe invisível de Ricardo Leite é um tributo, pessoal e familiar, a um político que influiu na história de Sergipe, muito especialmente nas décadas que exerceu mandatos como representante do Estado no Senado Federal. Sua família, toda ela de sensibilidade política, revelou os filhos Augusto, executivo de fino trato e competência, Fernando, que foi deputado estadual pelo PR, de 1963 a 1967 e suplente de deputado federal, na eleição de 1966, e que na condição de presidente da Assembléia Legislativa assumiu o Governo do Estado, na ausência do governador Celso de Carvalho, que governava desde a deposição e prisão do governador Seixas Dória. A terceira geração vai bem na política, como é o caso de Otávio Leite, virtual vice prefeito da cidade do Rio de Janeiro, depois de ser vereador e deputado estadual na Cidade Maravilhosa, honrando a biografia do avô.
Bem ilustrado, reproduzindo alguns documentos, o livro de Ricardo Leite pode figurar na estante sergipana de história como uma contribuição significativa de resgate de um personagem e uma época.
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