Zé Praxedes era um português barrigudo que viveu na Rua do Rangel, lá no Recife, nos tempos em que a boemia era mais saudável. De porte magestoso, Zé Praxedes parecia um barril de chopp, ou uma barrica, como se dizia naquele tempo em que a água potável ainda não era encanada e era abastecida por ancoretas, que alguns chamavam ancorotas, trazidas por comboios de jegues, fustigados por chicotes estralantes. Neste tempo ainda não existiam os tecidos sintéticos, tipo nycron, tergal, microfibras, o escambal. Havia o linho branco, alvíssimo, o tropical, caríssimo, e o brim lustroso de corte fácil e custo modesto. E o Zé Praxedes adorava exibir-se em terno engomado, passado a ferro de brasa e carvão, e lustrado com vela de espremacete.
Na verdade o nome não era espremacete, mas espermacete, que não tem nada de esperma, afinal o espermacete, segundo o Houaiss é uma mistura de substâncias gordurosas extraídas da cabeça de baleias, constituída especialmente de palmitato de cetila e usado em cremes, ceras, emulsões, na fabricação de velas, sabões, emolientes, o que não interessava a Zé Praxedes, nem a ninguém.
O que interessava para o português era paquerar as morenas da vizinhança, as tão decantadas cabrochas de então. Moças humildes, operárias de muita luta, com seus perfumes baratos de Myrurgia e Eucalol, a tentar mascarar o cheiro adocicado de óleos comestíveis, de banhas de porco e de almíscares avinagrados em sua função honestamente obreira, mas bastante desprezada.
Pois bem! O Zé Praxedes adorava namorar uma moreninha temperada no forno e fogão. Assim, vestia-se todo de branco engomado no espermacete, com suspensório contornando a pança, gravatinha bem acentada, como macaco de circo, encimado por um chapéu côco quebrado de lado.
Naquele tempo o cidadão elegante tinha que se vestir assim. Não havia chegado ainda as modas de griffes, hoje tão decantadas e recebidas por presentes, como mimo. O mimo de então era estar impecavelmente vestido, num linho puríssimo ou num brim lustrosíssimo, sapatos dupla cor, tipo faixa branca, e possuir um bigode de Keiser alemão.
Ah! Terrível não ter bigodes ou tê-los ralos! E os bigodes de Zé Praxedes eram de fazer inveja até ao Barão do Rio Branco, Comendadores muitos, e até alguns Guarda-livros do erário, como se dizia naquele tempo dos fiscais das contas públicas
Como os fiscais das contas públicas, nos contos e nos conceitos públicos, Zé Praxedes era um gentlman, um verdadeiro cavalheiro, cheio de modismos e rodeios emperuados, rabeadas de pavão, em mesuras de sorrisos e meneios de beija-mão.
Em privado, Zé Praxedes tinha todos os vícios, embora ninguém o soubesse, afinal naquele tempo não existiam nem escutas telefônicas nem câmaras indiscretas. No máximo sabia-se que o nosso herói gostava de refestelar-se com uma garrafa de pinga mordiscando saborito, aquele camarão pequeninito que se come com casca e tudo, misturado com farinha de copioba.
Sabia-se também, que após a farra em privado, o nosso herói se publicava em roncos homéricos curtindo sua birita nos braços de Morfeu.
Quando á tardinha se acordava, passava talco no sovaco, brilhantina no cabelo, e água de colônia Lancaster por todo corpo, até nas partes pudendas. Banho não precisava, dizia escamar a pele e não deveria jamais ser rotina. Bastava como bom lusitano, trocar de camisa e de ceroula, tê-las bem lavadas e enxaguadas e o terno bem engomado, como já foi dito. O que não foi dito é que o nosso herói após a sesta, do vinho, cerveja ou cachaça, acordava cantante e fagueiro, dizendo que lhe restava no dia apenas sair “à caça”. Onde o caçar era seduzir empregadinhas domésticas, inocentes e desavisadas, que acreditavam nas boas intenções do gavião Zé Praxedes.
