História de uma entrevista
Conheci Millôr Fernandes em 1990. Acabava o curso de Comunicação Social e, como todo jovem da década de 80, queria resgatar a liberdade perdida, queria ser ouvido, chamar a atenção, ser contra, exercitar o debate.
Passávamos as madrugadas discutindo a tirinha do Henfil, o texto do Moacyr Werneck de Castro e a coluna do Millôr.
Na época o Pasquim era a trincheira da liberdade e o Jornal do Brasil a referência do jornalismo livre.
Entre um “frelancer” e outro surgiu o projeto de escrever um livro de entrevistas O QUE ELES PENSAM ( Edições Tagore 1991 ) com personalidades da vida brasileira.
Parti com a cara, coragem e o gravador para arrancar dos entrevistados suas reminiscências, lembranças do passado remoto, trajetórias de vida, fracassos, sucessos, sonhos sepultados e projetos guardados.
Eu conhecia o Geraldinho Carneiro – que já havia entrevistado antes. Ele era amigo do Millôr. Pedi para o Geraldinho fazer a ponte e marcamos para domingo no final da tarde.
O encontro foi no seu estúdio em plena cobertura em Ipanema, na Vieira Souto. Uma vista inesquecível.
A simplicidade, o jeito despojado, bermuda e chinelo contrastavam com a exuberância do lugar.
Conversamos por mais de 4 horas. Millor foi uma personalidade aberta e carinhosa. Ele que já havia sido um estagiário, um garoto do Méier, subúrbio do Rio, abria espaço para falar com o jovem jornalista que insistia em cumprir a pauta da extensa entrevista.
Depois que a entrevista foi publicada ele teve um gesto que guardo até hoje.
Naquele tempo não tínhamos as facilidades da internet, email. O carteiro bate na minha porta e entrega o envelope bonito, papel fino, sofisticado. Ao abrir um cartão do Millôr de próprio punho, com desenho e assinatura.
O artista foi fiel a si mesmo. Abriu as portas do seu estúdio, estendeu a mão e depositou esperança nos olhos e flores nas mãos do jovem, aprendiz, iniciante ( como no desenho que fez e enviou ).