O direito de greve dos servidores públicos – Parte III (Final)

No dia 25/10/2007, o Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento de três mandados de injunção (MIs nº 670, 708 e 712), impetrados por sindicatos representativos de categorias de servidores públicos e que versavam sobre o direito de greve dos servidores públicos.

 

Como dito nas duas partes anteriores, o STF decidiu que, enquanto não for elaborada a lei específica exigida pelo inciso VII do Art. 37 da Constituição Federal, os servidores públicos poderão exercer o direito de greve, nos termos e limites tomados de empréstimo, por analogia, da Lei nº 7.783/89, que regula a greve no âmbito dos trabalhadores da iniciativa privada.

 

De acordo com a Constituição, “conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania” (inciso LXXI do Art. 5º).

 

Todavia, o STF adotava, até então, o entendimento segundo o qual a eficácia dos julgamentos proferidos em mandado de injunção seria meramente declaratória da existência de uma omissão normativa que violava a Constituição, devendo esse reconhecimento judicial ser comunicado aos órgãos omissos. Ou seja: eficácia reduzida, que não servia à efetividade dos direitos e liberdades constitucionais, cujo exercício ficava frustrado pela ausência de norma regulamentadora.

 

Como bem disse Sergio Porto a propósito desse julgamento – em comentário formulado no espaço aqui destinado às observações dos leitores – o Poder Judiciário aponta para uma nova era de julgamentos acerca do Mandado de Injunção que pouco fora respeitado dantes”. Um era de adoção da “teoria concretista”, com decisões aptas a viabilizar o exercício de direitos e liberdades constitucionais, mesmo que ausente a norma regulamentadora.

 

Surpreendeu, porém, a extensão dos efeitos da decisão para todos os servidores públicos do Brasil, e não apenas para os servidores públicos representados pelos sindicatos que fizeram parte dos respectivos e já mencionados processos (vencidos, nesse ponto, os Ministros Marco Aurélio, Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski). O STF adotou, então, a “teoria concretista geral”. É dizer: exerceu um papel regulamentador genérico, um papel normativo. Essa posição surpreende porque um dos principais óbices que a própria Corte levantava (em sua antiga composição) para a adoção da “teoria concretista” era o da separação de poderes. A função normativa primária do Poder Legislativo seria usurpada. A nova orientação – se se firmar – representará, aí sim, exercício de amplo poder normativo geral que, a princípio, é função do Poder Legislativo.

 

Outro aspecto que chama atenção nessa decisão do STF é mais sutil.  Refiro-me às motivações psicológicas e ideológicas a ela subjacentes. Em todos os votos, os Ministros ressaltaram a importância de dar efetividade aos comandos constitucionais, sendo inconcebível que, por inércia do legislador, os servidores públicos ficassem privados do exercício de um legítimo direito assegurado na Constituição. Contundo, tais votos revelaram mesmo uma preocupação em estabelecer (em caráter geral) os limites ao exercício do direito de greve pelos servidores públicos! Confira-se trecho de declaração do Ministro Eros Grau, prestada ao jornal Folha de São Paulo e publicada na edição de 26/10/2007: “A virtude dessa decisão é que agora toda e qualquer paralisação de atividade no serviço público está sujeita a um limite”. Observe-se bem: a imposição dos limites foi colocada como “a virtude” da decisão. Não a garantia do exercício de um direito constitucional frustrado pela ausência de norma regulamentadora. Não. A sua grande virtude foi a sujeição da greve dos servidores públicos a um limite.

 

Em outras palavras: o STF valeu-se do mandado de injunção não propriamente para assegurar a efetividade do direito constitucional de greve dos servidores públicos. Em boa verdade, o que o STF fez foi valer-se de mandados de injunção (impetrados por servidores públicos organizados em sindicatos) para estabelecer uma regulamentação geral – substitutiva da regulamentação específica que deve ser elaborada pelo Congresso Nacional – na perspectiva limitadora do seu exercício. Isso para atender ao que a Suprema Corte indicou como sendo um anseio da sociedade.

 

Esse é um típico exemplo de como as motivações de determinadas decisões judiciais só podem ser realmente encontradas numa contextualização bem mais ampla do que nas fundamentações formalmente apresentadas. E de como mecanismos processuais podem ser utilizados, ainda que involuntariamente ou não deliberadamente, para o alcance de finalidades inteiramente distintas daquelas para as quais originalmente se destinam.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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