Deste modo, o Zé Praxedes era uma pessoa vil, de péssimo caráter e procedimento, nunca percebido nos seus modos e trajes, no máximo parecendo um chimpanzé circense, com sói todo gordo que se mostra em suspensório, exibindo seu burlesco; um verdadeiro ultraje a rigor.
Mas, naquele tempo, diferente de hoje, não existia ultraje sem perdão. E foi então que uns gaiatos resolveram lhe dar um castigo de modo a ridicularizá-lo. Esperaram um dia em que a farra do Zé Praxedes tivesse sido regada a muitas doses de Conhaque Cavalinho e moqueca de cação, e que o deixasse anestesiado por toda a tarde. Qunado o cansaço veio e o bicho se escornou no sono, os gaiatos pincelaram cuidadosamente o bigodão luso do Zé Praxedes com excremento de galinha, ainda mole e visguento. O nosso guerreiro lasso não percebera nada. No máximo parou o ronco, denotou uma leve cócega, fez um movimento de beiço, fungou três vezes o bigotão, deu três espirros escandalosos e retornou ao seu sono inocente de criança.
No final da tarde, quando o etanol já estava devidamente metabolizado, eis que o luso herói se acorda e se lembra de Jedalva a morena de coxas roliças e seios fartos com quem marcara encontro para logo mais. De repente chegou-lhe ao nariz o perfume do bigode. Sentiu-se num mar de excremento. Ocorrera alguma coisa enquanto dormia? Procura o mau cheiro na cama. Nada! Debaixo da cama. Nada! Abre a janela, funga a brisa fresca que adentra o quarto, e percebe que o mau cheiro continua. E conclui: – O mundo está podre!
E a história terminaria, como outras de português se o nosso herói não resolvesse empestear o mundo dos outros. No caso o mundo de Jedalva que o esperava refrescada por honesto suor e sabonete Lifeboy, e estava louca para dar uma chave de coxa no portuga todo engomado.
Mas o portuga estava terrível, com um cheiro insuportável! E este cheiro era conhecido de Jedalva. Porque só os simples, os que têm a tarefa de lidar com limpezas de todo o tipo, é que conhecem a sujeira e quem a suja. E Jedalva viu que o português embonecado era um sujo civilizado, um titica de reisado. E era imperdoável não lhe dar uma surra de cabo de vassoura. E foi na vassourada que Zé Praxedes foi expungido em xingação; – Saia daqui, seu titica de galinha!
Sem titica, sem galinha, e sem bigode como o de Zé Praxedes, o recente noticiário de desmandos do Gautama, ao revelar a nova criação sergipana, em unanimidade, no multivariado universo ideológico, parece que tudo foi uma obra de gaiatos. Como os que “perfumaram” o bigode do Praxedes. E o mandaram ir “à caça”, justamente onde a caça era farta e não tinha uma negona pura como Jedalva com suas coxas dadivosas para botar ordem no feito.
E porque Jedalva ali não vai, o país vai como vai, e os nossos homens públicos acham que tudo pode apagar com notas aos nossos custos nos jornais, o falado e o bem mal falado, ali nos mesmos jornais.
Graças a Deus e graças à independência jornalística da TV Atalaia o gravado ainda não foi apagado. E está sendo bem aprendido, de cor e na decoreba. E repetido, cada vez com mais detalhes. Com bigodes distribuídos a granel.
Enquanto isso os que não se sentem responsáveis pela desmoralização ética vigente, fingem que é o mundo que está apodrecido. E só não estão atendendo a recomendação de relaxar e gozar na pasta cheirosa, porque estão preocupadíssimos com o recente ecândalo de limitar a velocidade dos carros e velocípedes na cidade de Aracaju. Dizem que vão criar a CPI da bicicleta; a que cheira a pé-de-atleta.
Ah! Zé Praxedes! Ah! Jedalva! Quanta futrica! Quanta lama! Quanto poço de titica em meio a gente tão bacana! Tudo fazendo bacanal! Com o seu. Com o meu. Com o do Praxedes bigodudo e feiudo, e até com o da bunduda Jedalva, tão negra, tão pura e tão alva, quanto bela e boazuda. Sem exceção.