O Cruzeiro do Sul e o Rancho de Canudos

Foto: acervo

A história do descobrimento do Brasil guarda controvérsias. É precário o conhecimento sobre a viagem das caravelas portuguesas, e o feito de confirmar aquilo que os antigos já sabiam, que constava dos mapas,  sobre a existência de uma terra lendária,  conhecida na oralidade por diversos navegadores de Portugal.  O próprio Pedro Álvares Cabral escreve ao Rei, em 1º de maio de 1500, dizendo:…. “em obediência à instrução de Vossa Alteza navegamos no Ocidente e tomamos posse, com Padram, da terra de Vossa Alteza, que os antigos chamavam Bradam ou Brasil.”

O cosmógrafo João Martin, amigo de Américo Vespúcio e, segundo os que o conheceram era um bom contador de estórias,  se refere ao falado Mapa-mundi de Pero Vaz Bisagudo, autor que provavelmente recebeu ajuda do frei Giovani Giacondo. Era fácil supor, então, que nos tesouros secretos do Rei existia um mapa, com a localização da terra onde os lusos desembarcaram, em abril de 1.500.

Uma curiosidade:  a denominação de Cruzeiro do Sul, dada por Mestre João, a  uma constelação austral, em forma de cruz, formada por seis estrelas da Constelação do Cisne, perto da Constelação de Centauro, foi comunicada ao Rei de Portugal,pelo próprio Mestre João. Logo correu entre  os marinheiros a crença de que se alguém fixasse o olhar no céu do Brasil, diretamente no Cruzeiro do Sul e pedisse a realização de um desejo, este seria realizado. Talvez esta crença seja a mais antiga do Brasil, contemporânea dos descobrimentos, que sobrevive através da variante conhecida como Estrela Cadente. Quando a pequena luz risca o céu com seu brilho é comum, entre brasileiros, fazer um pedido, aguardando que seja atendido. Na Bolívia, onde recebe o nome de Constelacion de la cruz del sur, o Cruzeiro do Sul também mantém sua força benéfica entre os camponeses. Na Argentina resiste fragmentos em torno do Cruzeiro do Sul, também como uma antiguidade, agregada a tradição sobre as estrelas.

O Cruzeiro é recorrente no imaginário brasileiro. Na virada do século XX, as igrejas matrizes plantaram o Cruzeiro do Fim do Século, em frente da porta principal do templo. Em Aracaju o Cruzeiro foi colocado no morro da Caixa d´água, no local onde hoje está o Centro de Criatividades. Na década de 1920 passou para o Morro do 28 BC. Em Jaboatã o Cruzeiro fica em frente da Matriz, centro de uma tradição que remete para a existência de um Tesouro, deixado pelos missionários, que já inspirou autores, sendo dois romances e um ensaio. O Dia da Cruz, ou da Santa Cruz, está vinculado aos descobrimentos e a Igreja celebra como santo o Dia da Primeira Missa, por Dom Henriques de Coimbra. Na verdade o frei rezou três missas, uma logo após a chegada dos mareantes portugueses, a segunda no dia 1 de maio e outra no dia 3, do mesmo mês.
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Padre José Gumercindo Santos, nascido em Itabaiana, em 1907 (15 de agosto) é autor do livro Pedaços d’Alma, no qual relata, numa sequência cronológica rica em detalhes, a sua vida missionária. É um livro pleno de lembranças e de fatos que marcaram a luta do sacerdote, tanto como salesiano, como integrante da Diocese de Aracaju, nas diversas paróquias e entidades que criou em vários lugares, especialmente no Colégio Santa Terezinha, em Boquim onde deixou cravado na memória do povo o seu esforço cristão. Padre Gumercindo, em 1916, dá notícia de uma teatralização popular, conhecida como Rancho, na sua cidade natal. É dele o texto:

“Em Itabaiana havia uma festa toda esquisita. No aniversário da queda de Canudos,
que se deu em 1897, no vizinho Estado da Bahia, a Praça da Matriz se enchia toda
de ranchos de palha, imitando a Canudos de Antonio Conselheiro, homem
venerado em Itabaiana, porque ali estivera nas suas andanças por Sergipe.
E, justamente na rua onde eu cresci, ele passara um mês em uma casa em
construção, apenas coberta. Minha mãe que era menina, naquela época, o
ouviu muitas vezes.

Lá pelas 9 horas do dia, havia uma batalha simulada na Praça. A população se
acostava pela frente da Matriz, debaixo das palmeiras do reino e de outras
árvores. Algumas pessoas da janela de seus sobrados engalanados, tinham o
privilégio da melhor visão.

Quando eu pela primeira vez vi o fogaréu do incêndio simulado e a polícia e
os soldados do exército esmulambados, a correr atrás dos jagunços e a
correria do mata-mata, do pega-pega, por entre as labaredas e a gritaria
geral, deixei minha mãe e corri para atravessar a rua e me esconder. Nesse
momento, um bando de jagunços, atirando de seus bacamartes para o ar,
desembocava ao meu lado. Eu aturdido chorava e gritava, correndo, sem saber
para onde.

E não sei como passei o resto do dia, porque nem minha mãe me encontrava,
nem eu acertava com minha casa.”

O rancho de Itabaiana, que desaparec eu com o tempo, guardou por muitos anos o episódio da guerra de Canudos, como uma das raras manifestações populares ligadas ao tempo do Conselheiro.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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